por João Borba (texto produzido em 2013)
O autor é influenciado por Nietzsche e por Schelling, e é um profundo conhecedor de mitologia. Em seus livros, e neste com particular agudeza e profundidade, Otto denuncia influências indiretamente cristãs ou do modo de pensar e viver atual que acabam distorcendo a imagem que temos do pensamento mítico e mágico da antiguidade, e que se tornaram muito comuns. Imagens que colocam o pensamento mítico abaixo do pensamento atual, como se fosse um modo inferior e imperfeito de raciocinar, ou um tipo de sentimento religioso "ainda primitivo" e "pouco desenvolvido", ou ainda uma "fantasia" que iludia as pessoas da antiguidade, levando-as a acreditarem ingenuamente em absurdos. Tudo isso, segundo Otto, é falso (e me sinto forçado, depois de examinar inúmeros outros livros dos mais variados autores sobre o assunto, a dar completa razão a ele).
Otto também critica a visão junguiana, por ela considerar os mitos como uma realidade apenas psicológica, como algo cuja única realidade estaria no fato de acontecer no fundo da mente das pessoas e de levá-las a certos sentimentos, atitudes e modos de vida. Para os gregos antigos, pelo contrário, os mitos são manifestações diretas de forças da natureza. Elas se manifestam diretamente nisto tudo que vemos, tocamos, sentimos etc. nas coisas da natureza ao nosso redor. Quando um grego antigo mergulhava as mãos nas águas de um rio, sentia estar mergulhando as mãos diretamente no corpo líquido de uma deusa, a deusa Rhea, deusa dos rios, trazendo parte do corpo líquido dessa deusa à boca, bebendo-a, trazendo parte dela para dentro de seu corpo ao beber essa água etc.
E isso ocorria tão constante e cotidianamente que não tinha nada de especial: a vida era inteira constantemente "milagrosa" nesse sentido, e "sagrada", sem que essa miraculosidade de cada gesto e cada contato com cada coisa significasse qualquer "acontecimento especial". Tudo isso era normal banal e cotidiano, e as pessoas podiam estar sendo mais intensamente ou menos intensamente "tocadas" por essa presença constante dos deuses.
Eles também se manifestavam na forma de sentimentos de que as pessoas eram tomadas, e isso de uma maneira tão constante, banal e cotidiana, que não pode ser descrito com precisão nem mesmo com a palavra "possessão", porque só podemos ser "possuídos" por uma entidade sobrenatural se ela antes não estava em nós, mas não se elas fazem parte de tudo o que está constantemente em nós, como ocorria com os gregos antigos, segundo o modo de pensar deles.
A influência de Schelling (mais ainda que a de Nietzsche, que às vezes recebe também alguma crítica por parte de Otto) está presente, me parece, principalmente na ideia schellinguiana de que o infinito divino está presente e manifesto nas próprias coisas finitas e sensíveis ao nosso redor, como uma espécie de interioridade profunda para a qual cada coisa se abre.
Mas para ele, esse infinito divino é no fundo um só, e para os gregos antigos, era uma multidão de forças divinas espalhadas pelo mundo, e que com frequência se fundiam umas com as outras parcialmente ou mudavem de forma, principalmente ao se manifestarem nos nossos sonhos ou na nossa imaginação, podendo por exemplo, assumir uma forma humana, de um animal ou mista; mas os deuses poderiam se apresentar assim também fora da nossa mente, em diferentes lugares e para diferentes pessoas ao mesmo tempo.
Posseidon (deus dos mares), por exemplo, poderia aparecer no sonho de alguém como um gigante barbado com cauda de peixe emergindo do mar, no sonho de alguém, e não seria uma imagem dele, mas o próprio Posseidon se manifestando na mente da pessoa, ao mesmo tempo que longe dali um pescador estaria, à noite, navegando com seu barco de pesca no corpo líquido de Posseidon, isto é, nas águas do mar.
Entre os pontos fortes do livro, a meu ver, está a sua cuidadosíssima distinção entre uma mitologia grega arcaica, anterior à dos deuses Olímpicos (Zeus, Apolo etc.), e essa mitología dos deuses Olímpicos, que é a do classicismo grego, a mesma que vemos na Ilíada e na Odisseia de Homero, e depois na época da democracia de Atenas. A mitologia arcaica não desapareceu: ela se fundiu com a clássica, de uma maneira interessantíssima.
Os deuses da mitologia arcaica eram forças irracionais, que na maioria dos casos não tinham exatamente vontade própria nem "decidiam" o que queriam ou não, apenas seguiam um comportamento institivo (em geral agressivo, até violento) e quase animal, comportamento que era sempre o mesmo, e previsível, às vezes influenciável pelos homens através da força da magia, mas lidar com essas forças da natureza era perigoso. E na maioria dos casos eram imaginados sem forma humana. Entre essas forças da mitologia arcaica havia muitos monstros também, e muitas figuras mistas de homens e animais.
Pois bem: com o aparecimento dos novos deuses, liderados por Zeus, os gregos entenderam que houve uma guerra entre essas duas gerações de deuses, vencida pelos deuses Olímpicos, que eram mais racionais e mais parecidos com os seres humanos, tinham cada um uma personalidade própria complexa, e eram dotados de vontade própria, de capacidade de refletir, decidir, mudar de decisão etc., como um ser humano. Mas como os deuses são todos imortais, e sua "morte" quer dizer apenas serem lançados provisoriamente ou parcialmente na "noite negra do esquecimento", ficando mais esquecidos e mais fracos, os deuses vencidos continuam presentes, e de vez em quando se manifestam. São os tais "titãs", vencidos pela geração de Zeus.
Segundo Otto, alguns desses deuses antigos foram aceitos e incorporados na nova mitologia como se fossem parte da geração mais nova dos deuses, passando a ser tratados pelos gregos como se tivessem personalidade similar à humana e fossem menos animalescos, como se não tivessem sido da geração dos antigos e arcaicos deuses "titãs" — e isso provoca imagens contraditórias desses deuses. Um desses casos é o de Posseidon, às vezes visto como uma força irracional, animalesca e primitiva dos mares, à maneira arcaica; às vezes como um irmão de Zeus, com sua personalidade, suas relações com o irmão, suas reflexões e decisões etc., já à maneira clássica.
Embora os livros mitológicos de Hesíodo sejam um século posteriores aos livros de Homero, e apesar de Hesíodo tornar as relações entre os deuses mais coerente e racional, se aproximando do que mais tarde se tornaria a filosofia (explicação racional sobre as relações entre as coisas que existem na natureza), o tratamento que Hesíodo dá aos deuses é bem mais conservador, e se aproxima muito do modo arcaico, anterior ao de sua época, de encarar os deuses. Além disso, nos livros de Hesíodo reaparecem muitas das entidades arcaicas que Homero havia ignorado nos seus livros para dar mais atenção aos deuses Olímpicos da nova era clássica. Por isso, Hesíodo é uma fonte melhor para a compreensão da mitologia arcaica dos períodos micênico e minóico, anteriores a Homero.
Mais uma vez, preciso concordar com Otto. Trata-se de um excelente estudioso do assunto.