Escola de Frankfurt

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Temas e posições da Escola de Frankfurt

(TEXTO AINDA SEM SUBTÍTULOS, SUMÁRIO, ETC.)

A Escola de Frankfurt é um grupo de filósofos dedicados principalmente aos estudos filosófico-sociológicos, histórico-filosóficos e de filosofia política. Formou-se ligada ao Instituto de Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, na Alemanha, a partir de pensadores judeus de descendência marxista, que começaram a fazer a crítica do marxismo trdicional (especialmente o stalinista) e mesmo de alguns pontos do pensamento do próprio Marx. No entanto, assim como os demais marxistas continuaram a postura de luta anticapitalista, apoiada no cuidadoso estudo e compreensão do mundo capitalista.

Contudo seus estudos tendem a dar mais atenção às questões ligadas à psicologia social e aos efeitos dos avanços tecnológicos do capitalismo sobre ela do que propriamente às questões políticas de fundo histórico-econômico que costumam ser examinadas pelo marxismo clássico. São um grupo pessimista, e a ideia de uma revolução que melhoraria as coisas no mundo quase desaparece entre eles.

Entendem o pensamento de Marx (assim como o deles próprios) como uma defesa da racionalidade e do antigo projeto dos Iluministas do século XVIII (Diderot, Voltaire, Kant) de difundir entre os seres humanos as luzes da razão e o progresso. Nesse sentido, valorizam a ideia de se construir uma visão global teórica coerente, capaz de ajudar a compreender a razão de tudo o que ocorre na realidade humana, considerando todas as sociedades do mundo, consideram esse como sendo o projeto de Marx, que seria então, de algum modo, herdeiro do projeto dos Enciclopedistas no Iluminismo (movimento liderado pelo filósofo Diderot que, na França iluminista, elaborou e publicou, com a ajuda de inúmeros pensadores, a mais profunda enciclopédia da história mundial).

Mas ao mesmo tempo conforme já dito, os filósofos da Escola de Frankfurt são muito pessimistas quanto à possibilidade de realização do projeto Iluminista, porque em sua avaliação o capitalismo se desenvolveu de uma maneira tal, que está corrompendo as próprias noções de "razão" e "progresso", submetendo-as a forças irracionais que precisam ser reconhecidas e estudadas — coisa que segundo eles não é suficientemente considerada pelos marxistas tradicionais.

Essa noção do pensamento marxiano como defensor de uma compreensão global e coerente do conjunto da realidade concreta, por parte dos filósofos frankfurtianos, se apoia em algo que de fato é valorizado por Marx: a noção de que o pensamento se perde em ilusões se não for sempre trazido de volta à realidade concreta, mesmo quando se trata de um pensamento que se torna altamente abstrato nos seus primeiros passos.

Assim, para Marx (e para a Escola de Frankfurt) entender algo em sua realidade concreta é procurar compreender como esse algo interage com todo o conjunto de suas relações mais relevantes no seu contexto. Por exemplo, um texto não pode ser realmente compreendido se tentarmos fazer isto apenas a partir da citação de frases ou passagens isoladas, mesmo que sejam frases ou passagens importantes, porque quando entendemos essas frases e passagens citadas dentro do seu contexto, isto é, dendro do conjunto do texto, elas mudam de sentido. E mais do que isso: o próprio texto no seu conjunto não será compreendido em todo o seu significado se não o relacionarmos com a realidade concreta ao redor dele, na qual ele foi produzido — uma realidade na qual há certas condições materiais muito específica que afetam também de maneira muito específica as ações humanas relacionadas a elas, de modo a levar certas pessoas, na sociedade, a produzirem textos como este.

O detalhe curioso quanto a isto, é que essa noção extremamente interessante não é originalmente de Marx: é do anarquista Pierre-Joseph Proudhon — que já antes de Marx não só praticava constante e claramente essa busca da imersão dos seus pensamentos na realidade concreta, como ainda formulava isto explicitamente e com perfeita clareza a todo momento, em suas obras. Entre as diferentes formulações dessa mesma noção por Proudhon em diferentes fases de sua produção intelectual, a que ficou mais conhecida pelos estudiosos e simpatizantes da filosofia proudhoniana é uma formulação mais tardia: a que diz que todo pensamento nasce da ação e deve retornar a ela sob pensa de desempoderamento do agente.

Os marxistas não costumam reconhecer essa fonte de Marx — nem os ortodoxos e tradicionais, nem os dissidentes e heterodoxos — porque o próprio Marx não a aceitava. Marx conhecia perfeitamente bem apresença disto em Proudhon, mas preferiu atribuir o mérito a si mesmo, dizendo que derivou essa noção de uma combinação original que fez do pensamento contextualizante de Hegel, com sua versão materialista criada pelo brilhante "jovem hegeliano" Ludwig Feuerbach. Marx chegou inclusive a escrever um livro inteiro sobre Proudhon tentando provar que o pensamento proudhoniano era preso ao mundo das abstrações teóricas e não atingia a realidade concreta. Mas é um livro apoiado quase inteiramente em falsidades deslavadas. Marx deturpa a tal ponto o texto de Proudhon que está criticando, que mal podemos reconhece-lo, de tantas passagens importantes ignoradas ou gravemente distorcidas, e até mesmo devido ao acréscimo de ideias inventadas, que não estão no texto original de Proudhon.

A estratégia básica de Marx, no livro Miséria da filosofia — já que era um livro dirigido ao público alemão, que em geral não lia francês, — era a da desinformação.

É interessante observar tais detalhes sobre o confronto entre Marx e Proudhon quanto a esse tema tão caro aos frankfurtianos, porque o que eles fazem, em sua dissidência em relação ao marxismo original, é basicamente tentar corrigir as deficiências dele combinando Marx com o existencialismo de Nietzsche e a psicanálise de Freud. E acontece que o anarquista Pierre-Joseph Proudhon, ainda antes de Marx (pois era pouco mais de uma década mais velho), pode ser considerado, em certa medida, como uma espécie de tronco comum entre Marx e Nietzsche antecipando ao mesmo tempo os dois. Talvez o trabalho da Escola de Frankfurt pudse ter se aprofundado bastante, então, e bem mais rapidamente, se examinasse criticamente Proudhon com a mesma atenção com que examinou a realidade concreta em Marx.

Além das influências de Freud, Marx e Nietzsche, pensamento da Escola de Frankfurt foi fortemente marcado também pela análise do nazismo. O grupo era formado principalmente por pensadores judeus, de modo que sentiram fortemente o impacto nazista, e tiveram que fugir para os Estados Unidos (onde mais tarde foram novamente perseguidos, embora não com a mesma violência — desta vez pelo macartismo, por terem ligações com o comunismo devido a sua herança marxista.

O que observaram sobre o nazismo, basicamente, é que o moduz operandi nazista era sempre extremamente racional. Mas de uma racionalidade desumana, sem responsabilidade e livre decisão dos agentes. Uma racionalidade puramente técnica e imediatista, que determinava que cada um cumprindo seu papel com eficiência que apenas "seguiam ordens" na maioria dos casos fria e banalmente, sem qualquer senso crítico ou emoção maior quanto a isto, mesmo quando seguir tais ordens implicaria centenas de mortes. Agiam tão irrefletidamente como robôs pré-programados. Não foi só a Escola de Frankfurt que observou isso. Filósofos de descendência heideggeriana como Hanna Arendt e Vilém Flusser (ambos também judeus) observaram o mesmo quanto ao nazismo, cada um à sua maneira.

Com base nisto, o principal pensador da Escola de Frankfurt, Max Horkheimer (que havia sido professor de quase todos os demais no grupo), escreveu um livro chamado Eclipse da razão ou Crítica da razão instrumental, analisando o que considerava uma crise da razão na história do pensamento mundial. O livro (merecidamente, aliás) logo se tornou um clássico, e passou a servir como uma espécie de marco fundamental e uma referência constante de toda a filosofia do grupo.

A tese básica do livro — que explica essa noção de que há uma crise da razão — é a de que as exigências do capitalismo foram levando, em todo o mundo, a uma redução cada vez maior da noção de "razão". Até chegarmos ao ponto de que a imensa maioria das pessoas, quando utiliza sua capacidade racional, não sente mais qualquer necessidade de tentar formar uma compreensão coerente do conjunto do que ocorre no mundo — necessidade que era considerada evidente e natural em outros tempos. Não parece haver mais (ou parece estar minguando cada vez mais) a ideia de algo como uma racionalidade inscrita na realidade, uma realidade dotada de alguma coerência que pé preciso compreender. A razão foi passando a ser considerada, cada vez mais, apenas como um mero instrumento subjetivo (mental) que serve para escolhermos os melhores meios de ação a fim de atingirmos os objetivos escolhidos.

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Os próprios objetivos já não são mais propriamente decididos de maneira refletida, a não ser muito limitadamente, reduzindo-se normalmente a uma mera escolha entre as opções já disponíveis (oferecidas pelo capitalismo) — de modo que sõ são "racionais" do ponto de vista técnico, enquanto escolhas que parecem realistas (dentro das opções dadas) e vantajosas em relação às demais possibilidades, e nada muito além disso.

Neste sentido, a racionalidade capitalista não é apenas parecida com aquela racionalizade observava no nazismo: é idêntica, mas a versão nazista é a sua realização mais completa. Portanto, conforme se desenvolve cada vez mais, a razão capitalista tende a se assemelhar cada vez mais (perigosamente) com a racionalidade típica do comportamento nazista, sua versão mais desenvolvida. A razão capitalista, em outras palavras, tende cada vez mais a desumanizar as pessoas e trata-las como coisas... no limite, descartáveis. O pessimismo, como se vê, é profundo. Mas nem por isso a obra de Horkheimer deixava de cultivar um fundo de esperança, que se traduz no próprio título Eclipse da razão — pois se a lua pode encobrir o sol (o sol da razão) em um eclipse e nos deixar nas trevas, trata-se ainda assim apenas de um eclipse: a lua vai passar, e a luz (da razão) vai voltar.

Só não se sabe de que modo.

Assim como a Escola de Frankfurt, um outro grupo de dissidentes do marxismo, formado principalmente por professores franceses e que demonstravam uma afinidade maior com as gerações mais jovens, já vinha também fazendo críticas ao marxismo tradicional, em especial ao totalitarismo stalinista: o grupo Socialismo ou barbárie (esse nome dado ao grupo era originalmente o título de uma revista publicada por eles).

O grupo era formado por ex-trotskistas que se desentenderam gravemente com os seguidores do trotskismo tradicional, dentro do marxismo. A origem do desentendimento foi o que os troskistas tradicionais cosideraram um excesso de radicalismo da parte desse pessoal do Socialismo ou barbárie, pois o Socialismo ou barbárie defendia a autogestão radical em todos os níveis. Isto é, recusavam qualquer decisão tomada por "autoridades" dentro do partido comunista ou por instâncias consideradas "superiores". Em suma: aqueles filósofos do Socialismo ou barbárie já não eram mais propriamente marxistas, haviam se tornado quase anarquistas. Esse grupo era muito diferente da Escola de Frankfurt (e muito mais radical sob diversos aspectos), mas tinha um outro ponto comum com os frankfurtianos além da descendência marxista: muitos deles também passaram a corrigir Marx combinando-o e completando-o com a psicanálise de Freud e o existencialismo de Nietzsche. Um dos que faziam isso se chamava Jean-François Lyotard.

Após a década de 60 e os movimentos estudantis que abalaram o mundo, este grupo se dividiu, Lyotard — que além de filosofia política costumava se dedicar principalmente a filosofia da arte e filosofia da linguagem — levantou a tese polêmica que logo se tornou muito famosa: a de que a civilização humana, depois de passar pelo período do modernismo (marcado pela ideia de progresso e pela valorização da razão), estava agora entrando em uma nova era. Uma nova era que poderia ser chamada de pós-moderna, e na qual não faziam mais sentido nem qualquer tentativa de recuperação dessa ideia de progresso, nem qualquer esforço no sentido de buscar uma compreensão total do conjunto do que se passa em toda a realidade. Mais do que isso: a mera valorização da ideia de uma compreensão total do conjunto da realidade seria típica de um pensamento contaminado por influências do toltalitarismo, do desejo de dominar tudo.

Deste modo, estava lançada por Lyotard, de maneira indireta, uma crítica contundente à Escola de Frankfurt, com tudo o que ela representava: um pensamento ainda preso à busca da "totalidade" do real e ao projeto racional da era Moderna, que havia atingido seu ápice na noção de "progresso" dos Iluministas. De tal ponto de vista "pós-moderno" inaugurado por Lyotard, os frankfurtianos estariam defendendo uma concepção das coisas que já estava na hora de ser abandonada para abraçarmos de uma vez e sem tanto receio uma realidade nova. Uma realidade que já não se ajustava a esses velhos padrões de pensamento, que exigia novas formas de pensar, e que por isso mesmo era entusiasmante como uma nova aventura.

Vale notar, aqui, que Lyotard e mais alguns ex-membros do Socialismo ou barbárie criticavam também a ideia de Marx de que só as revoluções burguesas seriam movidas pelo entusiarmo, enquanto as revoluções do povo trabalhador seriam movidas pela consciência de classe e pela consciência das necessidades básicas e do necessário para supri-las.

Essa postura quanto ao poder do entusiasmo já tendia a ser vista logo de saída com muita suspeita entre os marxistas mais tradicionais, pois pelo modo de pensar de Marx, atingir uma clara consciência das necessidades seria uma capacidade muito típica das classes menos favorecidas, aquelas que vivem confrontadas diariamente com o perigo de não terem suas necessidades básicas satisfeitas. Já o entusiasmo  tendia a ser visto como uma motivação tipicamente burguesa, e não autenticamente proletária. Aos olhos deles, aquele filósofo do grupo ultra-radical Socialismo ou barbárie parecia inexplicavelmente estar mudando de lado, como se estivesse passando a defender as classes burguesas ao invés dos trabalhadores.

O que estava nas intenções de Lyotard não era nada disso. Mas de repente surgiu mais um pensador se auto-intitulando "pos moderno"; só que dessa vez um pensador conservador, um defensor das virtudes do capitalismo: Francis Fukuyama. A mídia internacional logo começou a dividir a filosofia mundial na época em dois campos dominantes: o dos modernos (basicamente, a Escola de Frankfurt, defendendo heroicamente algo como os restos atualizados de um comunismo marxista já decadente) e os pós-modernos, emparelhados a Lyotard.

A polêmica modernos X pós-modernos acabou resultando em uma injusta má-fama de pensador burguês e conservador atribuída a Lyotard, como se seus posicionamentos e os de Fukuyama se emparelhassem também na política, o que não é verdade. E resultou ainda em um novo fôlego para a Escola de Frankfurt, reavivada com uma crescente simpatia da parte de marxistas mais moderados ou então heterodoxos.

Os modernos mais famosos e influentes da famosa Escola de Frankfurt, além de Max Horkheimer, são Theodor Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse e, já de uma nova geração de pensadores do grupo, Jürgen Habermas.

Adorno se dedica juntamente com Horkheimer a estudos filosóficos ligados à sociologia, mas também a estudos sobre filosofia da arte. Notabilizou-se por uma tese considerada antipática: a de que o rock e outros generos de música popular são produto de uma regressão da habilidade auditiva mundial. Essa tese, apesar de famosa, não tem um papel tão relevante no conjunto de seu pensamento. Benjamin, pelo contrário, adquiriu uma imagem pública bastante simpática. Além de filosofia política, dedica-se muito à filosofia da arte e à filosofia da história, e seus estudos mais conhecidos são nesses dois campos.

Em filosofia da arte, Benjamin examinou a questão das consequências dos avanços tecnológicos sobre aquilo que ele chama de a "aura" de originalidade da obra de arte — a questão que ele examina, mais precisamente, é a da possibilidade técnica de reprodir uma tela de pintura, por exemplo fazendo um enorme número de cópias que não terão nem a mesma qualidade nem a mesma "aura" de coisa original.

Em filosofia da história desenvolveu um certo modo de se estudar limpando o terreno de tudo aquilo que se sabe a partir da versão oficial, isto é daquela versão espalhada pelos "vencedores" depois de terminados os grandes conflitos históricos. Segundo ele, é preciso ler os fatos da história " a contrapelo", como que passando a mão no sentido oposto para que a pele, o fundo mais verdadeiro, que influi a histporia soterrada dos "vencidos", apareça para nós.

Herbert Marcuse foi, durante o Movimento de 68 e a década de 70 em seguida, o mais famoso dos pensadores da Escola de Frankfurt, muito aprecisado pelos estudantes rebeldes que protestavam nas ruas. Mas passado o tempo, seu pensamento começou a ser bastante criticado, e acabou perdendo o poder de influência.

Marcuse, com sua filosofia, estabeleceu a mais densa e cuidadosa adaptação da psicanálise freudiana aos pensamento marxista, combinando os dois através de uma espécie de história político-econômica psicanalítica. Realizou isso em um livro chamado Eros e civilização.

Este livro de Marcuse (tão elogiado na década de 70 quanto criticado mais tarde) é de qualquer modo, seja qual for a sua qualidade, um marco histórico na filosofia mundial que precisa ser acentuado: a partir dele tornou-se evidente e claríssima a presença de uma nova grande tendência filosófica de porte mundial, que inclusive corta tranversalmente polêmicas menores como aquela entre modernos e pós-modernos encontrando seguidores nos dos campos (como aliás em muitos outros grupos filosóficos também): o freudomarxismo, combinação do marxismo com a psicanálise que acaba por ressaltar a questão da irracionalidade humana, com a qual é preciso lidar sem recalque e (na medida do possível) sem ilusões.

O freudomarxismo também tende a valorizar mais o indivíduo que o marxismo tradicional, e tende a ser mais libertário, não só por se revelar sempre menos autoritário, mas também porque costuma demonstrar uma muito maior flexibilidade e criatividade, aceitando inovações mais facilmente e com mais leveza.

Assim como Marcuse entre os frankfurtianos, havia também freudomarxistas entre os membros do Socialismo ou barbárie. O politicamente mais radical de todo o Socialismo ou barbárie, e talvez também o que tem sua teoria mais solidamente baseada em densas e cuidadosas pesquisas históricas, sociológicas e filosóficas, é Cornelius Castoriadis, que em carreira solo se revelou o mais consistentemente freudomarxista de seu grupo. Mas o próprio Lyotard teve também uma fase intensamente freudomarxista antes de mergulhar na noção de pós-modernidade.


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