"Realismo" é geralmente como chamamos o posicionamento que procura se apegar ao real, e apenas ao real, evitando fantasias, idealismos, altas elaborações racionais ou interpretações muito elaboradas a partir dos simples fatos, tal como se apresentam na sua crueza. Mas o que seria então um realismo "metafísico"?
A palavra "metafísica" significa aproximadamente "o que está para além do mundo físico". Na época medieval, a linha de pensamento tomista (de Thomás de Aquino) — basicamente uma reinterpretação cristã de Aristóteles — era chamada de "realista". Mas que "realismo" era esse da Idade Média, que séculos mais tarde precisou ter o seu nome corrigido para "realismo metafísico"? E por que foi preciso fazer essa correção?
A filosofia de Thomás de Aquino era chamada de "realista" porque defendia a tese de que as expressões gerais que utilizamos, como por exemplo "ser humano", são nomes de coisas reais que existem de fato, só que fora deste mundo material. No mundo material o que podemos perceber diretamente e sem método ou raciocínio são as pessoas individuais com seus corpos de carne e osso. Mas quando falamos em "ser humano" estamos falando em sentido geral de toda e qualquer pessoa. Porque estamos falando daquilo que define que um corpo vivo seja não qualquer corpo, e sim o corpo de um indivíduo da espécie humana. Estamos falando, na verdade, da "essência" profunda do que é um indivíduo humano, essência que define todos nós e cada um de nós.
Para os realistas metafísicos como Thomás de Aquino, essências como essa (de "ser humano") podem ser captadas a partir da combinação de observação do mundo material com raciocínio lógico (como Aristóteles ensinou) e com sentimento de fé (como ensina o cristianismo).
Todavia o fundamental para entendermos esse posicionamento de Thomás de Aquino e outros "realistas" medievais, é que para todos eles essas essências são reais. Expressões como "ser humano" estão se referindo a essências reais que existem fora deste mundo material. Não são apenas palavras vazias para as quais atribuímos um sentido qualquer inventado por nós.
Na Idade Média, os adversários dos nominalistas eram os filósofos "nominalistas": aqueles que, pelo contrário, defendiam a tese de que expressões gerais como "ser humano" são apenas "nomes" inventados por nós, que não apontam para nenhuma realidade fora deste mundo material.
Para os nominalistas, uma expressão como "ser humano" só vale para nos referirmos a todos os seres humanos do mundo e de todos os tempos porque foi inventada justamente para servir para isso, e nos ajudar a nos comunicarmos quando queremos falar disso. Nada mais.
Deste ponto de vista nominalista, não existe nenhuma "realidade" especial fora do mundo material por detrás de uma expressão como "ser humano" — ou melhor: se existe, não temos como saber utilizando palavras, escrevendo ou falando sobre o assunto. Porque as palavras, e mais especificamente entre elas os nomes, são justamente apenas isso: são apenas nomes. E como não passam de nomes, inventados por nós apenas para nos entendermos melhor uns com os outros, não servem para nos ligarem a algum conteúdo especial fora deste mundo material. Servem apenas para nos ligarmos uns com os outros através da comunicação, mais nada.
Então, como se vê, o "realismo" na Idade média era a tese de que existem essências "reais" fora deste mundo material, e de que os nomes que damos a elas estão, ou podem estar, ligados a essas realidades. Segundo essa tese "realista" de tipo medieval (metafísico), os nominalistas estão errados: o bom uso das palavras dando nome a essas realidades (e também classificando-as e explicando-as) pode sim nos trazer algum conhecimento (também real, verdadeiro) a respeito delas.
Eis o que era chamado de "realismo" na Idade Média.
Firmado o custume de usar para isso a expressão "realismo metafísico", logo se percebeu que era uma expressão igualmente útil para descrever a filosofia de Platão e outras da antiguidade, pois defendiam uma tese bem similar a essa do reliamo medieval: para Platão, por exemplo, existem de fato essências que estão em um plano superior a este do mundo prático e material à nossa volta. su posicionamento é, claramente, o de um realista metafísico.
O toque mais interessante neste relato explicativo da noção de "realismo metafísico", que parece afinal descrever uma longa tradição filosófica que veio sendo defendida, em diversas variações, por muitos pensadores ao longo de toda a história da filosofia, é o seguinte: uma imensa maioria dos cientistas dos séculos XX e XXI — e com eles também boa parte dos filósofos da ciência desse mesmo período — voltaram-se também para o realismo metafísico. Mas com uma metafísica diferente daquela das essências platônicas ou tomistas.
Para eles, existe uma espécie de estrutura lógica ou matemática por detrás do mundo prático e material. Uma estrutura que é real (mais até do que o próprio mundio prático e material), e que explica todas as coisas que ocorrem no universo natural. Ela não é exatamente uma entidade de um plano "espiritual" em um sentido quase místico ou religioso, como as essência as platônicas. Sua realidade é mais do tipo lógico-matemático do que de um tipo "espiritual" assim (entretanto, impodta lembrar o seguinte: para Platão também havia um sentido lógico-matemático aue unia essas essências espirituais, noção que ele herdou provavelmente de Pitágoras.
A estrutura profunda e lógico-matemática do universo natural, buscada incansavelmente por muitos cientistas através de suas teorias, é tão real quanto é também uma realidade que dois mais dois sejam quatro, e não cinco ou três.
Além disso, neste seu realismo metafísico de tipo lógico-matemático, os cientistas dos séculos XX e XXI não deixam de formular também a imagem de entidades hipotéticas, como os átomos, que são entidades físicas no sentido de que feitas de matéria e energia... mas podem ser consideradas até certo ponto também "metafísicas" no sentido de que estão para além do mundo físico e prático que é diretamente acessível por nós no dia a dia. Só podem ser captadas indiretamente, pelos seus efeitos observáveis por meio de microscópios superpotentes, dentro de imensos e caríssimos aparelhos científicos chamados "aceleradores de partículas".
Notemos ainda que nunca se observou empiricamente, mesmo através de aparelhos, um átomo. O que se observa são os efeitos, as reações que esses supostos átomos demonstram quando os colocamos (supondo que existam de verdade ali) sob certas condições físicas dentro desses enormes aparelhos chamados "aceleradores de partículas). Existe apenas a suposição teórica — muito firme para os que lidam com isto, muito consistente, parecendo muitíssimo provável e digna de confiança — de que há mesmo átomos reais no universo lá fora.
Os cientistas e filósofos da ciência que seguem esta tendência realista metafísica costumam ser também, na maioria dos casos, de uma tendência que se chama "convergencialismo": eles tendem a supor que (e defender a ideia de que) conforme nossos modelos teóricos (por exemplo do que é um átomo) vão se aperfeiçoando, eles vão se aproximando cada vez mais daquela estrutura lógico-matemárica real que deve explicar definitivamente tudo no universo... ou em outras palavras, conforme nossas teorias científicas progridem, elas vão "convergindo" cada vez mais para a realidade. Vão se aproximando cada vez mais de como deve ser eferivamente essa realidade.
Uma realidade que, insistamos mais uma vez, não está diretamente observável neste mundo físico e prático em que vivemos no nosso dia a dia: é uma realidade que segue uma grande estrutura lógico-matemática profunda em que tudo se explica.
Assim, para os cientistas e filósofos da ciência que são realistas metafísicos (e muitos são), uma mesa material, física, na qual apoiamos a mão, não é realmente uma mesa material como parece: na verdade é uma nuvem de partículas materiais atômicas e subatômicas tão pequenas, que não podemos enxergar nem com o mais possante dos microscópios, e que estão ligadas umas nas outras por forças energéticas oscilantes. Mas para eles existe um nível de realidade ainda mais profundo que este das partítulas atômicas e subatômicas em suas redes de energia: é o nível metafísico da estrutura lógico-matemática do universo como um todo, que faz com que tais partículas de matéria e tais forças energéticas sejam como são e comportem do modo como se comportem.
Entre esses realistas metafísicos mais modernos e "científicos", existem os que são otimistas quanto à possibilidade de um dia chegarmos a descobrir toda essa estrutura lógico-matemática do universo natural como um todo, pois confima no progresso das ciências.
Existem também os que já não são tão otimistas, e que acham que talvez nunca consigamos captar em nossas teorias essa estrutura lógico-matemática como um todo, em todas as suas articulações, e talvez estejamos condenados a apenas captarmos partes dessa estrutura separadas umas das outras... De um lado a estrutura lógico-matemática do funcionamento do mundo atômico e subatômico, por exemplo. De outro uma outra estrutura lógico-matemática, que explica o mundo físico nesta escala em que o percebemos e com a qual interagimos como seres humanos, estrutura que explica por exemplo as relações de uma mesa enquanto objeto físico com outros objetos físicos à sua volta, em função de seu peso, equilíbrio, resistência, temperatura etc.
E existem casos mais curiosos e polêmicos, como o de Popper, o filósofo da ciência que, seguindo uma linha realista metafísica, no entanto sofre uma certa dose de influência do ceticismo, e acha que devemos parar de nos esforçar para "provarmos" que nossas teorias estão certas ou estão convergindo de fato para a estrutura profunda real que explica todo o universo.
Acha que ao invés de provarmos a "verdade" das nossas teorias, o melhor jeito de convergirmos como queremos para essa estrutura lógico-matemática (metafísica) real por detrás da coisas é justamente nos esforçarmos para "falsificar" nossas teorias, isto é, provarmos que são falsas, demonstrando onde e por que elas acabam falhando e sendo falsas. Esse posicionamento de Popper se chama "falsificacionismo".
Popper nos mostra, através de um raciocínio muito bem construído e demonstrado, que para nos aproximarmos da realidade, o esforço de descobrir o que é falso nas nossas teorias é muito mais eficaz do que o esforço para provar que são "verdadeiras". O que "sobra" e resiste à crítica é muito mais sólido e tende a se aproximar muito mais da realidade do que aquilo que se pretende jogo de saída "provar que é verdadeiro".
Essa tendência falsificacionista fundada por Popper no campo da filosofia da ciência (como uma proposta prática oferecida pela filosofia para os cientistas), depende fortemente da suposição de que exista mesmo a tal estrutura metafísica lógico-matemática profunda, por detrás de toda a realidade física que forma o universo natural. Basta um pouco de raciocínio para o percebermos: a proposta de atuarmos intensamente na falsificação das teorias científicas para apenas recolhermos o que vai restando disso se apoia completamente nessa tese do realismo metafísico, e não consegue se sustentar sem ela.
É uma proposta que só tem efeito se confiarmos na existência dessa realidade metafísica profunda, e mais ainda, se não estivermos enganados em confiarmos nisso.