Por que é mais fácil entender a ciência do que a filosofia? | Por que não temos uma ideia tão clara da filosofia quanto da ciência? | Como se estruturam as ciências exatas e naturais em comparação com as ciências humanas e a filosofia? | O que um cientista precisa fazer para que sua teoria seja aceita?
Conhecemos (ou achamos que conhecemos) mais a ciência do que a filosofia porque temos alguns resultados da ciência que são de caráter mais prático ou de caráter tecnológico, temos teorias aplicadas e tecnologias que derivam das ciências puras — principalmente das ciências exatas (matemática) e da natureza (física, química, biologia etc.), mas também das ciências humanas (psicologia, sociologia, história etc.) — e convivemos no nosso dia-a-dia com resultados dessas tecnologias e teorias aplicadas que usamos a todo momento e que ocupam sempre a nossa atenção, principalmente aparelhos tecnológicos que resultam indiretamente da física: telefones celulares ou fixos, carros, ônibus, relógios, caixas registradoras, catracas eletrônicas, aparelhos de TV, de vídeo, de áudio, eletrodomésticos, computadores etc. Ficamos curiosos com a origem dessas coisas, e então as escolas, revistas, programas de TV, sites de internet etc. nos ajudam a entender que tudo isso veio da ciência, e que é importante dar valor a ela.
Nesse sentido, os resultados técnicos que derivam das ciências exatas e naturais tendem a chamar mais a atenção do que os que derivam das ciências humanas — e na verdade, pelo menos no Brasil, quando falamos em "ciências" de um modo geral, sem especificarmos de qual ciência se trata, vamos logo pensando nas exatas e naturais.
Vista mais de perto, a ciência (o conjunto das ciências exatas e naturais) não é exatamente como costumamos imaginar: por exemplo não oferece conhecimentos tão absolutamente seguros como imaginamos, e tudo o que ela tem são sempre teorias sobre o que deve ser a verdade, e não verdades. Mesmo assim, consegue oferecer todos esses resultados e nos impressiona bastante quando pensamos nisso. Temos sempre uma pálida imagem, uma vaga idéia do que é a ciência, de como funciona realmente o trabalho do cientista. Mas temos pelo menos alguma idéia, e a idéia de que esse trabalho tem resultados que podemos sentir na prática, na nossa vida diária.
Se a ciência mostra resultados técnicos ou práticos que percebemos no nosso dia a dia, com a filosofia não acontece nada disso (ou pelo menos temos a impressão de que não acontece). Por que aconteceu isso? Por que a ciência começou a gerar todos esses produtos práticos e a ser cada vez mais valorizada, e a filosofia não?
Isso começou no final da Idade Média, com o surgimento do capitalismo.
O que é o capitalismo?
É uma situação em que toda a economia de uma sociedade, e a vida das pessoas nessa sociedade, giram em tomo de uma acumulação de capital que não acaba nunca. E o que é o capital? É o dinheiro, ou então aquilo que pode ser trocado por dinheiro — o crédito, os imóveis que uma empresa tem, a força de trabalho dos funcionários que trabalham nela, tudo isso faz parte do capital da empresa.
No capitalismo, pessoas e organizações sentem a necessidade de estarem o tempo todo se esforçando para juntar mais capital — seja para poderem gastar no que é preciso para sobreviver, seja para enriquecer e poder melhorar de condições. Muita coisa na vida das sociedades de hoje depende direta ou indiretamente disso, e já veio começando a depender disso desde o fim da Idade Média. E ocorre que esses aparelhos tecnológicos com os quais convivemos no dia-a-dia ajudam nas nossas atividades práticas, especialmente naquelas que chamamos de trabalho, e fazem com que elas tenham resultados mais eficazes, mais imediatos e que podem ser medidos e avaliados, e até previstos em geral com bastante precisão.
E como é que se produz mais capital? Com trabalho.
Pois é. Graças a todos esses aparelhos tecnológicos, o trabalho rende mais, mais rápido e de aneira fácil de medir e avaliar, e até de prever. É possível calcular custos, fazer orçamentos, fixar preços etc. Por isso, no capitalismo, existe uma valorização muito grande dos aparelhos tecnológicos, das tecnologias e teorias aplicadas — e acaba havendo uma valorização também das ciências que estão por detrás delas. Mas essa ciência que tanto valorizamos no capitalismo na verdade é sempre uma imagem simplificada e superficial da ciência, feita para que ela pareça segura, previsível e sempre dirigida para bons resultados tecnológicos. A ciência aparece sempre ligada ao progresso técnico, o mesmo progresso técnico que ajuda tando o capitalismo a se desenvolver.
Mas quem examina a fundo como as ciências realmente atuam e se desenvolvem, logo percebe que elas são bem diferentes dessa imagem que as publicações de divulgação científica passam delas. Percebe por exemplo que elas não se livram daquela incerteza dos debates e questionamentos filosóficos tão facilmente como parece. As ciências precisam de filosofia.
As ciências humanas, embora estejam sempre presentes no nosso dia a dia, por exemplo em todas as atividades profissionais que lidam principalmente com seres humanos, nem sempre recebem a mesma atenção e valor por parte da maioria das pessoas. Muitas vezes se discute se são mesmo "ciências" ou deveriam ser chamadas de "Humanidades" em sentido geral, e colocadas junto à filosofia nessa mesma categoria. E quando se faz isso, geralmente o que se está querendo dizer é que essas ciências "humanas" são inferiores às exatas e naturais, em termos de cientificidade: que não conseguem ser tão científicas quanto as exatas e naturais.
Uma parte da responsabilidade por isso é dos próprios estudiosos das áreas humanas, porque há uma forte tendência, por parte de muitos deles, no sentido de imitar as ciências exatas e naturais, procurar ajustar as "humanas" ao modelo de funcionamento das exatas e naturais, seguindo critérios ou até métodos parecidos etc. — a esperança por detrás disso é a de atingir um nível de segurança em suas respostas aproximado daquele atingido pelas ciências exatas e naturais, e conseguir avançar, progredir em passos firmes como elas.
Quando comparamos a estrutura da Ciência como um todo, com todas as suas teorias, com a estrutura da Filosofia como um todo, também com todas as suas teorias, podemos levantar um diagrama para representar essa comparação. Esse diagrama comparativo é o mesmo que está sendo aparece nesta seção do site, na área de atuação "Ciências Humanas" no menu à esquerda.
Nesse diagrama, os círculos representam teorias coerentes e bem-estruturadas e as manchas de forma menos simétrica e definida são regiões com pontos de acordo entre os pesquisadores, mas acordos que não chegam a formar uma teoria. Quanto mais escuros o círculos e manchas, mais gente no conjunto dos pesquisadores dessa área está de acordo com a teoria ou participando dos acordos que fazem parte da mancha. As setas (não importa a cor) representam os desacordos, as discordâncias.
O que esse diagrama quer mostrar a respeito das ciências exatas e naturais é o seguinte: tanto nas ciências exatas (por exemplo a Matemática), quanto nas ciências que estudam a natureza, costuma existir uma grande teoria com a qual quase todos os pesquisadores da área concordam. É o que se chama de “teoria standard”, ou “teoria padrão”. Por exemplo a teoria do átomo: é difícil encontrar químicos que discordem que todas as substâncias químicas são feitas de átomos e moléculas formadas por esses átomos.
Em uma ciência que estuda os fenômenos da natureza, podem existir teorias que discordam dessa teoria geral, mas costumam ser poucas e pequenas. Para crescerem e ficarem fortes, essas pequenas teorias discordantes tentam conseguir a aceitação e a concordância de mais gente na área. Se nenhum outro cientista da área concorda com uma teoria, ela não e valorizada, pouca gente dá importância para ela.
Para conseguir que outros cientistas concordem com uma teoria nova e muito diferente, um cientista precisa seguir certos critérios de validação quando constrói essa teoria. Precisa seguir certas regras que são aceitas por toda a comunidade dos cientistas dessa área, regras que determinam como uma boa teoria deve ser construída.
Em geral, é preciso que a teoria passe por experimentos em laboratório que sejam muito bem controlados e examinados, e por cálculos lógicos e matemáticos que mostrem se o cientista está raciocinando direito quando faz previsões ou quando 18 tira suas conclusões a partir desses experimentos. Os outros cientistas vão checar com muito cuidado se ele fez tudo direito antes de decidirem se concordam com sua teoria ou não. Mas a teoria só passa a ser considerada válida depois que foi checada e que a comunidade dos cientistas da área passou a concordar com ela, ou pelo menos a concordar que ela tem boas chances de ser verdadeira.