João Borba - Agosto de 2014
Normalmente faço eu próprio a seleção de passagens de qualquer autor neste site, mas no caso de Otto Gross — o psicanalista e psiquiatra rebelde que se tornou conhecido no Brasil com a bela interpretação de Vincent Cassel no filme Um método perigoso, sobre Jung e Freud — encontrei uma boa seleção de citações já feita em espanhol por Frederico Suarez, seguindo o mesmo princípio que adotei para as subseções Ditos & Feitos na seção Quem deste site.
O princípio que utilizo nestas citações (o mesmo adotado por Suarez) é o seguinte: organizar uma seleção de citações feita visando oferecer ao leitor uma compreensão básica do conjunto do pensamento do autor citado. No caso, oferecer uma compreensão básica do conjunto do pensamento desse controverso psicanalista e psiquiatra anarquista, e não a citação apenas de passagens "belas", "famosas" ou "atraentes" de seus textos.
Como a seleção de Suarez parece bem feita, mais do que qualquer outra coisa trato aqui apenas de "pinçá-las" de seu resumo e traduzi-las do espanhol para o português (os textos originais de Gross são em alemão). As citações aqui utilizadas são portanto extraídas desse material de Frederico Suarez, que apenas traduzo para o português e divido em subtítulos conforme o assunto.
Encontrei essas citações selecionadas por Suarez no site da Revista Área 3 - Asociação para o Estudio de Temas Grupales, Psicosociales e Institucionales (Miembro de FEAP). Suarez as apresenta incorporadas em um "resumo" de uma coletânea de pequenos artigos de Gross publicada com o título Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa (embora esse "resumo" contenha mais textos citados do próprio Gross do que textos de Suarez resumindo-os).
Essa coletânea de textos de Gross foi publicada em 2003 pela Editorial Alikornio, de Barcelona (ISBN:84-932232-5-5), e traz 14 artigos de Gross publicados entre 1908 e 1920, com Introdução (biográfica) e tradução do alemão por Horst Rosenberger.
sumário
A surpreendente magnitude do desgarramento psíquico e da vontade paralizada que emerge do tratamento empírico da psicanálise coloca uma questão que encerra sua resposta: é cabalmente impossível supor que a terrível deterioração das almas possa atribuir-se a uma disposição natural dos humanos. Se este axioma não foi reconhecido pelos mais destacados especialistas da disciplina, nem pelo genial descobridor do método psicanalítico, foi por rechaçarem as consequências revolucionárias que sua aceitação implicava.
As fontes mais profundas do conflito pandêmico inelutável que atua na alma humana resultam na verdade dos motivos seguintes cuja discussão se deixará para outros artigos:
1. A oposição entre todas as normas existentes e os desejos vitais da natureza humana que, como consequência de sua eliminação da zona de consciência, têm estado mais ou menos escondidos, senão ignorados em grande parte.
2. A necessidade imposta de uma adaptação antinatural, assumindo interiormente motivações externas mediante a auto violação e o autoengano até o extremo em que o sujeito já não poderá diferenciar entre os elementos externos sugestionados e seus próprios impulsos e crenças.
3. A ingente receptividade da infância ante a imposição de normas e valores externos devido à ingente necessidade de amor e contato da criança para quem a alternativa restritiva "adapte-se aos demais ou acabará sozinho" se converte em coação absoluta, em ameaça ineludível com consequências fatais, (...) em resumo:
4. A estrutura patriarcal da sociedade: quer dizer a incapacidade da humanidade de chegar dentro da ordem atual ao comunismo matriarcal.
GROSS, Otto. Nuevos trabajos preparatorios: sobre a enseñanza (1919).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
(...) nos parece lógico supor uma harmonia necessária de todas as disposições inatas; nos parece absurdo não reconhecer na configuração das disposições inatas, em si mesmas, a harmonia e as condições necessárias ára um funcionamento harmônico. Partimos da funcionalidade dos impulsos inatos, não só no sentido de sua funcionalidade individual como também, e sobretudo, no sentido de sua funcionalidade social. A predisposição soberana — tanto a social como a ética — que agora, graças à metodologia da psicologia do inconsciente podemos liberar da repressão interior, nos é conhecida desde P. Kropotkin. Se trata do "instinto de apoio mútuo" que Kropotkin, a partir de comparações biológicas, formulou como primeiro fundamento para uma ética autêntica, uma disciplina ao mesmo tempo normativa e fundada na genética.
GROSS, Otto. Protesta y moral en lo inconsciente (1919).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
Este conflito da individualidade com a autoridade exterior introduzida no interior do indivíduo é o conteúdo trágico do período da infância.
GROSS, Otto. Como superar a crisis cultural (1913).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
(...) precisamente nos indivíduos mentalmente mais fortes e mais resistentes contra a influência sugestiva, a luta interiorizada do próprio contra o alheio leva a uma desintegração mais intensa, que se manifiesta em alterações especialmente fortes da harmonia e do equilibrio interiores.
[Só a psicanálise poderá integrar uma personalidad harmônica, ao permitir a libertação dos motivos alheios ou externos causantes dos conflitos, anulando] os resultados da educação em razão da auto-regulação individual.
(...)
A consolidação dos valores individuais significa a cura
O critério de "saúde" é algo relativo que só pode determinar-se para cada indivíduo concreto, de acordo com sua idiosincrasia individual pré-formada
GROSS, Otto. Violencia paterna (1908).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
A psicologia do inconsciente é a filosofía da revolução, quer dizer, está chamada a converter-se nela, ao ser o fermento da subversão dentro da psique e o instrumento de libertação da individualidade atada pelo própio inconsciente.
GROSS, Otto. Como superar la crisis cultural (1913).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
A psicologia do inconsciente nos está descobrindo o terreno dos valores escondidos inscritos nas predisposições inatas e reprimidas no nível da consciência pela pressão psíquica da educação e das demais sugestões autoritárias. A partir de agora, esses valores podem ser levados metodicamente à consciência pelo que permitem opor às normas atuais e seus efeitos uma imagem autêntica do ser humano e de suas possibilidades reais, assim como de seus próprios valores inatos e de sua determinação primária, restablecidos conforme a suas próprias disposições. Desta maneira, a psicologia do inconsciente nos proporciona o primeiro substrato para podermos colocar o problema do valor dos valores — o problema inicial do pensamiento revolucionário. A exigência revolucionária como resultado da psicologia do inconsciente devém absoluta à medida que demonstra que a repressão dos valores inscritos nas disposições inatas significa o sacrifício das posibilidades humanas mais elevadas.
Esta é a razão por que a escola psicanalítica e seu grande descubridor S. Freud se detiveram ante esta evidência (... ). Os limites da psicanálisis clássica têm sido traçados precisamente pelos descobrimentos que põem em dúvida toda autoridad tradicional e que sacoden a base da existência daqueles que se encontram à vontade na autoridade da ordem existente.
GROSS, Otto. Protesta y moral en lo inconciente (1919).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
(...) é uma exigencia do espírito revolucionário que a supremacia do pensamento abstrato sobre os elementos afetivos perturbadores não se experimente como uma submissão à coação de um costume intelectual, mas como liberdade do espírito.
Essa sensação de liberdade interior só poderá existir a partir do momento em que, pela solução dos conflitos interiores e pelo descobrimento por si mesmo da dimensão e natureza da vida afetiva interior, quer dizer, dos impulsos que sabotam o pensar, se produza uma libertação do espírito objetivo da relação com a idéia por si misma.
Se terá que descobrir que a oposição entre a vontade de relação e a vontade de poder constitue a oposição elemenar entre a psique revolucionária e a adaptada — a psique burguesa — e demostrá-la como a última e verdadera meta da revolución.
Se terá que mostrar (...) que a natureza humana, tal como está feita e disposta em cada um de nós, aspira a esses dois grandes valores que são a liberdade e a relação humana. Que estas aspirações são harmônicas, que por sua própria natureza não se lhes pode atribuir nenhuma disfuncionalidade e que, por consiguinte, todo desgarramento interior e autosabotajem procedem no fundo sempre de efeitos exteriores, do impedimento violento do desenvolvimento natural.
A experiência mais profunda é a experiencia da relação livre.
GROSS, Otto. La formación intelectual de lo revolucionario (1920).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(...) a fixação do inconsciente na definição simbólica destrutiva das representações da sexualidade e do nascimento, tem seu princípio essencial no inconsciente: é a violação da mulher pelo homem e a patologia e o sofrimento que resultam dela (...) [pela transformação patológica, devido ao choque entre o inato e o adquirido, do que era um princípio ético inato saudável, isto é,] do desejo de não se deixar violar e não querer violar os outros. (...) A simbólica sexual de destrucção é o resultado da fusão entre a sexualidade e as atitudes adquiridas, que são a vontade de poder e a abnegação de si mesmo.
GROSS, Otto. La simbolica de la destrucción (1914).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
Os conflitos não resolvidos do inconsciente que se projetam nas manifestações simbólicas para o exterior nascem como reação a fatos aos quais o indivíduo já não pode reagir de forma adequada: são fatos que não se podem mudar apesar de que no fundo nunca se tenha podido renunciar ao desejo de mudá-los. Quer dizer, os conflitos interiores sem resolver e a simbólica dos conflitos emitida do inconsciente nascem a partir da pressão desses fatos demasiado fortes e insuportáveis, pertencentes à ordem social e familiar [como o fato histórico da subversão da sociedade matriarcal original pela ordem patriarcal atual]. (...) Se vamos ao fundo das coisas temos que acrescentar que a formação da posição atual da mulher na sociedade e na família foi o trauma mais universal na história da humanidade, do qual nasceu o sofrimento interior que a humanidade padece por si mesma.
GROSS, Otto. La simbolica de la destrucción (1914).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
Sobre o processo de transição do matriarcado à ordem familiar existente se baraja atualmente a suposição bastante plausível de que a forma atual do matrimônio nasceu a partir do rapto de mulheres; quer dizer, que a base origiária da família patriarcal era o abuso das escravas raptadas em guerras. Isto significa que (...) a simbólica da violação sexual que habita em toda a humanidade tem sua origem em uma violação sexual universa, sua etiologia é um ato de violação universal que afeta toda a humanidade. Seja como for, em qualquer caso, temos que admitir que a ordem familiar existente se baseia na renúncia à liberdade da mulher (...) o homem individual possibilita a maternidade da mulher individual, o que implica a dependência material e portanto universal, da mulher em relação ao homem em vista da maternidade.
O instinto materno está tão intrinsecamente ligado à condição feminina que a oposição interna contra este instinto só pode se manifestar psicologicamente como negação da própria feminilidade e desejo de masculinidade. O que significa que toda vontade de independência individual, de liberdade e de autodeterminação tem que se associar na mulher com a negação da própria feminilidade e com uma espécie de atitude homossexual. Da mesma forma, a obrigação de renunciar à independência individual para poder se converter em mãe, resulta que a mulher tem que associar o instinto de maternidade e, com ele seu querer ser mulher, com uma passividade humana e sexual, quer dizer, com um componente insitintivo masoquista.
Se entende então que o conflito entre essas duas atitudes resultantes, o coinflito mais profundo da mulher, só persistirá nos casos em que a mulher pôde manifestar uma vontade indestrutível de conservar sua própria individualidade e liberdade: sua vontade de não ser violada. Quer dizer, isto se dá na imensa minoria. a imensa maioria das mulheres encontra seu equilíbrio interior e sua unidade interior renunciando à sua própria individualidade e praticando uma passividade humana e sexual. Mas em todas as mulheres se mantém, de forma consciente ou inconsciente, e aceitando-a ou rechaçando-a, a sensação de ser violada com sua sexualidade e sua maternidade: a simbólica da violação é a destruição para a sexualidade e maternidade. De modo ingual em todos os homens se mantém, de forma consciente ou inconsciente, e aceitando-a ou rechaçando-a, a sensação de que suas relações sexuais com as mulheres no fundo não são nada além de violações.
GROSS, Otto. La simbolica de la destrucción (1914).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
O caráter fundamentalmente sexual da neurose não se deve à verdadeira natureza da sexualidade — e menos ainda a sua natureza inata — mas ao fato de que os fatores externos convertem o âmbito sexual no terreno por excelência da desconsolada luta interior.
[A perversão é] a transposição de uma energia instintiva sexual a algo que por su própria natureza não tem a ver com sexualidade. Neste caso, como no fundo qualquer perturbação psíquica, se debe a influências exteriores, à acção nociva sobre as disposições inatas por parte da familia e do entorno. Esta luta entre o próprio e o alheio é o conflicto interior (...).
GROSS, Otto. Sobre o conflito e a relação.
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
Da sexualidade original e inata da espécie humana só podemos dizer em resumo uma coisa: a sexualidade enquanto instinto inato e, portanto, a sexualidade original da criança, é uma necessidade de contato tanto no sentido físico como no psíquico.
Não obstante, a pressão do entorno impulsiona a criança a adaptar-se, quer dizer, atua como tendência repressora frente à vida instintiva. O entorno proíbe à criança todo contato psíquico-sexual enquanto condiciona a esperança do contato psíquico — que pela ínfima compreensão psicológica do adulto já está limitado ao mínimo e se reduz quase exclusivamente a substituições — à adaptação e à renúncia à forma de ser coerente com a própria individualidade.
Em meu entendimento, a solidão à que a criança é levada é a verdadeira origem de toda a angústia neurótica e, com ela, desse caráter angustiado e ao mesmo tempo desesperado e violento que caracteriza todos os impulsos que irrompem de forma tão particular do inconsciente.
GROSS, Otto. Sobre o conflito e a relação.
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
Ninguém pode renunciar ao amor mesmo tendo o acesso a isso dificultado por ser criança. Resulta impossível porque o instinto de unir-se aos demais é tão central para a conservação da espécie como a vontade de manter a própria natureza inata. A criança da família atual tem que converter-se naquilo que os que a rodeiam são...
A sexualidade infantil, pelo fato de integrar em si o impulso ao abandono do próprio eu nos outros, a submissão a fim de evitar seu isolamento, incorporou em si o fator masoquista. Podemos dizer que o masoqjuismo é o instinto da criança visando identificar-se com a situação de passividade a que se vê conduzida e de conseguir através da submissão certo contato com o entorno. A motivação que move ao masoquismo é o medo da solidão, mas o medo da solidão é um motivo que intervirá ao longo da vida. Nas condições existentes, o modo de relações recíprocas dos humanos entre si (...) está tão corrompido que cada um se verá durante toda sua vida sempre ante a disjuntiva de cair na solidão ou se deixar violar. Desta maneira se eterniza a tendência infantil a integrar-se mediante a submissão. (...) Também poderíamos definir o masoquismo em geral como o afã de reproduzir essa situação infantil frente aos adultos.
Não obstante, logo a tendência infantil de entrar em contato com os demais mediante a submissão é sentida como insuficiente também em relação com as necessidades sexuais. A angústia da solidão e o próprio isolamento sexual têm que engendrar ao mesmo tempo a tendência de querer forçar o contato sexual, ainda que seja de uma forma física grosseira, assim como alguma forma substitutiva de relação psíquica. (...) O resultado da combinação entre a sexualidade e a vontade de poder, que em sua essência é uma mescla complexa entre o medo da solidão e a vontade de mantê-la, constitui o componente sádico do instinto.
Todos os demais desgarramentos interiores do indivíduo e todos os reiterados fracassos nas relações dos indivíduos entre si remontam ao conflito nesta última forma. A patologia das relações humanas se baseia na deformação sadomasoquista dos grandes instintos.
GROSS, Otto. La simbolica de la destrucción (1914).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
Resumindo, os dois grandes instintos originais, a necessidade de contato — da primeira sexualidade — e o instinto de conservação da própria individualidade se transformam pela pressão do entorno, sob a coação de adapatar-se para ter uma possibilidade de contato e pelo medo da solidão, em pulsões instintivas antagonistas para romper a solidão ao custo da submissão — do masoquismo — e de impor a própria personalidade ao custo de manter de forma ativa a própria solidão, inclusive na sexualidade, mediante a violação do objeto sexual — o sadismo. (...) O complexo antagonista sadismo-masoquismo gera dois pares de forças características que se diferenciam em ambos os sexos: no homem, sadismo heterosexual e homossexualidade passiva; na mulher, masoquismo heterossexual e homossexualidade ativa.
(...) Em quase todas as pessoas se cria um estado de incompatibilidade absoluta entre a homossexualidade e a heterossexualidade. Em meu modo de ver, a correção deste estado se produz de duas formas. Ou o componente heterossexual se transfere ao objeto homossexual ainda conservando seu caráter qualitativo — são os casos de homossexualidade absoluta — ou se produz o contrário: o fator homossexual se dirige, na forma qualitativa que adotou no curso de seu desenvolvimento, para o objeto heterossexual (sobre a existência e a essência de traços homossexuais orientados a objetos heterossexuais, ver a obra mestra de W. Stekel, Onanie und Homosexualität). Com esta reinversão dos componentes homosexuais, a dualidad antagonista recai ubicada em seu conjunto na heterosexualidade, que a partir de este momento se converte no o terreno do conflicto interior.
GROSS, Otto. La simbolica de la destrucción (1914).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
Mais importantes que as questões de raça, sexo, cultura e classe é a oposição entre o homem revolucionário e o homem conservador, afirma Grete Fantl.
O princípio elementar da alma humana, cuja diferença quantitativa individual, cuja suficiência e fracasso separa e agrupa os humanos nessas duas categorias, é a capacidade de resistência que as pessoas têm — especialmente no desenvolvimento do indivíduo — contra as sugestões do exterior, contra os sentimentos, valores e normas impostos... (...) da magnitude e persistência desta força de resistência à coação e à sedução depende que alguém evolua rumo a um desses tipos ou outro, rumo ao tipo revolucionário ou rumo ao tipo conservador, quer dizer, ao tipo adaptado. E estes dois tipos humanos não compartilham outra característica além do profundo conhecimento interior de que cada um só pode viver e prosperar em certas condições gerais que sufocam a outros.
Por isso não há coisa que odiemos mais, não há política que nos pareça mais corruptora e perigosa que a política atual da transação, desse socialismo real da multidão que preparou o terreno para a adaptação entre o proletariado e a burguesia, uma adaptação conjunta ao espírito do existente objetivando a convivência material, arrastando consigo todos os elementos essenciais da velha ordem; assumindo em seu curto vôo também a ideia capitalista da criação de massas de seres medíocres em tudo, baseando-se, como sempre, na naturalidade do poder e da prepotência de todos, e em torno de cada um a solidão infinita.
(...) ...até que um dia os humanos voltem a construir uma torre rumo ao céu como expressão de sua ilimitada compreensão e de sua alegria de viver. Só esta construção se poderá chamar Cultura.
GROSS, Otto. Orientación de los intelectuales (1919).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
Na realidade, a atitude frente à questão parlamentar é ao mesmo tempo a tomada de decisão sobre a questão mais importante do princípio da política, o problema da democracia.
O parlamentarismo é a única encarnação real da ideia fundamental democrática, o governo da maioria. O fato de que em cada modelo estatal de parlamentarismo democrático sempre se imponha a influência de uma minoria não constitui a principal objeção revolucionária (...) o transfundo dessa atitude é a oposição e a luta incansável do espírito revolucionário contra o democrático.A atitude, neste ou em outro sentido, que cada indivíduo tome nessa luta está fixada fundo de sua natureza e predeterminada por sua relação com o princípio fundamental da democracia: o da maioria.
O mero princípio de maioria numérica impõe a obrigação de subordinar qualquer mudança à velocidade de compreensão da coletividade e de esperar a presumida data em que, no mínimo, a maioría das pessoas (...) tenha alcançado a "maturidade" parta compreender a mudança exigida.
Na realidade, onde a inteligência e a vontade de uma maioria já se inclinaram para uma nova ordem, não há necessidade de nenhuma revolução.
Revolução é a luta pelo poder de uma ideia, é o intento de fazer governar um princípio que já de saída só é vivido realmente por uma minoria, mas que está presente nos membros desta minoria na forma de uma imagem nítida que pode ser projetada na realidade.
GROSS, Otto. Acerca del parlamentarismo (1919).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
As investigações antropológicas já não permitem manter dúvidas acerca do fato de que a ordem familiar existente, a família patriarcal, nãoera um fato congêito da evolução da humanidade, e sim o resultado da subversão de uma ordem anterior. A antropologia moderna reconhece como instituição originária o livre matriarcado das tribos primitivas. A essência da instituição matriarcal é que todos os integrantes do grupo social — neste caso da tribo — se encarregam do sustento material da mulher. O direito matriarcal confere à mulher a mesma independência econômica, e com ela a mesma independência sexual e humana, do homem individual, e situa desta maneira a mulher como mãe em uma relação de responsabilidade direta frente à sociedade, já que é ela a portadora dos interesses do futuro.
GROSS, Otto. La simbolica de la destrucción (1914).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
O matriarcado não impõe barreiras ou normas, nem moral ou controle da sexualidade. Desconhece o conceito da paternidade e não precisa de sua comprovação no caso concreto. Aceita a maternidade como o maior trabalho prestado à sociedade, enquanto representante legal legítima das futuras gerações e passa à sociedade a obrigação da compensação material; quer dizer, não tem motivo para evidenciar a paternidade, justamente o contrário do que ocorre no patriarcado, que se baseia na determinação de um sujeito responsável e obrigado a pagar que, portanto, necessita tornar as condições indispensáveis para conseguir tal evidência — em primeiro lugar a obrigação da exclusividade sexual — no conteúdo de sua moral e de suas instituições.
GROSS, Otto. La concepción fundamentalmente comunista de la simbolica del paraíso (1919).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
Eis aqui a diferença decisiva e essencial. O matriarcado situa o conjunto dos direitos e obrigações, de responsabilidade e vínculo entre os indivíduos, por um lado, e a sociedade, por outro. A instituição patriarcal, por outro lado, desloca o centro de gravidade do vínculo jurídico entre os indivíduos.
Onde impera o matriarcado toda entrega individual só pode se fazer valer na relação do indivíduo com a sociedade e toda sensação de poder só existe na coletividade.
Resulta muito difícil imaginarem-se os motivos que podem ter levado a abandonar uma ordem positiva com essas características...
GROSS, Otto. Como superar la crisis cultural (1913).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
O ponto crítico do matriarcado — também poderíamos dizer: a sociedade comunista a partir de sua unidade menor — em sua complexidade social; a coesão interior dos grupos que permite seu estabelecimento é ao mesmo tempo a condição de sua existência. Reconstruí-la sobre uma base mais ampla será a tarefa principal nos tempos vindouros para retificar a culpa original de a havermos abandonado na primeira onda de complicações sociais...
Seguramente era uma fase em que o crescente aproveitamento dos recursos naturais parecia aconselhar a introdução de um sistema econômico descentralizado. Era a primeira sublevação do individualismo econômico contra a velha moral social: o nascimento da propriedade. Parece que o Gênesis a relaciona também com o descobrimento da agricultura...
Um período de desintegração social, portanto, no qual se corrompem tanto a estrutura social como o sentimento de relação natural entre os indivíduos, a moral elementar. Esse período de incerteza exterior e interior pode ser o contexto no qual a mulher, para afrontar a difícil situação da maternidade, pode chegar a esperar uma maior segurança e um apoio mais forte por parte de um indivíduo e pode chegar a pensar que estaria mais segura e materialmente melhor situada se um só um indivíduo se responsabilizasse por esse apoio. Contrato individual em vez da garantia social até então natural... Persiste o problema da contrapartida.
Todo o erro da nova ordem, todo o conflito moral irredutível da nova moral, se concentra no momento da contrapartida. A contrapartida (...) é fundamentalmente a sexualidade (...) e esta utilização da sexualidade é o pecado contra a sexualidade do qual o Gênesis nos mosta as consequências imediatas: a transformação das sensações até o ponto de se conceber a sexualidade como um objeto de pudor.
Quer dizer, o conteúdo da nova relação legal é que a mulher se vende em forma de prostituição e matrimônio, e seu primeiro resultado é o pudor sexual
A consequência seguinte é a família autoritária, o elemento constitutivo da autoridade como instituição.
GROSS, Otto. Como superar la crisis cultural (1913).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
...por parte da mulher que deve ser ressarcida da sexualidade, a sexualidade deve ser apresentada como um mal, como algo que ela mesma não deseja, apenas aguenta, à diferença do caráter ativo da sexualidade masculina que se converteu em um fim em si. Desta maneira começa a instaurar-se uma ficção que domina tudo, que ao longo das gerações inscreve cada vez mais profundamente no inconsciente e se considera cada vez mais como algo dado pela natureza e uma diferença inata entre os sexos — a ficção da oposição e da impossibilidade de compreensão entre homem e mulher. Desta maneira se instaura a coação a um comportamento ativo e passivo, respectivamente, a obrigação da mulher ao recato mentiroso e o direito do homem à brutalidade possessiva (...) uma colisão entre dois egoísmos em vez do símbolo natural da abolição das fronteiras entre eu e tu (seu lugar foi ocupado por uma luta entre interesses opostos, quer dizer, uma luta pelo poder, em virtude da qual a vontade de poder se converte cada vez mais em um fim em si, em um automatismo que acaba convertendo a luta entre os sexos em um fato natural).
A interminável luta pelo poder cria seus próprios limites e coações exteriores dentro de uma relação de autoridade claramente definida. Ao mesmo tempo, a sociedade deixou de oferecer ao indivíduo outras garantias essenciais que não fossem as materiais.
GROSS, Otto. Como superar la crisis cultural (1913).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
A verdadeira libertação da mulher, a abolição da família patriarcal existente mediante a responsabilidade comunitária e social da maternidade, restituirá o interesse vital de cada um em uma sociedade que lhe garantirá a possibilidade da liberdade suprema e ilimitada, e cada um, independentemente de onde venha, terá o mesmo interesse em combater as instituições que conhecemos hoje em dia.
GROSS, Otto. Como superar la crisis cultural (1913).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
(Obs.: os negritos na citação são do próprio Gross)
Cremos que a única revolução verdadeira será a que puser em uma mesma unidade a mulher, a liberdade e o espírito.GROSS, Otto. Como superar la crisis cultural (1913).
In Más allá do diván. Apuntes sobre a psicopatología da civilização burguesa.
Barcelona: Alikornio, 2003.
Segundo Frederico Suarez (do qual traduzi para o português os trechos de Gross citados aqui), para Gross o matriarcado da antiguidade mais longínqua, das primeiras civilizações humanas, aparece como um ideal ao qual a espécie humana deve retornar, a matriz de relações mais propriamente humanas na vida social. Movido por esse ideal, em 1910 Gross mudou-se, com alguns alunos, para o Monte Veritá, na cidadezinha de Ascona, nos Alpes Suiços, onde procurou fundar com eles, à beira do lago Magiore, uma comunidade matriarcal orientada pela liberdade. O lugar tinha um histórico que favorecia isso: em 1870 foi habitado por anarquistas russos, como o famoso Mikhail Bakunin.
Ascona foi depois disso por muito tempo um ponto de aglutinação do espírito laico, onde diversas tendências muito heterogêneas (além do anarquismo) chegaram a se organizar, como sociedades teosóficas, grupos naturistas, profetas, e escritores. foi especialmente notável a comunidade naturista do Monte Veritá, em Ascona, que contou com a participação de mutias pessoas de renome e influência. Independentemente da comunidade naturista, Ascona recebeu sempre muitas visitas de artistas e pensadores famosos. C. G. Jung também esteve por lá. A comunidade de Gross contribuiu ainda mais para a fama do lugar.
Gross teve reconhecida influência sobre Jung, sendo inclusive parcialmente responsável pelas divergências que acabaram levando este último ao rompimento definitivo com Freud. Teve também provavelmente influência sobre Wilhelm Reich, em um sentido bastante diferente — embora Reich não mencione em nenhum momento isto (as proximidades em relação ao pensamento de Reich, que tinha fácil acesso aos manuscritos de Gross, é demasiado grande para não levar a essa suposição... a expressão "revolução sexual", por exemplo, utilizada por Reich, é na verdade de Gross). Também influenciou Erich Fromm e provavelmente Marcuse, além de antecipar em vários aspectos os surrealistas.