Os pensadores que podem ser considerados os principais marcos na história da tendência filosófica empirista são Aristóteles, como um antiquíssimo precursor; Maquiavel, já um perfeito empirista pouco antes de essa tendência filosófica ser oficialmente fundada; e Francis Bacon, considerado o fundador oficial. Outros nomes importantes são John Locke e David Hume — apesar de este último combinar o empirismo com uma outra tendência filosófica bem diferente, o ceticismo.
Mereceria também alguma atenção na história do empirismo a dialética do século XIX — a do anarquista Pierre-Joseph Proudhon e pouco depois a do comunista Karl Marx, mas não, de modo nenhum, a de Hegel, que foi o fundador dessa dialética. Proudhon e Marx (e aliás também alguns outros antes deles, como Ludwig Feuerbach por exemplo), estabeleceram uma grande aproximação entre a dialética, tal como fundada por Hegel, e a tradição empirista, que valoriza como fundamental para o conhecimento a experiência e a observação metódica dos fatos. Apesar disso, tratar alguns deles como simplesmente dialéticos "empiristas" (como faz por exemplo o filósofo da ciência Karl Popper quando se esforça para refutar a teoria marxista) é bastante controverso, por razões que variam de autor para autor.
No caso de Proudhon, é controverso por que a originalidade da sua posição, bem mais complexa, envolvendo traços de ceticismo, de criticismo e de relativismo, não permite esse tipo de simplificação. No caso de Marx, porque ele próprio chegou a escrever argumentos contra o empirismo. Mas deve-se notar que os argumentos marxianos contra o empirismo na verdade se dirigem para um tipo específico de empirismo que é o mais tradicionalmente praticado, e que tem como seu mais perfeito representante Francis Bacon — que conforme já dito, é justamente o filósofo considerado em geral, na comunidade filosófica mundial, como fundador dessa tendência filosófica.
Fundado oficialmente pelo inglês Francis Bacon (1561-1626), o empirismo é o posicionamento filosófico que defende a tese de que a base de todo conhecimento está na experiência e na observação dos fatos. Apesar de ter sua fundação oficial com Bacon, mesmo estudiosos e pensadores anteriores a ele podem ser considerados de certo modo "empiristas", na medida em que tenham esse mesmo tipo de posicionamento. É claro, desde que tenhamos em mente que antes de Bacon esse tipo de postura ainda não tinha um nome oficial, nem costumava ser seguido de maneira rigorosa e consistente.
Na maioria dos casos, os pensadores que antes de Bacon já podem ser considerados "empiristas", dificilmente são "puros" empiristas. Em geral combinam o empirismo em algumas áreas de investigação com outro tipo de postura que adotam em áreas diferentes. É o caso de Aristóteles, por exemplo, que já na antiguidade adotava um posicionamento empirista a respeito de muitos assuntos. Mas a partir de certo ponto, sempre passava do empirismo para um raciocínio que passava a ser puramente lógico, e mais adiante, em alguns assuntos de importância central, começava a passar da postura lógica para um idealismo à moda platônica.
Os estudiosos de Aristóteles percebem que todas essas posturas de dele, a empirista, a logicista e a idealista à moda platônica, se combinavam em um conjunto filosófico coerente. Mas têm dificuldades em levantar com clareza e detalhe as conexões coerentes entre essas posturas, porque boa parte dos textos de Aristóteles se perdeu de sua época para cá (o que se sabe de sua lógica, por exemplo, se deve principalmente a anotações de seus alunos).
O caso de Aristóteles não é o de um posicionamento "puramente" empirista, mas o de um empirismo defendido e praticado em algumas áreas, mas em outras combinado com essas outras posturas mencionadas mais acima (logicismo e idealismo). Entretanto temos, pouco antes de Bacon, mais ou menos no mesmo contexto histórico (só que na região da Itália, e não na Inglaterra), um outro pensador que já vinha defendendo — este sim — uma postura puramente empirista: Maquiavel (1469-1527). Na verdade o próprio Bacon, no seu livro mais famoso, Novum Órganon, chega a reconhecer que o verdadeiro fundador do empirismo foi Maquiavel. Bacon declara que está apenas organizando melhor, e ampliando, aquilo que Maquiavel já fazia na prática. Maquiavel por sua vez se apoiou muito em Aristóteles. Mas "limpou" a parte empirista da teoria aristotélica original de seuas ligações com o logicismo e com o idealismo platônico, excluindo todo idealismo e reduzindo o logicismo a uma mera ferramenta complementar a serviço da pesquisa empírica. E deste modo construiu a primeira postura clara e puramente empirista.
A tese empirista de Bacon (e já pouco antes dele a de Maquiavel) envolve a valorização dos dados que captamos do mundo objetivo (fora de nós) seja diretamente, através das nossas sensações físicas, ou indiretamente, através de aparelhos que detectam melhor e com mais nitidez aquilo que elas só detectam confusa ou fracamente. Aparelhos como por exemplo telescópios, que permitem melhor visão a longas distâncias; ou microscópios, que permitem melhor visão de objetos de observação muito pequenos, microscópicos. São considerados "empíricos", então, os os dados que conhecemos por suas caracterísiticas físicas sensorialmente perceptíveis: cores e formas (que captamos com a visão), sons (que captamos com a audição), textura e resistência dos materiais, e também temperaturas (captáveis pelo tato), etc.
Assim como no caso das informações obtidas pelo uso de telescópios e microscópios, também são considerados dados "empíricos" aqueles que são percebidos através de quaisquer outros aparelhos feitos para substituírem com maior potência as nossas sensações físicas. Por exemplo um aparelho muito sensível que seja capaz de detectar com precisão pequenas variações de calor que não conseguimos captar com clareza apenas por meio da nossa pele.
O pesquisador empírico, além disso, não está preso às sua próprias experiências e observações pessoais: normalmente ele se utiliza também das experiências e observações que são relatadas por outros pesquisadores, ou mesmo por pessoas comuns que testemunharam os fatos. Mas apenas se esses relatos forem suficientemente confiáveis. Se os relatos trouxerem informações muito estranhas, incomuns, improváveis, o pesquisador empírico examinará esses relatos com mais rigor, será mais exigente e crítico> nesrte caso ele procurará verificar se as observações foram feitas mesmo com cuidado e atenção, se o observado está descrito com precisão, e principalmente se as pessoas que relataram o caso não estão distorcendo de algum modo os fatos, conscientemente ou não, a partir de interpretações pessoais.
É preciso observar que existem uma diferença entre fazer pesquisa empírica e simplesmente seguir as experiências empíricas adquiridas ao longo da vida. E existe também uma diferença entre fazer pesquisa empírica e ser um empirista.
Há pessoas que confundem as três coisas, então vamos diferenciá-las mais claramente aqui.
Em primeiro lugar, precisamos reconhecer que a expressão "experiência empírica" costuma ser utilizada em dois sentidos bastante diferentes. Às vezes ouvimos dizer que existe um conhecimento "científico" e um outro conhecimento que é "apenas empírico". Como se a experiência empírica não fosse científica, como se ela não seguisse nenhum método e se limitasse apenas àquelas coisas que vamos aprendendo com a vida, a partir das nossas experiências diárias. Mas quando falamos em uma tendência filosófica chamada Empirismo (essa que foi iniciada por Maquiavel e depois fundada oficialmente por Francis bacon), nós absolutamente não estamos falando de um conhecimento conseguido apenas com as experiências diárias e sem nenhum método. Pelo contrário, estamos falando de um posicionamento filosófico que defende que uma certa atitude metódica a ser tomada pelos cientistas.
O empirismo filosófico defende que a ciência se apoie em uma forma metódica e muito cuidadosa de pesquisa empírica para construir suas teorias. O principal método defendido por quase todos os empiristas desde Bacon e Maquiavel até o século XXI é o método da "indução empírica", criado especialmente para garantir que os resultados da observação e da experiência sejam confiáveis e válidos.
Para evitar a confusão, então, entre o tal empirismo como aprendizado da experiência comum do dia a dia, e o empirismo metódico criado por filósofos como Maquiavel e Bacon para os cientistas, vou passar a chamar esse segundo empirismo (o metódico) de "pesquisa empírica" sempre que for necessário deixar essa diferença bem clara.
A pesquisa empírica (científica, metódica, e que geralmente segue um método chamado de "indução empírica"), pode ser de dois tipos. Pode ser pesquisa de campo, ou de laboratório.
Quando um biólogo, por exemplo, recolhe um certo tipo de vegetal e o planta em uma estufa, com condições controladas de umidade do ar e da terra, de temperatura, de luz etc., e começa a variar essas condições para observar e anotar como a planta reage a elas, está fazendo pesquisa empírica de laboratório.
Quando não é possível fazer isso, e o pesquisador tem que ir observar os fatos lá onde eles acontecem, sem ter esse controle das condições em que ocorrem, chamamos isso de pesquisa empírica de campo. É o que um cientista político de tendência empirista, como Maquiavel, por exemplo, costuma fazer. Porque não é possível recolher um grupo de grandes líderes políticos ou de massas revoltadas da população e colocá-los todos em um laboratório para ir testando suas reações em condições controladas: é necessário ir observá-los em ação na sua situação real.
Já distinguimos então aquilo que se aprende por simples experiência empírica diária daquilo que se aprende por pesquisa empírica metódica e cuidadosa. Falta agora mostrarmos a diferença entre estar fazendo um pesquisa empírica (ocasionalmente ou em certa fase do processo de pesquisa), e ser de fato um pensador empirista, isto é, um pensador que coloca os dados empíricos efetivamente como, em última instância, a única base de todo o seu processo investigativo.
O que os filósofos empiristas oferecem, quando defendem e divulgam essa atitude de pesquisa empírica cuidadosa, é algo que pode ser útil aos mais variados pesquisadores das mais vairadas áreas, sem que esses pesquisadores precisem realmente "ser" empiristas. Podem apenas "usar" a ideia como um complemento a um conjunto de procedimentos que não é inteiramente empírico. e é o que muitas vezes acontece. Na verdade podemos dizer com toda seguranlça que a imensa maioria dos estudiosos que frequentemente se utilizam de pesquisa empírica, desde a época de Bacon até o século XXI, não é composta por empiristas.
É preciso, então, prestar atenção nessa diferença. A terminação "ismo" geralmente indica a defesa de uma tendência ou posicionamento, e é exatamente o caso. A pesquisa empírica é um modo de se pesquisar as coisas (baseando-se nas observações e experiências, mas com método e cuidados rigorosamente científicos). Praticar isso em certa fase do trabalho de investigação, ou em conjunto com outras práticas de pesquisa muito diferentes, é uma coisa. Defender que isto deve ser o centro, a base, de todo conhecimento, e que não se pode conseguir nada de útil ou válido sem pesquisa empírica, é coisa bem diferente — e é com esse radicalismo que a pesquisa empírica costuma ser defendida pelos filósofos "empiristas".
Dito tudo isto que que está nos pontos anteriores, alguém poderia se perguntar se, neste caso, faz mesmo sentido classificar Aristóteles como "empirista". Afinal, ele segue a linha empírica apenas em algumas áreas e em uma certa etapa do processo de conhecimento. É um questionamento pertinente. Preciso então justificar e esclarecer aqui por que é que coloco Aristóteles na categoria geral dos empiristas, ao mesmo tempo que pode ser colocado entre os logicistas e entre os idealistas. Porque colocar tudo isso junto em um mesmo pensador pode, de fato, parecer contraditório.
Meu argumento em defesa da ligação de Aristóteles ao empirismo sem excluir essas ligações com outras tendências tão diferentes está ligada a duas coisas. Primeiramente ao modo como estou lidando aqui com essas tendências ou posicionamentos ("empirismo", "logicismo", "idealismo" etc.), e em segundo lugar, às circunstâncias em que Aristóteles empreende a sua pesquisa empírica.
Quanto ao modo como lido neste site com essas tendências ou posicionamentos, não as considero como "classificações" ou "categorias", mas como "tipos" gerais mais ou menos à maneira weberiana. Ou mais precisamente como "características" gerais que podem ou não estar presentes (juntas ou separadamente, coerentemente ou em contradição umas com as outras, em um mesmo autor. Em Aristóteles, ao que tudo indica, há coerência entre esses posicionamentos que parecem tão opostos, estão todos eles presentes em conjunto e sem contradição na sua teoria filosófica.
Quando falamos em "classificar" filósofos pelos seus posicionamentos, estamos como que determinando "caixas" (as tais "classes") pelas quais esses pensadores vão sendo distribuídos, e para cada um pódemos examinar se pertence a esta ou àquela outra "caixa" (categoria), ou se é de algum modo inclassificável. Mas o que faço aqui é diferente: considero essas "tendências" gerais como tendências das quais um pensador pode se aprioximar mais ou se afastar, mas cada pensador é, em última instância, um caso particular que, se examinado com precisão e em detalhe não se compara ao caso de nenhum outro. As "tendências" das quais o pensador se aproxima mais nos ajudam a entender o sentido geral para o qual sua teoria vai se encaminhando. Mas é preciso semprte estudá-la melhor enquanto caso particular.
Isto pode parecer muito com o método dos "tipos ideais" da sociologia de Max Weber (e foi por isso que a mencionei dois parágrafos acima. Mas foi uma menção apenas didática, para facilitar a compreensão do leitor por aproximação, porque na verdade extraí esse tipo de procedimento de um autor mais antigo e muito diferente: o fundador da teoria anarquista, Pierre-Joseph Proudhon.
A diferença básica em relação a Weber (mas há outras) é que os tais "tipos ideais" de Weber são, justamente, "ideais", "ideias gerais" puramente abstratas. No caso de Proudhon (e no meu), essas "tendências" (termo usado pelo pensador anarquista) não são "idéias" artificialmente criadas como instrumentos de pesquisa, e que podem perdurar se universalizando, sendo sempre reaplicadas a todo e qualquer caso particular. Pelo contrário, elas próprias já são um produto historicamente variável da pesquisa empírica. São o "sentido geral", em que um movimento social ou intelectual mostra estar se encaminhando, se observamos empiricamente o seu processo de desenvolvimento histórico, incluindo seus antecedentes e suas consequências.
O próprio "empirismo", se teve Aristóteles como precursor, parece ter um rumo quase desaparecido durante certos períodos historicos, e depois retomado com mais radicalidade por Maquiavel e a partir dele, mas nada impede que esse rumo não seja mais seguido em algum momentio histórico, ou se seus futuros seguidores se desviem tanto do rumo original que já não faça mais sentido considerar que estejam seguindo ainda "o mesmo rumo".
É o que vem acontecendo recentemente, por exemplo, com todo um setor do marxismo mundial, embora as mudanças não estejam afetando a esse ponto o marxismo por inteiro, como um todo... pode-se observar uma retração, uma drástica redução daquilo que se pode ainda considerar hoje como "marxismo", porque um elenco muito grande de descendentes diretos da filosofia de Marx vem adotando rumos muitíssimo diferentes do perfil característico da tendência marxista em sua versão original e do padrão geral das variações que essa versão original veio sofrendo ao longo do tempo.
Assim, ao contrário do que ocorre com os "tipos ideais" de Weber, as "tendências historicamente observáveis" de Proudhon não precisam ser "criadas" em número pequeno para serem práticas, de modo a ajudarem o pesquisador a dar conta da mais ampla variedade de casos particulares que for possível. Nem são criadas visando sua "utilidade" por um longuíssimo período de tempo, talvez para sempre. Porque não são propriamente "criadas", mas historicamente "captadas". Apenas a sua expressão, a sua formulação teórica, é "criada". E não servem para o uso do pesquisador em comparações com todo e qualquer caso real particular.
Cada tendência real e historicamente observada vai se relacionando, interagindo, com outras tendências real e historicamente observadas, apenas enquanto tais tendências de fato perdurarem como dados observáveis. As interações também não são comparações abstratas, mas diferenciações reais que essas tendências de fato estabelecem umas com as outras por meio de alianças, confrontações e debates que são, de igual modo, historicamente observáveis.
Portanto, deste ponto de vista proudhoniano, pode ocorrer sim que acabe perdendo o sentido falar na existência de alguma tendência que foi historicamente observável em certos períodos. E pode ocorrer também que, mais tarde, os envolvidos em uma mobilização social ou intelectual retomem conscientemente, através do estudo histórico e de teórico, um rumo já seguido por outros em um período histórico anterior, ou mais provavelmente uma variação dele, adaptada às novas circunstâncias. Assim como pode ocorrer também que circunstâncias históricas semelhantes produzam as condições de reaparecimento (sob forma variada) de um rumo ou tendência histórica que havia desaparecido no passado, e dadas essas condições, podem surgir grupos sociais ou intelectuais que de fato recriem, inconscientemente, uma tendência parecida.
Em outras palavras, a história é o que nos serve como um "arquivo" de tendências possíveis que (tirando as devidas diferenças) podem ser comparadas às atuais. Mas as tendências atualmente observáveis devem ser comparadas principalmente e em primeiro lugar com outras tendências também atualmente presentes e com as quais elas interagem — seja por associação ou aliança, seja por extrapolarem essa associação tendendo a mais do que isso a se fundirem; seja diferenciação mútua, procurando demarcar suas diferenças, seja por extrapolarem essa diferenciação e tenderem, mais do que isso, ao conflito.
Caso alguém tenha o interesse em examinar melhor esse tema das "tendências" histórico-sociais na teoria do anarquista Proudhon, sugiro que comece pela leitura do livro Idée generale de la révolution au XIXe siècle — publicado por exemplo pela editora Tops/H. Trinquier (em Antony, França).
Tendo considerado tudo isto, podemos dizer de Aristóteles o seguinte: ele não está apenas "utilizando" a pesquisa empírica entre outros instrumentos práticos nos seus procedimentos epistemológicos (de busca do conhecimento). Quem faz isso não está necessariamente "defendendo uma bandeira" em debate contra outros posicionamentos filosóficos. E Aristóteles está. Os seus procedimentos de tipo empírico são não apenas uma inovação sua, mas constituem também grande pare (aproximadamente 50%) de sua diferenciação em relação ao seu mestre Platão.
Portanto, sua defesa de procedimentos empíricos constitui também aproximadamente 50% da sua refutação dos procedimentos de tipo idealista que seu mestre platão ensinava. O que quer dizer que essa defesa do empirismo (e refutação do idealismo, ainda que não completa) é uma grande marca de sua diferenciação em relação à tendência platônica idealista (tendência da qual ele prórpio, antes, fazia parte), fundando com isso uma nova tendência (a empirista) — mesmo que reconheçamos também, como temos que reconhecer, quie ele apesar disso manteve sim fortes ligações com essa tendência idealista platônica da qual emergiu e se destacou a partir de tal defesa (polêmica inclusive) desse posicionamento novo e diferente (o empirista).
Outra inovação sua, que foi também ponto de defesa de seu diferencial como filósofo em relação à tendência platônica, foi a criação da lógica.
Sua criação (e defesa) da lógica pura se desenvolveu em flagrante oposição à supervalorização, por seu mestre Platão, das virtudes do diálogo racional amoroso — pois em Aristóteles o valor do diálogo como meio de busca da verdade cai para segundo plano tanto em relação à observação empírica dos fatos quanto em relação à lógica "pura", ambos realizados a partir de especiais procedimentos metódicos, sistemáticos, criados por ele.
Aristóteles, é o primeiro pensador de que se tem conhecimento que, em toda a história da humanidade, desenvolveu, divulgou e defendeu um método rigoroso de pesquisa de tipo empírico. E paradoxalmente pode-se dizer exatamente o mesmo em relação à lógica pura, da qual costuma ser considerado o "criador", tamanha a sistematização que deu a isto, embora outros pensadores (como o próprio Platão) já tivesse esboçado coisas similares antes.
Assim, como acabamos de demonstrar, além de precursor do empirismo, o mesmo Aristóteles é também estranhamente o fundador e o primeiro defensor da lógica "pura", do raciocínio puramente lógico e que se desenvolve sem depender a cada passo da observação dos fatos.
O estranhamento quanto a isso desaparece (ou pelo menos diminui) quando percebemos uma nova tendência filosófica que se tornou historicamente forte no decorrer do século XX: o positivismo lógico.
O positivismo lógico é uma versão do logicismo que combina, com facilidade e coerentemente, de modo bem simples de se entender, o raciocínio lógico "puro" com a observação empírica dos fatos: basicamente, considera os dados empíricos como os pontos "dados" que irão sendo interligados pelo raciocínio lógico puro.
Mas atenção: a combinação entre dados empíricos e lógica pura desenvolvida e defendida por Aristóteles não é tão simples como a do positivismo. E não apenas isto, mas também o próprio empirismo que os positivistas lógicos combinam com a lógica "pura" — tornando-a já não propriamente "pura" mas "aplicada" — não é um empirismo com a mesma complexidade daquele de Aristóteles.
O empirismo utilizado pelos positivistas lógicos observa "dados" empíricos estáticos, o de Aristóteles observa processos em transformação e imbricados uns nos outros na realidade empírica observável — de modo que para ele as próprias relações são dados empíricos observáveis, e não apenas dados "elementares" isolados cujas relações seriam estabelecidas (ou restabelecidas" pela lógica). O empirismo de Aristóteles tende a agradar talvez mais aos dialéticos do que aos positivistas lógicos. A versão do empirismo pelos positivistas lógicos é portanto bem mais simples, e pode-se dizer inclusive que os faz bem menos próximos do empirismo — na verdade a combinação entre lógica e empirismo no positivismo lógico quase se reduz a uma mera "aplicação" da lógica pura a dados empíricos "elementares" ("despurificando-a" com uma pequena dose de empirismo). Tais dados empíricos são "elementares", para o positivismo lógico, porque nele são observados a princípio individual e isoladamente uns dos outros.
Falando da combinalção que Aristóteles opera entre lógica e empiria, então, podemos nos referir ao positivismo lógico apenas como uma referência que nos ajuda a perceber que conbinações entre lógica pura e observação empírica não são algo assim tão estranho como pode parecer. Aliás, note-se que, principalmente no modelo do positivismo lógico, se trata de uma combinação muito bem ajustada aos procedimentos típicos das ciências naturais a partir do século XX.
Em suma: como conclusão aos dois argumentos levantados nos nos dois tópicos anteriores, podermos considerar Aristóteles como um tronco comum na origem dessas duas tendências históricas: o logicismo e o empirismo, fazendo uma combinação entre eles bem mais complexa que a dos positivistas lógicos do século XX — e sem que tenha deixado de manter relações íntimas com a tendência idealista platônica na qual se formou e da qual se afastou parcialmente (parcialmente, mas em uma parcela importante e muito considerável de sua teoria). Entre os aspectos importantes de sua teoria que permanecem firmemente ligados ao idealismo platônico, podemos destacar por exemplo sua noção de um "primeiro motor" — que os teólogos cristãos de formação tomista-aristotélica costumam fundir à ideia do deus único e superior do monoteísmo cristão.