Ciências Humanas

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O que podemos chamar de "ciências humanas"

Como surgiram as ciências humanas | Qual a diferença entre filosofia e ciências humanas | Comparar a estrutura das ciências humanas com a das ciências exatas e naturais e com a da filosofia ajuda a entendê-las? | Comparar os objetos de estudo das Ciências humanas com os da Filosofia ajuda a entender a diferença entre essas áreas de atuação? | Perguntar qual é o objeto de estudo da filosofia não ajuda a definir o que é a Filosofia? | Qual é o melhor modo de entender o que é a filosofia?

 


 

O que podemos chamar de "ciências humanas"

 

Como surgiram as ciências humanas?

A ideia de "ciências humanas" já foi muito comum, mas com o tempo surgiu uma certa discussão em torno da aplicação da palavra "ciência" a essa área de atuação, e desde que essa discussão se iniciou, muitos passaram a preferir falar em "humanidades", sem considerá-las exatamente como "ciências".

Por que essa discussão? Qual o problema com a palavra "ciência"?

A palavra "ciência" originalmente queria dizer apenas "sabedoria, conhecimento" (em latim). Por volta dos séculos XVII e XVIII ainda se dizia "ciência" ou "filosofia" quase que indiferentemente, sem distinguir uma coisa da outra. Tudo o que se estuda hoje em cada uma das ciências atuais era, inicialmente, um assunto estudado pela filosofia — falava-se, por exemplo, em "filosofia natural" para o conjunto disto tudo que mais tarde passou a ser chamado de "física", "química", "biologia" etc. Com o tempo esses campos de pesquisa foram se desenvolvendo e se separando da filosofia, sendo chamados apenas de "ciências" (não de "filosofia"), e deste modo a palavra "ciência" foi assumindo um sentido próprio.

No século XIX (com Auguste Comte, o mesmo fundador "oficial" da Sociologia) surgiu na França o positivismo, uma tendência filosófica que criticava a própria filosofia considerando-a inferior às tais "ciências" — porque nelas, já que haviam se livrado do campo de debates intermináveis que era a filosofia, estavam-se firmando respostas e resultados seguros, com menos questionamento e mais progresso. O positivismo logo se tornou muito influente, se espalhando por todo o mundo — porque combinava muito bem com a nova forma de organização econômica que vinha se firmanto em toda parte, o capitalismo.

Como resultado, todos os debates e questionamentos incessantes que formam a filosofia — e pelos quais ela não combina tão bem assim com o capitalismo — acabaram sendo depreciados e cada vez menos divulgados. E as ciências humanas (psicologia, sociologia, história etc.) — que ainda se estruturavam de maneira muito próxima àquela da filosofia, com muitas teorias divergentes e se desenvolvendo sempre com uma larga margem de incertezas — começaram cada vez mais a insistir em ser consideradas como "ciências" e distanciadas da filosofia, tomando as ciências exatas e naturais como modelo e passando a imitá-las.

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Qual a diferença entre filosofia e ciências humanas?

Mesmo tentando seguir o modelo das ciências exatas ou naturais, as ciências humanas jamais conseguiram superar sua situação de constante debate entre teorias divergentes, de modo que sempre permaneceram entre as ciências exatas e naturais de um lado, e de outro a filosofia. Um diagrama comparativo pode mostrar melhro essas relações entre elas. Segue-se para isso o mesmo diagrama já utilizado na página "Ciências exatas ou Naturais", no menu à esquerda.

Diagrama das estruturas da filosofia e das ciências

 

Nesse diagrama, os círculos representam teorias coerentes e bem-estruturadas e as manchas de forma menos simétrica e definida são regiões com pontos de acordo entre os pesquisadores, mas acordos que não chegam a formar uma teoria. Quanto mais escuros o círculos e manchas, mais gente no conjunto dos pesquisadores dessa área está de acordo com a teoria ou participando dos acordos que fazem parte da mancha. As setas (não importa a cor) representam os desacordos, as discordâncias.

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Quando vamos passando do campo das ciências exatas e ciências da natureza para o campo das ciências humanas — aquelas que estudam fenômenos ligados aos seres humanos e à sua forma de pensar, sentir, viver e conviver uns com os outros — percebemos que as ciências humanas já se estruturam de uma maneira um pouco diferente: dificilmente existe uma teoria só com a qual todos os estudiosos de uma mesma área de humanas, ou pelo menos a maioria deles, concorde.

Em geral existem algumas grandes teorias igualmente importantes, mas que não concordam muito umas com as outras, e os estudiosos se dividem, alguns preferem uma delas, outros preferem outra. Continuam existindo muitos pontos de acordo entre essas teorias, mas eles já não são tão sólidos e seguros, e não chegam a se articular de maneira coerente e a formar uma “teoria padrão” para todos os estudiosos da área.

Então, como essas grandes teorias não concordam umas com as outras, os debates começam a se intensificar. Em ciências humanas há muito mais discordância, e discordâncias muito mais profundas, do que nas ciências exatas ou naturais. Por isso também há muito mais debate nas áreas de humanas, e muito menos informações que são consideradas inquestionáveis. Existe mais espaço para questionar e discutir as coisas, mas também menos certezas e menos segurança. Pelo diagrama, pode-se notar que a estrutura das ciências humanas parece estar no meio do caminho entre a estrutura das ciências exatas e naturais e a estrutura da filosofia.

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Comparar a estrutura das ciências humanas com a das
ciências exatas e naturais e com a da filosofia ajuda a entendê-las?

Comparando as ciências exatas e naturais com as ciências humanas, fica um pouco mais fácil entender a filosofia: ela tem uma estrutura que se parece bem mais com a das ciências humanas, e tem mais ou menos as mesmas diferenças em relação à estrutura das ciências exatas e naturais. Mas de certo modo, as diferenças que as ciências humanas têm em relação às ciências exatas e naturais aparecem muito mais intensificadas na filosofia. Nesse sentido, as ciências humanas parecem estar como que no meio do caminho entre, de um lado, as ciências exatas e naturais, e de outro a filosofia.

Só que na filosofia, essas diferenças aparecem em um grau muito mais alto, as diferenças são muito mais radicais. Em filosofia, os pontos de acordo existem, mas são poucos e muito vagos, e nem sempre parecem muito importantes. Não existe nenhuma teoria padrão que todos aceitam, e pelo contrário, existem muitas e muitas grandes teorias — na verdade uma enorme quantidade delas — todas muito importantes, e que não concordam em quase nada umas com as outras. O que se destaca e aparece mais são as discordâncias entre as teorias. Há sempre muitas discordâncias e muito profundas entre elas. O clima normal da filosofia é o de um debate interminável entre as teorias.

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A filosofia se estrutura, então, como se fosse uma enorme rede de debates que vão se desenvolvendo ao longo da história, um verdadeiro campo de batalhas intelectuais. Mas o que a faz especialmente diferente das ciências, e que uma teoria filosófica não precisa ser aceita pela comunidade dos filósofos para ser considerada válida. Para ser valorizada, ela não precisa que a maioria dos filósofos concorde com ela, nem mesmo que concordem que ela tem muita chance de ser verdadeira. Existem filosofias para as quais o fato de uma teoria ser “verdadeira” ou não tem a menor importância, porque o que um filosofia procura não é necessariamente isto, embora possa também procurar isso.

Do mesmo modo, em ciências humanas, teorias divergentes coexistem paralelas, debatendo umas com as outras sobre cada  questão estudada. Portanto, este clima de debates diferencia bem a Filosofia e as Ciências humanas, de um lado, e de outro as Ciências exatas ou Naturais. Mas não mostra muito bem a diferença entre Ciências humanas e Filosofia, exceto pela quantidade de teorias divergentes que encontramos debatendo cada assunto.

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Comparar os objetos de estudo das Ciências humanas com os da Filosofia
ajuda a entender a diferença entre essas áreas de atuação?

O que realmente ajuda a esclarecer as diferenças entre Ciências humanas e Filosofia não é comparar as estruturas dessas áreas de atuação, mas observar um ponto comum entre as Ciências humanas e as Exatas ou Naturais, que não exite em Filosofia: a especialização do campo de estudos — e portanto também do tipo de objetos de estudo, se dedicando somente aos que se encaixam nesse campo de estudos, e deixando de lado outros.

A filosofia não tem especialidades nesse mesmo sentido que a ciência. O cientista, para poder estudar a fundo um assunto, se especializa nesse assunto, e é quase certo que nem precise mais se aprofundar muito em assuntos que estão fora da sua especialidade. Isto é válido não apenas para as Ciências exatas ou Naturais, mas também para as Ciências humanas.

Esta especialização está ligada também ao fato de que uma ciência costuma ser definida principalmente pelo seu objeto de estudo ou campo de pesquisas, justamente porque ela se especializa em estudar esse objeto ou em pesquisar esse campo, e evita avançar para outros objetos de estudo ou para outros campos que estão fora da sua especialidade.

Então, se queremos saber o que é a Química, ou o que é a Biologia, por exemplo, podemos perguntar: o que a Química estuda? O que a Biologia estuda? — e a resposta vai ajudar a entender o que são estas ciências. Para definirmos uma ciência humana podemos fazer o mesmo tipo de pergunta. Por exemplo: o que é a Sociologia? — É a ciência que estuda as sociedades, como funcionam, como surgem, como se desenvolvem etc. O que é a Psicologia? — É a ciência que estuda a psiqué humana, palavra grega que significa "alma", mas que essa ciência costuma definir como "mente" ou como "comportamento". A Sociologia muito dificilmente precisaria estudar assuntos Química, por exemplo — porque são assuntos completamente diferentes daqueles que estão na sua especialidade.

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Perguntar qual é o objeto de estudo da filosofia
não ajuda a definir o que é a Filosofia?

Em filosofia, esse tipo de pergunta — perguntar qual é o objeto de estudo dela — simplesmente não funciona.

Se perguntarmos o que a filosofia estuda, a resposta pode acabar sendo: Tudo — pois a filosofia pode mesmo estudar qualquer problema, desde que seja devidamente transformado em um problema de nível filosófico, isto é, desde que busquemos o que existe de mais geral pressuposto (“embutido”) no fundo desse problema. Só que esse tipo de resposta não ajuda muito a entender o que é a filosofia.

Embora nem todo filósofo chegue a concordar com isso, e alguns tentem definir a filosofia deste modo, dizer que a filosofia é o estudo de temas "gerais" ou "universais" e não especializados não esclarece muita coisa, porque a filosofia pode também atravessar sim estudos especializados nas mais variadas áreas — mas vai fazê-lo de maneira a ir encontrando conexões coerentes entre as coisas que está dizendo em cada uma dessas áreas.

Por exemplo: a teoria do filósofo Pascal explica a formação de cones e, a partir delas, a formação de elipses... cones e elipses são figuras geométricas — a primeira da geometria espacial, a segunda da geometria plana. A formação dessas figuras é uma questão muito específica de matemática. Mas esta questão matemática, para Pascal, assim como mais uma porção de outras (por exemplo questões ligadas ao cálculo de probabilidades), está íntimamente ligada, de maneira perfeitamente coerente, com seus estudos de arte (sobre o efeito de perspectiva na pintura), com seus estudos religiosos e com seus estudos sobre o comportamento humano e a respeito da ciência e do conhecimento em geral. Em uma palavra, a filosofia de Pascal é um um mesmo modo coerente de abordar todos esses assuntos, — para usarmos a mesma linguagem de Pascal, um mesmo ponto de vista coerente — que atravessa todas essas questões especializadas.

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Qual é o melhor modo de entender o que é a filosofia?

O melhor modo de entender essa atividade, então, não é perguntar o que ela estuda, mas sim de que modo ela estuda as coisas. A filosofia, muito mais do que um conjunto de “respostas” teóricas para problemas, é um tipo de prática intelectual, esse tipo de prática intelectual que constroi uma abordagem coerente geral para o exame de problemas e questões das mais vairadas áreas, e lança essa abordagem no debate com as outras já existentes. Portanto, o melhor modo de compreender a filosofia é perguntar de que maneira se pratica isso, ou em outras palavras, tentar entender como é que o filósofo pensa a respeito das coisas, afinal de contas.

Por isso é que não se deve simplesmente confundir uma ciência humana com filosofia: as ciências humanas (assim como as exatas e naturais) têm sempre uma especialidade à qual se dedicam, e são construídas exclusivamente para o estudo das questões que são pertinentes a essa especialidade. A filosofia não funciona assim.

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