Arte e artesanato estão na mesma categoria? | O que Proudhon diz sobre a arte no livro Do princípio de arte e de sua destinação social? | A atividade artística é alienada em relação à natureza? | Segundo Proudhon, existe um certo escapismo na arte? Uma tendência a fugir da realidade? | Até que ponto a seção Artes & artesanatos do site Projeto Quem se inspira na teoria estética de Proudhon? | A filosofia é um ramo das artes?
Arte e artesanato são coisas bastante diferentes, mas aqui estão colocados na mesma categoria, porque este site segue até certo ponto uma categorização pensada pelo anarquista Pierre Joseph Proudhon no livro Do princípio da arte de de sua destinação social — embora o site não concorde completamente com o livro e possa fazer-lhe algumas críticas.
No livro, Proudhon examina o que chama de princípio da arte (ou princípio estético ou ainda faculdade estética) — que está por detrás de toda produção humana em alguma medida estetizada, dotada de algum traço de produção estética. Isto evidentemente vale não apenas para obras de arte, mas também para o que chamamos hoje de "artesanato".
Não deixa de valer inclusive, em alguma medida, para produções não-artesanais, onde no entanto o senso estético costuma estar contaminado por objetivos não-estéticos, por exemplo pelo interesse em agradar a um público consumidor em uma economia de mercado. Mas aqui, nesta seção do site, o interesse principal é naquelas manifestações estéticas não-contaminadas, ou que procuram escapar de algum modo a essa contaminação, procurando fazer-se algo mais que uma mera mercadoria. Portanto, a Arte será o foco principal, não o artesanato. Entretanto a polêmica provocada por Proudhon não deixa de ser interessante, e de nos fazem pensar.
O caráter personalizado da arte tem um papel importante no sentido de fazer dela uma atividade estética cuja razão de ser não está tão contaminada pelo não-estético. Se no campo teórico temos a filosofia como uma forma personalizada de conhecimento (fundada no debate entre teorias personalizadas) e a ciência como uma forma despersonalizada; no campo dos conhecimentos práticos e habilidades temos paralelamente, as artes (e hoje também, em alguma medida, os artesanatos) como formas personalizadas desses conhecimentos práticos ou habilidades, e as técnicas como formas despersonalizadas. Mas no caso das artes, a finalidade estética descontaminada (ou pelo menos com baixa contaminação pelo não-estético), a faz especialmente interessante.
Segundo Proudhon (neste livro), a arte se desenvolve a partir de uma faculdade estética inerente à espécie humana. Essa faculdade ou senso estético pode se manifestar (ou não) em diferentes medidas nas mais variadas realizações humanas, e não apenas na assim chamada "arte" — e não é uma faculdade que diz respeito apenas e especificamente à percepção da "beleza", mas de modo bem mais amplo, a todo um jogo de avaliações que, por essa faculdade, é aplicado a algo. Um jogo de avaliações pelo qual esse algo tem certos elementos seus valorizados na percepção ou no sentimento de alguma maneira.
Mais precisamente, podemos dizer que para Proudhon a arte é a própria manifestação desse senso estético projetado em realizações humanas das mais variadas espécies — mesmo aquelas que não costumam ser chamadas de "arte". O que se costuma chamar de "arte" é na verdade apenas um caso particular em que isto se manifesta por assim dizer em estado puro, depurado de outros elementos de finalidade não-estética — de modo que o que se costuma chamar de "obra de arte" na verdade se define negativamente, pela negação de elementos que não tenham finalidade estética. Isto não significa valorizar a arte pela arte — postura na verdade fortemente criticada por Proudhon. O caminho de Proudhon é o oposto: o de destacar aquilo que, na arte, não se limita a atingir esse estado pureza ou depuração, mas o ultrapassa e torna a relacionar-se com o mundo e a vida de uma outra maneira.
Ainda segundo Proudhon, essa faculdade estética (que é o próprio princípio da arte) por sua vez se compõe de duas fontes ou causas geradoras que engendram uma à outra, para juntas engendrarem o conjunto do que se caracteriza finalmente como arte; e às vezes também de uma terceira fonte, secundária e que não é indispensável à arte, mas que pode acrescentar-se a ela:
Segundo Proudhon, a arte humana (no sentido amplo que ele dá a essa expressão) não imita necessariamente o processo criador da natureza, embora possa fazê-lo — conforme a terceira fonte da arte. Mas trata, isso sim, de dar continuidade a esse processo criador natural de uma outra maneira, inteiramente nova, por meios humanos e em um âmbito especificamente humano.
Esse âmbito especificamente humano é, em certa medida, o de uma atuação inevitavelmente alienada em relação à natureza original. A arte humana se manifesta, portanto, no âmbito de uma segunda natureza, bastante diferente da original, porque construída artificialmente pelos seres humanos — e que acaba por tomar o lugar da primeira (com muitas vantagens e desvantagens em relação a ela, e não só com desvantagens, como se poderia depreender de Platão).
Pela sua primeira fonte — o senso estético —, a arte nasce como uma faculdade perceptiva refinada, que conecta o ser humano ao mundo real à sua volta de maneira particularmente humana. Particularmente humana porque já filtrada, desde aí, pela sua personalidade individual e pelos filtros de sua formação social.
Pela sua segunda fonte (a personalidade do artista autoestimada), a arte — já nascida da primeira fonte, que a conecta necessariamente à sua realidade — se desenvolve ainda mais no sentido de uma crescente personalização. Personalização que a impulsiona no sentido de libertar-se de condicionamentos de sua realidade e de seu meio social, o que faz dela uma espécie de fuga impossível de uma realidade inevitável.
Quando lemos o livro Do princípio da arte e de sua destinação social relacionando-o com o conjunto da obra de Proudhon, concluimos — em conformidade com o que já foi dito — que segundo ele há de fato, na arte, uma certa tendência à fuga da realidade. Uma busca exacerbada de algo absoluto para além do jogo de relações que constitui o real.
Mas concluímos também que isto não é necessariamente ruim, porque nessa fuga, segundo Proudhon, a arte nem sempre chega necessariamente a se alienar do real, ou mesmo a procurar essa alienação.
Quando não se aliena de sua faculdade estética inicial (que neste caso a mantém em contato com a realidade), a arte apenas se engrandece nessa "fuga": ela se estende de sua fonte no real até para além das limitações do real, fazendo-a utópica e libertariamente orientada. Proudhon chega a mencionar que por vezes a arte não apenas escapa às limitações do real rumo ao possível, mas chega a antecipar o sentido de grandes transformações históricas que ainda estão por vir.
Neste site, o ato de colocar a arte e o artesanato na mesma categoria acompanha pelo menos o início dessa interessante linha de raciocínio de Proudhon, desenvolvida por ele na França do século XIX: a ideia de que há uma faculdade estética humana comum (embora possa ser desenvolvida pelo exercício, como qualquer outra habilidade) que, em seus resultados, ultrapassa aquilo que chamamos de "obra de arte" e se manifesta também em outras realizações humanas.
Atualmente são muitas as realizações humanas não só despersonalizadas, mas claramente massificadas e mesmo desumanizadas, realizadas por procedimentos mecânicos ou automatizados, e nas quais não se manifesta quase nada de senso estético descontaminado — pois até mesmo o estético se torna funcional, dotado de uma utilidade em geral mercadológica, contaminado pelas influências capitalistas. Destarte o termo "artesanato" — que no séc. XIX de Proudhon se referia a qualquer fabricação humana — passou a referir-se a uma produção não automatizada, a uma produção particularmente estetizada ou personalizada, e neste sentido particularmente humana... ainda que não seja propriamente arte.
Esta é a ideia por detrás da colocação de arte e artesanato na mesma categoria.
Entretanto, esclarecer o que esta seção do site acolhe da teoria de Proudhon sobre a arte não basta para delinear com clareza o posicionamento do site em relação ao assunto, primeiramente porque Proudhon está longe de ser a única referência quanto à arte, ainda que seja uma referência com um papel especial na colocação de artes e artezanados em uma mesma categoria. E em segundo lugar porque também não é a única referência em relação ao artesanato. E embora Proudhon trabalhe colocando também as duas coisas na mesma categoria, isto não ocorre com todas as demais referências em que este site se apoiará nas suas posições acerca da arte e do artesanato.
Na verdade, a escolha de referências teóricas para pensarmos o artesanato não é difícil: há poucas disponíveis, de modo que a escolha não envolve muitas opções. Além disso, várias delas colocam direta ou indiretamente artesanato e artes na mesma categoria (assim como ocorre em Proudhon), fazendo-se referências para ambos os objetos de estudo — isto facilita a inda mais a escolha de referências, porque oferece um critério de ordem prática, que é a simplicidade promovida pelo tratamento conjunto ou comparado das duas coisas, tal como já proposto de início.
Mas já quanto às artes, a escolha de referências é dificílima, porque as opções não apenas são muitas e muito variadas, como os critérios disponíveis, os critérios possíveis, são sempre extremamente complexos e rodeados de alternativas divergentes e conflitantes.
O campo das artes se apresenta como um imenso campo de confrontações entre posturas estéticas diferentes — o que é bastante familiar para os que conhecem a história da filosofia, pois o campo filosófico se apresenta do mesmo modo. Mas nas artes as divergências e confrontações (que podemos chamar de estilísticas) são incomparavelmente mais variadas, porque variam não apenas no mesmo contexto histórico ou de um contexto histórico para outro, mas também de uma arte para outra, pois a história particular de cada ramo das artes tem as suas próprias confrontações estilísiticas ou de posicionamento estético. E é extremamente difícil conciliar coerentemente as confrontações que se sucedem na história de um ramo das artes com as que se sucedem na história de outro.
Já seria o bastante para assustar, mas as dificuldades não param aí: na maior parte dos casos, as confrontações estilísticas na história de cada ramo das artes, além disso, não podem ser propriamente consideradas um debate racional. Pode-se falar racionalmente sobre um estilo estético, construir inclusive em torno dele toda uma filosofia da arte. Mas a arte em si mesma, as praticas artísticas e os objetos que resultam (ou não) delas, assim como os estilos em que se apresenta, não são eles próprios filosofias ou discursos racionais, teóricos, conceituais. São pinturas, esculturas, encenações dramáticas, músicas, poemas etc., e o modo como são realizadas tais coisas. E essas coisas e seus modos de realização inclusive não são necessariamente racionais, e muitas vezes não chegam sequer a ser defendidos por uma efetiva teoria ou por argumentos racionais. Mas acontecem, e acontecem confrontando esse modo como se realizam com o estilo, ou modo de se realizar, de outras práticas e objetos artísticos.
Essa confrontação é o equivalente artístico dos debates históricos da filosofia. Mas a equivalência, como se vê, nã é perfeita. Os casos não são idênticos. E o caso das confrontações estilísticas na história das artes é bem mais complexo, engloba muitas teorias estéticas filosóficas, racionais, mas evidentemente não se limita a elas. Isto torna bastante complicada a escolha de referenciais para uma tomada de posicionamento filosófico nas artes. Mais complicada do que em outros campos da reflexão filosófica.
É verdade que o estudo da história da arte, em seus mais variados ramos, tende a nos revelar sempre um curioso movimento pendular (aliás presente também na história da filosofia) entre dois tipos dominantes de estilos opostos, que a bem da verdade não podem ser precisamente considerados sempre os mesmos sem uma certa abstração que ignore os detalhes dos fatos. Mas em cada ramo das artes esse movimento histórico pendular se mostra diferente no ritmo e nas oposições envolvidas, de modo que a presença dessa oscilação estilística por si só não alivia muito as dificuldades.
Podemos até mesmo considerar a filosofia como um ramo particular das artes. Há filósofos que realmente o fazem — e adianto que, na verdade, é o meu caso... considero não apenas a filosofia como um ramo das artes, como a própria vida, o viver ou "ars vivendi" (como Flusser gostava de chamá-la) como um possível ramo das artes, dependendo de como é vivida.
Os filósofos que (como o próprio Flusser) situam a filosofia entre as artes, tendem a considerá-la, mais especificamente, como um ramo das artes literárias. Quanto a isto, já não é o meu caso, pois não creio que a filosofia se exprima necessária e exclusivamente apenas pela escrita. Considero-a possível, praticável, também por outras formas combinadas com a textual, discursiva, conceitual. Mas acima de tudo, examinando de perto a história da filosofia, considero-a muitas vezes praticada de fato, efetivamente, na forma de uma ars vivendi racional ou conceitualmente orientada.
Vejam-se quanto a isto exemplos muitíssimo significativos, como os de Sócrates ou Kierkegaard, e casos ambivalentes como os de Marx, Proudhon ou Bakunin...! Digo ambivalentes porque a ars vivendi, neles, é de tipo fortemente contaminado por orientações não-estéticas: orientações de caráter funcional, marcadas pelas noções de eficácia e de militância. Quanto a Sócrates (e talvez também quanto ao próprio Kierkegaard, embora com menos firmeza), poderia-se argumentar que são casos nos quais a conexão entre vida e filosofia é mais de caráter ético do que de caráter estético... mas aqui entraríamos em um ponto de discussão com o posicionamento assumido pelo autor das presentes linhas (João Borba) — pois ele (e portanto evidentemente também o site Projeto Quem, pelo qual procura exprimir-se filosoficamente), considera a própria ética, e todos os valores morais, como casos particulares da estética e da "ars vivendi" da qual Flusser fala.
Grande parte dessas confrontações entre diferentes estilos artísticos caminha por um percurso por assim dizer infra-racional, pois nem sempre esses estilos praticados nas artes são firme e profundamente fundamentados em alguma teoria racional, ou mesmo em algum jogo de efetivas argumentações racionais.
O campo das artes, para um filósofo, é o mais movediço e inseguro dos terrenos.
As referências filosóficas (ou teóricas em geral) que sustentam o posicionamento deste site quanto a tais assuntos são de três categorias:
Mas é preciso dizê-lo com clareza: no momento em que está sendo escrito este texto (novembro de 2012), ainda não existe efetivamente uma teoria estética formulada pelo próprio João Borba. Isto torna a coisa talvez mais interessante para o visitante: ele poderá acompanhar pelo site o próprio processo de desenvolvimento de uma posição clara quanto a isto, com a construção de um esboço de teoria estética a partir do que, neste ponto, são ainda apenas rudimentos, ideias desarticuladas e referências examinadas, mas ainda não muito bem debatidas e articuladas.
O que é possível adiantar é que, examinando esses rudimentos e o sentido, o rumo que vêm tomando as reflexões filosóficas do autor deste site, a filosofia da arte tende a assumir uma posição particularmente importante, de grande peso para as posições já elaboradas nos campos da política e da ética, que, neste preciso sentido, em conexão com essas reflexões estéticas, ainda podem (e devem provavelmente) vir a sofrer grandes alterações e drásticos aprofundamentos.
Não seria a primeira vez que esse tipo de coisa acontece na história da filosofia. Tem-se examinado muito, por exemplo, e cada vez mais a partir do século XX, a importância de certas concepções estéticas de Kant — desenvolvidas mais claramente apenas em sua Crítica da faculdade de julgar — sobre obras anteriores consideradas centrais e fundamentais no conjunto de seu pensamento, como a Crítica da razão pura e a Crítica da razão prática. Pode-se dizer ainda mais quanto à filosofia da arte de Schelling, que surgida com mais clareza no livro Bruno, depois de diversas outras obras suas, deu a elas não apenas um complemento, mas toda uma nova e mais sólida fundamentação, e com ela inclusive um novo sentido, pelo qual o conjunto do que havia escrito antes passou a ser reinterpretado.
O fato de não haver ainda uma teoria estética já formulada neste site (mas sim o projeto de se formular uma) significa também que o que posso oferecer neste momento ao visitante, quanto a isto, são apenas referências iniciais (mas muito provavelmente incompletas e sujeitas a alterações), e um conjunto esparso de reflexões como ponto de partida, que incluem a utilização se certos princípios, pressupostos e recursos metodológicos, para a partir daí irmos trilhando o percurso no exame das teorias estéticas da filosofia, dos próprios estilos de arte que se apresentam historicamente, e do diretamente próprio acervo de obras e práticas artísticas historicamente disponível na forma de registros verificáveis.
É evidente, também, que ainda estando tudo ainda nos rudimentos quanto este projeto de filosofia estética, as referências que apontarei a seguir, quando chegarem àquelas que dizem respeito diretamente a práticas estéticas de artistas, tenderão a parecer um simples amontoado de "preferências", uma lista do que faz o meu gosto estético pessoal. Mas não se trata disso (ou não apenas disso). São fontes para a construção de um posicionamento estético em filosofia.
Essas referências teóricas iniciais se concentram no seguinte.
1.
Quanto à questão específica do que está sendo chamado aqui de "artesanato" — produção humana personalizada, mas não puramente artística, porque fortemente contaminada por orientações não-estéticas — guio-me em meus posicionamentos por referências teóricas oriundas principalmente dos campos da historiografia, da arquitetura, do urbanismo, do design e da comunicação visual e não-verbal, da psicologia da percepção, da matemática e da geografia. Mas também por referências diretamente filosóficas acerca desses assuntos, recolhidas em Jean Baudrilard, em Richard Sennet, no pensador e artista situacionista Asger Jorn e, sobretudo, em Vilém Flusser.
Alguns outros nomes específicos de maior importância para mim são o historiador Lewis Munford, o teórico da comunicação não-verbal E. T. Hall, o comunicólogo alemão Harry Pross (indicação do amigo Norval Baitello, ele próprio também forte estudioso e uma fonte de orientação), o geógrafo político Marcelo Lopes de Souza e, principalmente, o psicólogo gestaltista Kurt Lewin — que desenvolveu uma aplicação da topologia matemática à psicologia, e que é, junto a Flusser, uma de minhas principais fontes teóricas.
2.
Quanto à conexão ou comparação das artes com atividades de tipo artesanal, ou então com atividades de caráter técnico, minhas referências principais são Cornelius Castoriadis, o anarquista Proudhon (com fortíssimo peso em todo esse grupo), o sociólogo Jean Duvignaud, Georges Bataille e os teóricos antiutilitaristas do movimento MAUSS, os teóricos do situacionismo em geral (postura política capitaneada por Guy Debord), o comunicólogo e teórico da informação Abraham Moles e seu intérprete J. Teixeira Coelho Neto; Norman Wiener (o matemático fudador da cibernética e que, pouca gente sabe, mas ao contrário do que se tenderia a esperar, escreveu também contra a submissão da vida humana à tecnologia); Flusser (mais uma vez) e Henri Lefebvre. Atualmente (neste final do ano de 2012) as concepções históricas de Domenico De Masi, que eu já conhecia mas não valorizava muito, têm começado a chamar também minha atenção, graças à indicação de um amigo.
3.
Quanto às artes diretamente: as teorias estéticas dos situacionistas (sobretudo Asger Jorn), e as filosofias de Flusser (novamente!), Schelling, Nietzsche e Stirner. Para além da filosofia, em psicologia, as teorias de Piaget, Reich, e (em sua conexão com o teatro) as de Pierre Weil, Jacob-Levy Moreno, Erwing Goffman e o interacionismo simbólico em geral. Diretamente no campo das teorias estéticas teatrais, as de Brecht e (principalmente) Artaud, mas também a teoria política da Maquiavel reinterpretada como uma teoria teatral.
No campo literário e da filosofia da linguagem, a teoria estética de Ezra Pound, e as teorias linguísticas de Mikhail Bakhtin, de Urban e do segundo Wittgenstein.
Para além disto, também a estética surrealista em geral e ainda mais marcantemente o realismo mágico (forte sobretudo na literatura latina), o cubismo em artes plásticas, a estética popular do grotesco (examinada por Bakhtin na literatura de Rabelais), o tropicalismo brasileiro, o movimento estético antropofágico do modernismo brasileiro, o concretismo na poesia, a literatura simbolista e a literatura pessimista pós-moderna. A linhagem das influências negras na música norteamericana, do jazz, do blues e do soul ao rock; e a vertente "progressiva" (mais experimental) do rock, e as influências dessa linhagem na música brasileira.
E finalmente, na arte contemporânea, a ideia de work in process (fortíssima marca em minha produção intelectual), as influências de Marcel Duchamp, da antiarte , dos happenings, da videoarte, das instalações, e das artes experimentais (se é possível dar-lhes um nome assim tão preciso), com as quais tenho contato desde pequeno porque praticadas e constantemente comentadas, entre outros, por Gabriel Borba (meu pai, artista plástico próximo à vertente situacionista, e que foi assistente e amigo do filósofo Vilém Flusser).
Mas há ainda uma fonte para mim importantíssima, e que remete a estudos de caráter biológico, ligados à teoria da evolução e à etologia, e ao exame das capacidades liguísticas e simbólicas humanas: aquilo que se convencionou chamar de arte pré-histórica. Qaunto a isto, do ponto de vista biológico, minha referência maior é Conrad Lorenz. Essas considerações acerca da arte pré-histórica conduzem ao exame da religiosidade humana, que parece fortemente relacionada desde esse início as atividades de tipo artísitico.
Quanto a isto, minha postura tende a ser a de detectar, nesta conexão, mais do que qualquer outra coisa, uma oposição entre a arte e a religiosidade. Oposição em que a arte por isso mesmo tende manter-se conectada a ela, mais ou menos como aquele anarquista que tende a conectar sua própria existência à presença de autoridades que ele (neste sentido de modo algo suicida) combate se necessário até à morte.
(Não significa que este combate seja necessariamente consciente...)