Para além do argumento

Para além do argumento

Definição

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O que define a categoria Para além do argumento
Quais as áreas que estão na categoria Para além do argumento? | Por que o pensamento oriental está na mesma categoria que as crenças? | Com o tempo deve ir surgindo no site material sobre todas as áreas possíveis e imagináveis? | De que maneira a fundamentação filosófica do site afeta na prática a categoria do que está Para além do argumento?

O problema da "filosofia oriental"
Por que não abrir uma categoria chamada "Filosofia oriental"? | É errado considerar o pensamento oriental como "filosofia"? | Existe algo de absurdo em tratar conceitos do pensamento oriental do mesmo modo como se tratam os conceitos na filosofia? | É possível usar um conceito do pensamento oriental, mas raciocinando como nos debates filosóficos? | A principal diferença entre filosofia e pensamento oriental está no modo como usam o raciocínio? | Não há diálogo nem interferências mútuas entre a filosofia e o pensamento oriental? | Conceitos e teorias de outras áreas (não-filosóficas) podem ser incorporados na filosofia com o tempo e acabar se tornando filosóficos? | Não seria mais fácil trabalhar sem todas essas categorias, e simplesmente unir todos os campos de conhecimento num só?


 

O que define a categoria Para além do argumento

 

Quais as áreas que estão na categoria Para além do argumento?

Neste site, estão classificadas na categoria Para além do argumento aquelas áreas de atuação importantes e que contam com muitos grandes pensadores e especialistas, mas que não se enquadram facilmente nas demais formações culturais que estão apontadas como categorias independentes (Filosofia, Ciências Humanas, Artes e Artesanatos, Ciências Exatas ou Naturais).

Entram aqui por exemplo as religiões, o pensamento mágico e mitológico, o folclore, e as cosmovisões (visões coerentes de mundo) milenares que são tão frequentes na cultura oriental — e que muitas vezes se discute se cabe ou não chamar de "filosofia". Entram aqui também princípios ou ideias enraizadas na cultura de algum povo e que, de algum modo, passaram a ser cultivados de maneira mais geral em inúmeros outros povos.

Um exemplo é a forte e interessante ideia de Yin-Yang, presente na cultura de diversos povos orientais e que, ao mesmo tempo, participa de cosmovisões bem estruturadas no Oriente.

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Por que o pensamento oriental está
na mesma categoria que as crenças?

Isto tem razões de ordem prática.

Uma livraria que tenha poucos livros sobre religião, auto-ajuda, filosofia e pensamento oriental, por exemplo, é capaz de colocar tudo isto em uma mesma seção geral e chamá-la de "Cultura espiritual" ou qualquer coisa do gênero. O livreiro coloca esses assuntos juntos porque sabe que muitas vezes a pessoa que se interessa por um deles se interessa também por algum dos outros.

O raciocíno aqui, até certo ponto, é o mesmo. Esta categoria é apenas um espaço geral para aquilo de que o site ainda não tem material suficiente para estar em uma categoria independente. Essas categorias podem mudar com o tempo, dependendo do material que o site tenha disponível.

É possível que com o tempo vá surgindo mais material sobre certas Visões de Mundo orientais, por exemplo, e acabe se tornando necessária a abertura de mais uma categoria só para isso.

De qualquer modo, este site tem (e não pretende deixar de ter) um aspecto muito pessoal. Além de sua proposta de oferecer material de pesquisa para os visitante, o site é o espaço de expressão da formação filosófica de um pesquisador em particular, e de seus diálogos com outros, com a filosofia e com outras formações culturais  — o professor João Borba, o mesmo que escreve estas linhas que você está lendo — de modo que o site prioriza propositalmente aquilo que vai tendo uma particição mais direta nessa minha formação. É todo o material de uma formação pessoal pessoal em Filosofia. Por isso, justamente, se trata de um site acima de tudo sobre filosofia, e os demais assuntos são complementares.

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Com o tempo deve ir surgindo no site
material sobre todas as áreas possíveis e imagináveis?

Não.

Neste site, esse raciocínio "de livreiro" descrito no tópico acima, que coloca numa mesma categoria geral todas as áreas sobre as quais tem pouco material, procura ter uma fundamentação filosófica (aliás como tudo o mais que se publica aqui). E essa fundamentação filosófica impõe certos limites.

A fundamentação é a seguinte: trabalhamos neste site com a ideia de que os limites sempre existem em tudo o que é real ou que se possa imaginar, e qualquer coisa que queiramos imaginar como se não tivesse limites, já está presa necessariamente aos limites da nossa imaginação. Não parece haver como escapar a isso.

Isso significa que os limites também existem em todo e qualquer empreendimento, por exemplo na realização de um site sobre filosofia. Mas querer esconder esses limites não é apenas uma ingenuidade ou uma falta de senso de realidade: é uma tolice, porque os limites são importantes. Ou seja: não só não parece haver como escapar aos limites, como também não é desejável escapar a todos eles indiferentemente e indiscriminadamente.

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Por que não?

Porque os limites ajudam a definir aquilo que somos e em que direção queremos (ou não) superá-los — o que significa decidir em que direção queremos nos tranformar e o que é que, pelo contrário, queremos preservar e cultivar em nós mesmos. Eles não são apenas limites: são ao mesmo tempo portas, passagens, caminhos. E nos definem conforme escolhemos passar por alguns deles e não por outros.

Querer séria, sincera e profundamente superar todos os limites em toda e qualquer direção é igualmente tolo, ou pelo menos suicida. Pois querer ser tudo, e ter sucesso nisso — se fosse possível, como felizmente parece não ser — significaria neutralizar-se completamente, tornar-se nada.

É importante então que se perceba que, por detrás das decisões a respeito das áreas que vão se desenvolvendo mais e das que vão se desenvolvendo menos no site, não há apenas a contingência de falta de material sobre certos assuntos, como geralmente acontece com os livreiros. 

Essa contingência é real, existe e tem o seu peso. Mas além dela há também uma fundamentação filosófica ligada a um processo de autodefinição do site e da própria filosofia que existe por detrás dele. Para sermos mais precisos podemos dizer que o site, acompanhando a filosofia que está por detrás dele, vai se definindo e se construindo conforme vai se desenvolvendo em uma direção ou em outra — e não nas demais direções.

Há decisões envolvidas aí.

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De que maneira a fundamentação filosófica deste site afeta na prática
a categoria do que está Para além do argumento?

Esse modo de pensar a respeito dos limites resulta no seguinte: com o tempo, algumas das sub-áreas colocadas nesta categoria do Para além do argumento podem mesmo vir a se organizar em uma nova categoria, se houver bastante material sobre o assunto.

Mas o objetivo não é de maneira nenhuma rechear todas as áreas com o máximo de conteúdo possível e ir abrindo sempre novas categorias em toda e qualquer direção.

Pelo contrário, conforme o site for se desenvolvendo, irá alterando sempre sua personalidade mais em algumas dessas possíveis direções, e menos em outras.

É claro que além disso o site sempre apresenta e continuará apresentando sim informações sólidas e cuidadosamente fundamentadas sobre os todos assuntos tratados. Mas acima de tudo, apresentará sempre, nunca deixará de apresentar, em algum momento, uma firme tomada de posição — e filosoficamente argumentada — sobre os assuntos publicados. 

Essas tomadas de posição (como por exemplo a que você está lendo neste exato momento), assim como a escolha e a organização dos conteúdos, procuram exprimir a personalidade do site e o processo de desenvolvimento e alteração dessa personalidade ao longo do tempo.

O visitante que nos acompanhar com frequência e por bastante tempo, portanto, não vai apenas começar a conhecer muita coisa a respeito dos assuntos tratados: além disto, vai começar a conhecer um certo modo de pensar e um certo conjunto de posicionamentos a respeito de tudo isso, que são os do próprio site.

Para sermos mais exatos, vai começar a conhecer uma certa filosofia em particular, que está inscrita por debaixo de tudo neste site.

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O problema da "filosofia oriental"

 

Por que não abrir uma categoria chamada "filosofia oriental"?

As crenças religiosas, o folclore, as mitologias dos diferentes povos — em tudo isso parece haver sempre boas e claras razões para uma separação bem nítida em relação à filosofia. Mas a coisa parece se complicar um pouco quando tratamos de certas visões de mundo orientais.

Isto ocorre justamente porque, para combater certos preconceitos entre os ocidentais, que muitas vezes colocam a filosofia (a tradicional, ocidental) acima dessas formas de pensamento orientais, foi criada a expressão "filosofia oriental".

A ideia a princípio era boa: combater preconceitos e mostrar que as visões de mundo orientais têm o mesmo peso e importância que as teorias filosóficas. Que não existe diferença de valor e de importância entre elas.

Mas o resultado foi ruim: as pessoas que não estudam realmente a fundo nem as teorias filosóficas nem as cosmovisões orientais passaram a ignorar as diferenças que caracterizam essas duas atividades, a achar que não existe diferença nenhuma entre elas.

E existe sim. Aliás, diferenças evidentes, para não dizer gritantes.

O fato é que são atividades que nasceram e se desenvolveram ao longo da história de maneiras inteiramente diferentes, e que não se misturam facilmente sem que alguma das duas saia bastante prejudicada, embora possam ter (e tenham) muita influência uma sobre a outra (especialmente as cosmovisões orientais sobre a filosofia).

Essa influência só é proveitosa quando é feita com muito conhecimento e cuidadosa consideração das duas áreas e das diferenças entre elas — como o que vemos por exemplo no filósofo Nietzsche, fortemente influenciado pelo pensamento oriental e que soube importar conceitos dali adaptando-os para a filosofia. Apesar de fazer isso de modo extremamente livre e criativo, Nietzsche baseou toda essa liberdade e criatividade em um profundo conhecimento dessas diferenças. Poderíamos mencionar também um estudioso francês bem menos conhecido, François Julian, profundo conhecedor do pensamento oriental e que procura examiná-lo em inúmeros livros com olhar de filósofo, mas evitando cuidadosamente as distorções, e apontando-as com clareza sempre que inevitáveis.

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É errado considerar o pensamento oriental como "filosofia"?

É necessário fazer aqui um breve comentário sobre as cosmovisões orientais. Como já foi dito no tópico anterior, há sim quem as classifique como "filosofia", procurando romper um certo preconceito do pensamento ocidental em relação ao pensamento oriental, como se a filosofia fosse algo "superior" (o que é não apenas um preconceito, mas uma bobagem, visto que coisas tão diferentes não podem ser avaliadas tão facilmente pelo mesmo critério). Mas essa noção de "filosofia oriental", apesar de partir de uma boa ideia, não só é um erro como é um duplo erro.

É um duplo erro primeiro porque descaracteriza essas cosmovisões orientais, que não nascem nem se desenvolvem no interior do debate histórico internacional ao qual se chama de "filosofia". Pelo contrário, formam cada uma um todo coerente de pensamento. E esse todo coerente não se sustenta com base em sua defesa por meio de argumentos em confronto com contra-argumentos.

As cosmovisões orientais se sustentam muito mais em com base em sua própria harmonia e coerência interna e ao mesmo tempo com base em crenças ou em costumes. Não na crítica e autocrítica em um campo de batalhas argumentativas, como acontece com a filosofia.

Ainda é um erro, em segundo lugar porque além disso descaracteriza a própria filosofia. A começar pelo fato de ignorar uma que teoria filosófica não precisa ter uma cosmovisão para ser filosofia, e da melhor qualidade — embora seja verdade que poucas vezes uma filosofia escape de acabar gerando uma visão de mundo, direta ou indiretamente.

Mas não é apenas isso. Não há como ignorar, também, que cada teoria filosófica tem (e assume que tem) necessariamente falhas teóricas a serem corrigidas e novos problemas a serem resolvidos.

Uma teoria filosófica, na verdade, não é de maneira nenhuma um conjunto de ideias harmônicas e coerentes que forma um todo independente de outras teorias também filosóficas.

Esta ideia é fruto de uma visão distorcida e superficial da atividade filosófica. E confundir filosofia com cosmovisões orientais normalmente contribui para difundir essa visão superficial. Por que? Porque leva as pessoas a pensarem nas teorias filosóficas a partir de características típicos das cosmovisões orientais, o que é tão absurdo quanto querer julgar e avaliar as cosmovisões orientais, que são uma outra coisa, a partir dos critérios da filosofia — que é uma atividade na qual se realizam o tempo todo julgamentos e avaliações a respeito de tudo (e até dos próprios julgamentos e avaliações que estão sendo feitos!).

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Existe algo de absurdo em tratar conceitos do pensamento oriental
do mesmo modo como se tratam os conceitos na filosofia?

Na verdade fazer isso pode ser até uma interessante — desde que a ideia seja a de trazer algo de novo e diferente para a filosofia, dando uma "chacoalhada" crítica nos seus alicerces tradicionais... o filósofo Nietzsche por exemplo fez bastante disso (como já foi mencionado). Ou então perturbar as certezas dos seguidores do pensamento oriental para provocar neles alguma reflexão crítica de tipo filosófico.

Mas querer juntar as duas coisas e esperar placidamente que se combinem sem atrito é um tanto utópico — além podermos facilmente questionar qual o interesse que poderia haver nisso. Para que se perceba o absurdo desse tipo de atitude, basta experimentar tratar algum conceito de uma cosmovisão oriental como se costumam tratar os conceitos filosóficos. Logo se perceberá que muitos resultados interessantes podem sair daí, mas de modo nenhum algum ajustamento tranquilo de uma coisa com a outra. Isso porque as questões adequadas a serem feitas diante de um conceito filosófico não são sempre muito saudáveis para o pensamento oriental, e vice-versa.

Experimentemos com o conceito de Yin-Yang.

Por exemplo: quem foi o criador do conceito de Yin-Yang? Em que tendência ou corrente de pensamento esse conceito é defendido, e é defendido contra quais outros conceitos, de quais outras correntes ou tendências de pensamento? Com quais argumentos?

Quais os argumentos que sustentam a validade desse conceito? Quais os argumentos contrários a esse conceito? Qual o âmbito de aplicação desse conceito? Isto é, ele é válido em qual contexto, e deixa de ser válido em qual outro contexto? Quais os limites da validade desse conceito?

Qual foi a situação histórica e quais foram os problemas que fizeram nascer esse conceito? Ele ainda é aplicável na situação histórica atual? A que tipo de problemas? Quais os limites dessa possibilidade de aplicação? Que correções precisam ser feitas no conceito para que seja aplicável?

Ele é universalmente aplicável em toda e qualquer situação e em toda e qualquer época? Com quais argumentos se sustenta essa dificílima tese? — Lembre-se, de passagem, que é o tipo de tese que ninguém até hoje jamais conseguiu sustentar em filosofia de maneira definitiva e sem cair em impasse contra teses contrárias. Mas suponde que se queira tentar defender isso: diante de outros conceitos incompatíveis com este e que também se dizem aplicáveis em toda e qualquer situação e em toda e qualquer época, com que argumentos os defensores desse conceito entram no debate?

Etc...etc...etc.

Experimentar fazer isso pode nos deixar com uma má impressão a respeito do pensamento oriental. Mas é preciso ter o cuidado de perceber que essa má impressão é justamente a fonte dos preconceitos que se tentou combater com a ideia de "filosofia oriental". E de perceber que fizéssemos o contrário, se tentássemos examinar conceitos filosóficos importantes, e mesmo o conjunto das práticas filosóficas e o modo filosófico de usar a razão, a partir de um olhar oriental, por exemplo a partir do conceito de Yin-Yang, provavelmente a filosofia passaria a mesma má impressão.

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É possível usar um conceito do pensamento oriental,
mas raciocinando como nos debates filosóficos?

Decerto que sim. Basta evitar cair na armadilha do preconceito. Mas mesmo sem rebaixar preconceituosamente o pensamento oriental, quem raciocinar até o fundo do modo filosófico e ocidental a respeito desses conceitos precisa estar ciente de que, mesmo assim, muito provavelmente ainda estará distorcendo e descaracterizando as cosmovisões orientais que trabalham com eles. Porque elas raciocinam desde o início de outra maneira, seguindo outros critérios.

O modo filosófico de raciocinar é e não pode deixar de ser totalmente marcado, em cada passo e até o fundo, pela experiência do debate das teorias umas contra as outras, e não é o que acontece com o pensamento oriental, que se organiza de outro modo.

É claro que indiretamente até ocorre algum debate entre as diferentes cosmovisões orientais, mas isto não é central para elas, não é o mais relevante, não é o seu centro de atenção. Muitas estão mais preocupadas por exemplo em produzir um certo efeito na mentalidade das pessoas.

As teorias filosóficas muitas vezes também estão preocupadas com isso, mas jamais podem colocar essa preocupação acima da atenção que dão aos argumentos e ao debate, porque a qualidade de uma filosofia depende muito disso. Já no caso de uma cosmovisão oriental, seu valor não diminui absolutamente nada se ela por acaso não der muita antenção aos argumentos ou não justificar racionalmente a cada passo tudo o que vai dizendo. O valor de uma cosmovisão oriental depende de outras coisas, por exemplo do peso de toda uma tradição milenar de experiências de vida acumuladas por detrás dela.

O que é central e mais importante para uma teoria filosófica frequentemente é secundário para uma cosmovisão oriental e vice-versa. E a diferença fundamental entre a filosofia e essas cosmovisões, neste sentido, é a que estamos apontando: para a filosofia, o confronto argumentativo está no centro de tudo. Não há filosofia sem isto.

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A principal diferença entre filosofia e pensamento oriental
está no modo como usam o raciocínio?

A princípio, parece que sim.

É preciso entender que a filosofia não é melhor nem pior que as cosmovisões orientais, e que elas não raciocinam menos que a filosofia nem com raciocínios de menor qualidade ou qualquer coisa assim. Podemos chamá-las de "cosmovisões" justamente porque são coerentes e bem construídas, seguindo cada uma cuidadosamente a sua própria lógica, o seu próprio modo de raciocinar. O termo "cosmos", que vem do grago antigo, está ligado a essa noção de coerência, de uma coerência que se capta no  mundo, e que ajuda a organizar os nossos raciocínios a respeito do mundo.

Seja como for, é bastante evidente que o modo de raciocinar dos filósofos costuma ser diferente daquele que organiza uma cosmovisão. O filósofo não deixa de buscar a coerência entre suas ideias, e isso muitas vezes o leva a criar um sistema todo estrururado de pensamentos, ou até uma cosmovisão. Mas ao contrário do que costuma acontecer com as cosmovisões orientais, o principal uso do raciocínio pelos filósofos não está aí. Está, isso sim, no fato de que a filosofia é uma atividade necessariamente crítica, autocrítica e conflituosa, sempre em processo de autocorreção e sempre em expansão rumo à formulação e à solução de novos problemas.

Além disso, embora haja debates específicos entre uma filosofia e outra sobre um assunto determinado, todas as teorias filosóficas participam de um mesmo grande campo de debates que vem sendo mantido aberto desde o nascimento dessa atividade, sete séculos antes de Cristo. E cada uma das teorias filosóficas que existem está potencialmente aberta ao desafio de entrar em debate com qualquer uma das outras sobre qualquer ponto. Mais do que isso, cada uma é construída desde saída já visando esse desafio — e simplesmente não existiria sem ele.

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Não há diálogo nem interferências mútuas
entre a filosofia e o pensamento oriental?

Claro que há!

A filosofia não está fechada em algum tipo de assunto específico, como ocorre com cada uma das ciências (sejam as humanas, sejam as exatas ou naturais). Ela se define mais pelo seu modo de estudar as coisas do que pelas coisas que estuda. Isto quer dizer que é possível filosofar sobre tudo, desde que se faça isso realmente de modo filosófico. É possível filosofar por exemplo sobre o pensamento oriental.

Também é possível sim filosofar usando algo aprendido com o pensamento oriental, assimilar na própria filosofia muitas ideias e conceitos de outras áreas. Por exemplo de alguma cosmovisão oriental. Assim, pensamentos e teorias que nasceram em outras áreas — não só de cosmovisões orientais, mas de alguma ciência, religião, atividade artística ou outra formação cultural qualquer — podem aos poucos, com o passar das gerações, ir sendo incorporados na filosofia, até passarem a ser considerados de fato como teorias ou conceitos de filosofia. Mas isto implica uma drástica alteração no modo de lidar com esse conceito ou teoria.

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Conceitos e teorias de outras áreas (não-filosóficas) podem ser incorporados
na filosofia com o tempo e acabar se tornando filosóficos?

Sim.

Não apenas muitos conceitos vindos de cosmovisões orientais mas também, por exemplo, muitos conceitos das ciências humanas, como os da psicanálise freudiana, já estão incorporados a certas teorias filosóficas. O mesmo vale para a economia marxista, ou (daindo da área de humanas) para certos conceitos da matemática. A própria teoria da psicanálise como um todo chaga a aparecer, algumas vezes, em capítulos inteiros de história da filosofia. Mas esses conceitos e teorias, quando são incorporados dentro dos debates que compõem a filosofia, assumem uma forma bastante diferente daquela que eles têm quando são tratados nas áreas originais das quais vieram.

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Não seria mais fácil trabalhar sem todas essas categorias,
e simplesmente unir todos os campos de conhecimento num só?

Como se vê, fazer esse tipo de classificação de maneira cuidadosa e refletida realmente não é fácil. Mas nem sempre o mais fácil é o melhor. A própria filosofia, que é o assunto geral deste site, vive mergulhada em debates tentando definir a si mesma, a tal ponto que podemos dizer que há uma sub-área dela dedicada justamente a isto: a metafilosofia.

Este site atua diretamente na área da metafilosofia, isto é, procura defender ele próprio uma definição específica de filosofia. Para perceber isto, basta notar que, apesar das aparências, na verdade é de fato um site especificamente de filosofia, e não dessas outras áreas. Mesmo assim conta com informações e estudos em todas elas, em todas essas outras categorias.

Por quê?

Porque o site trabalha com a ideia de que a filosofia não deixa de ter suas próprias características, mas é também uma área que se espalha interdisciplinarmente na direção de todas as outras, sem deixá-las "de fora".

Em outras palavras, se todas essas outras áreas de atuação aparecem, mas aparece também a própria filosofia como uma área independente delas, é porque, segundo a definição defendida aqui, a filosofia tem o seu próprio modo de ser, que não se confunde com nada disso, mas ao mesmo tempo está aberta a estudar (de maneira filosófica, e não de outra maneira) assuntos de todas essas outras áreas.

Mas retomemos a grande questão: por que tudo isso? Por que definir a filosofia e diferenciá-la dessas outras áreas?

A razão é bem simples: se não fosse assim, a filosofia não teria sua própria contribuição a oferecer, e seria melhor esquecê-la de uma vez e colocar no lugar dela a pura e simples mistura interdisciplinar de todo o resto. Ou então esquecer todo o resto e transformar tudo em filosofia — o que acabaria tendo o mesmo efeito.

Qualquer dessas opções seria, evidentemente, a morte da filosofia e o fim dos filósofos. Tudo seria filosofia, e nada seria filosofia. Todos seriam filósofos, e ninguém seria filósofo. Nessas condições, evidentemente, todo o modo de estudar as coisas que se chama "filosofia" iria se fundindo e se dissolvendo em outros modos de se estudar as coisa.

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Acontece que nunca uma dissolução como essa seria equilibrada. Ela aconteceria sempre necessariamente dentro de um contexto real. E nos contextos reais, não encontramos muito facilmente condições de perfeito equilíbrio. Aliás, quase nunca as cencontramos. Cada contexto histórico se apresenta de um modo tal que algumas formações culturais são mais fortes do que outras, mais populares e influentes. Na maior parte da Europa durante a Idade Média, por exemplo, a mais forte era a religião — e não qualquer religião, mas algumas variações da religião cristã.

Façamos então um esforço de previsão, nem que seja para nos divertirmos um pouco com a ideia.

Se imaginarmos uma mistura de todas essas atividades numa só, podemos com clareza perceber que, no mundo atual, algumas formações culturais acabariam predominando sobre as outras. As mais conhecidas e populares, por exemplo as ciências exatas e naturais, acabariam tendo uma influência muito maior na mistura final do que a filosofia, as cosmovisões orientais, as artes ou as ciências humanas. Inclusive porque as ciências exatas e naturais têm um aliado muito poderoso em tempos de capitalismo e tecnocracia como os atuais: seus resultados tecnológicos.

Aparentadas às artes, talvez as formas de entretenimentos e diversão tivessem também alguma vantagem — mas não realmente as artes.

O mais provável é que as religiões — em especial aquelas com maior participação de fanáticos — tenderiam a ter uma influência nessa mistura final ainda maior que a das ciências exatas e naturais.

A previsão que podemos derivar disto — pelo menos segundo o ponto de vista deste site — é a de algo similar a uma catástrofe capaz de nos arrastar de volta para uma condição como a da pré-história, ou no melhor dos casos, de volta aos tempos medievais. Não é uma perspectiva das mais atraentes...

A simples dissolução da filosofia, mesmo que todas as outras áreas mantivessem algo de seu, seria o fim da razão de existência deste site — e de certo modo, da razão de continuar respirando e existindo para autor destas linhas, evidentemente um apaixonado pela filosofia — de modo que a ideia não pode deixar de ser apontada, neste site, como algo de proporções catastróficas.

Curiosamente, a filosofia não deixa de estar aberta inclusive aos sedutores argumentos em favor dessa ideia de sua autoeliminação pela dissolução em alguma outra área de atividade. Há filósofos que defendem o fim da filosofia, desta ou de outras maneiras.

Não são do time do que escreve estas linhas.

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