1. O que são "formas institucionais" de poder
Uma forma institucionalizada de poder em uma sociedade é uma forma de organização do poder estabelecida com características bem definidas, acompanhada de um conjunto de atividades que têm funções ou objetivos claros, e também símbolos e padrões de ação (rituais, protocolos etc.) - e que a população considera como algo natural e "fixo", ou que deve durar por algum tempo, seguindo uma espécie de padrão; e não como uma coisa incomum e passageira que ocorre em algum momento. Por exemplo: a presidência da república no Brasil de hoje (o cargo, e não a pessoa do presidente) é uma instituição política que faz parte de outra maior, que costuma ser chamada de "democracia".
A democracia é uma instituição política que, como qualquer outra, tem um certo modo padronizado de funcionar e certos objetivos a cumprir. Mas além disso, como todas as instituições, também é cheia de simbologias que nos fazem construir na nossa imaginação um certo modo de entendermos vida política no país, e também imaginarmos uma porção de coisas a respeito de quem tem a função de agir mais diretamente nessa instituição (basicamente membros dos diferentes partidos e funcionários do governo democrático, de todos os escalões, até o presidente da república). Por exemplo: quando um presidente novo é eleito, por padrão (firmado numa regra de protocolo) o presidente anterior passa pessoalmente, e diante do público, faixa para o outro, a "faixa presidencial", que é vestida pelo novo presidente.
Esse ritual protocolado de um presidente passar a "faixa presidencial" tem toda uma força simbólica na imaginação das pessoas, que está ligada à ideia de que o poder está sendo passado para o novo presidente, e está sendo passado para ele pelo antigo presidente, o que deve servir para passar uma ideia muito importante nas democracias de hoje: a de alternâncias no poder, com um líder passando pacificamente o poder para o outro, porque isso deve ser considerado um gesto normal da democracia, a ser repetido em todo fim de mandato (se não houver reeleição do mesmo presidente, é claro).
Do mesmo modo, nessas instituições políticas diferentes da democracia que são as monarquias, o monarca ou rei (o cargo, e não a pessoa) é uma sub instituição dentro dessa instituição maior que é a monarquia como um todo, e que tem todo um sistema de funcionamento próprio. Assim como um presidente de uma democracia, o rei de uma monarquia precisa seguir uma grande quantidade de rituais e protocolos padronizados, e precisa muitas vezes fazer gestos e usar objetos que são simbólicos, como a coroa, por exemplo, ou o trono, e o gesto de sentar-se no trono e acenar para que todos possam se levantar ou se sentar - porque quando o rei entra no aposento, as pessoas devem fazer o ritual de se ajoelharem e abaixarem as cabeças, simbolizando submissão, obediência e respeito à sua autoridade suprema.
As instituições políticas são imaginadas e criadas por uma sociedade para ajudá-la a se organizar e atingir certos objetivos (por exemplo, no caso das democracias, liberdade, igualdade de direitos, justiça social, equilíbrio econômico etc.), mas também exprimem certos costumes, valores e sentimentos da sociedade, e provocam nela outros sentimentos, porque estimulam a sua imaginação com todos esses símbolos e rituais de funcionamento - que não são sempre tão racionais, não visam sempre e somente um objetivo racional a ser realizado. A imaginação de uma sociedade a ajuda a moldar suas instituições, e depois essas instituições continuam mexendo com a imaginação da sociedade, de maneiras que não são sempre previsíveis e muitas vezes fogem ao ao controle das pessoas.
As roupas luxuosas do rei que na França, o trono imponente, a coroa de ouro etc., depois da Idade Média, simbolizavam para o povo francês a grandeza e o poder da autoridade, gerando sentimentos de admiração e respeito. Mas tempos depois, um pouco antes da Revolução Francesa, com o povo daquele país na miséria e revoltado, os mesmos objetos luxuosos passaram a simbolizar a desigualdade e a exploração do povo pelos ricos e poderosos, e a gerar sentimentos de ódio (o os nobres da França demoraram muito a perceberem essa mudança, aliás podemos dizer que perceberam tarde demais, e muitos acabaram mortos em público na Revolução Francesa, com a população festejando essas morte entusiasticamente).
O modo de funcionamento das instituições parece lhes dar um funcionamento e uma realidade próprias, como se uma instituição pudesse se preservar e continuar existindo independentemente do que as pessoas pensam dela ou do modo como reagem a ela. Mas sabemos - porque a história de todos os povos nos mostra com clareza - que isso não é verdade. Se a população não aceita uma instituição ou passa a imaginá-la como algo ruim, dificilmente essa instituição sobrevive sem passar por mudanças radicais, por mais que as autoridades insistam em mantê-las, e frequentemente nem mesmo existe qualquer mudança que possa salvá-la, de modo que a instituição vai morrendo, e outras diferentes começam a brotar na imaginação da sociedade para a substituírem.
As autoridades, se forem suficientemente competentes para isso, tentam captar o que está no sentimento e na imaginação da população para elas próprias tentarem criar novas instituições. Mas mais uma vez, essas novas instituições só vão se firmar se acabarem sendo aceitas e bem recebidas pela população - e a história nos mostra que isso vale mesmo para as mais autoritárias formas de organização política, porque para conseguirem se manter elas sempre precisam firmar suas instituições nos sentimentos do povo, nem que sejam sentimentos de medo.