As democracias — assim como na verdade qualquer outra forma de organização social — podem ser examinadas e compreendidas em dois níveis relativamente (mas não totalmente) intependentes.
Um é nível orgânico, que é o da vida social, com os costumes e valores da sociedade, os sentimentos, comportamentos etc. — e que pode revelar um "espirito" mais democrático ou menos no modo de vida e de convivência dos cidadãos.
O outro é o nível institucional e o oficial, o nível das leis e instituições públicas, privadas etc., que organizam ou procuram organizar a sociedade. Dentro deste sengundo nível, importa focalizar especialmente as insituições públicas e oficiais, as instituições do Estado (inclusive seus poderes e limites) para definirmos se temos um regime político oficial e institucionalmente "democrático".
Mas o modo como agem e funcionam outras instituições (ONGs, associações ou instituições privadas por exemplo) também exerce o seu papel na definição de um regime político como "democrático".
Se no caso do nível orgânico de uma sociedade podemos avaliar o quanto há ou o quanto falta de espírito democrático nos modos de vida e de convivência dos cidadãos, no caso do nível institucional podemos avaliar se as instituições são democráticas pelo próprio modo oficial de funcionamento delas, e pelo modo como estão definidos oficialmente os seus poderes e os limites desses poderes.
Mas além disso podemos também examinar se existe mesmo espírito democrático em tais instituições, inclusive nos aspectos informais e extraoficiais do seu funcionamento, naquelas coisas que a instituição faz na prática independente do que está determinado oficialmente.
Para podermos avaliar bem, então, o quanto há de "democrático" ou de "não-democrático" na situação de uma sociedade, não basta examinar se ela está oficialmente em um regime político declarado como "democrático". É preciso examinar se, e emque medida, os modos de estruturação e de funcionamento das instituições públicas oficiais do Estado são de fato democráticos. Também é preciso examinar se, e em que medida, os modos de estruturação e funcionamento de outras instituições (por exemplo as privadas) é também democrático. E finalmente é preciso examinar se, e em que medida, o espírito de todas essas instituições (públicas, privadas etc.) é também democrático no nível extraoficial de seus comportamentos e ações.
Mas também é preciso — e isto é extremamente importante — examinar se o espírito da própria sociedade, dos próprios cidadãos em seus modos de vida e de convivência, no nível orgânico, é democrático.
O espírito democrático extraoficial pode ocorrer, nos comportamentos das pessoas, até mesmo em condições institucionais que não sejam estruturadas de modo oficialmente democrático, e ele pressiona ou impulsiona as coisas no sentido de se se estruturarem "oficialmente" de modo mais democrático. Um espírito mais fortemente democrático no nível orgânico da sociedade, por exemplo, pressiona suas instituições a se estruturarem oficialmente de modo também mais democrático.
Em sentido inverso, também, estruturas institucionais oficialmente preparadas para um funcionamento mais firmemente democrático tendem a influenciar a sociedade, em seu nível orgânico, no sentido de fazê-la avançar para modos de vida e de convivência mais democráticos.
Por outro lado, um nível institucional estruturado de modo não-democrático ou pior, de modo autocrático (antidemocrático) pressiona a sociedade influenciando-a no sentido de adotar modos de vida e de convivência menos democráticos. E se o nível orgânico da sociedade está mergulhado em modos de vida e de convivência não-democráticos ou pior, modos de vida e de convivência autocráticos (antidemocráticos), isto também pressiona as insituições no sentido de se estruturarem menos democraticamente em seu nível.
Neste sentido, podemos dizer que democracia atrái democracia e repele autocracia. Autocracia atrái autocracia e repele democracia.
Para entrarmos numa compreensão de sintonia mais fina em relação a tudo isso, é importante fazermos um esforço no sentido de tentarmos definir como é esse "espírito democrático", quais as suas caracterísiticas; e também como é um regime político oficial e institucionalmente democrático, quais as suas características. Existe um evidente paralelo entre esses dois jogos de características, visto que em ambos os casos estamos falando do que é democrático, afinal. Mas não significa que as características de um lado e do outro sejam exata e rigorosamente iguais. Instituições têm suas características próprias, são diferentes daquilo que estamos chamando de "nível orgânico" da sociedade. Por isso as características democráticas se manifestam de modos diferentes de um lado e de outro, apesar de não perderem um certo paralelismo.
