Trotskismo e Stalinismo são duas grandes correntes opostas de interpretação do marxismo que surgiram na mesma época do leninismo. O trotskismo foi surgindo junto com o leninismo mas tomou sua melhor forma depois dele, já o stalinismo foi mesmo posterior ao leninismo. O trotskismo pode ser considerado uma linha de interpretação bem mais aprofundada do pensamento marxista do que o stalinismo, e teve influência sobre muitas produções filosóficas posteriores, enquanto o stalinismo se manteve ligado acima de tudo ao campo bem mais limitado das meras estratégias de tomada e manutenção do poder político.
Depois de Lênin, o poder na direção do partido bolchevique no POSDR - Partido Operário Social Democrata Russo (o partido que iniciou a Revolução Russa) foi disputado por Stalin (1878-1953) e Trotsky (1879-1940), com a vitória do primeiro dos dois (apesar de Lênin pessoalmente preferir o segundo). Stalin e Trotsky representavam também duas versões diferentes do marxismo. Duas versões apoiadas em duas faces do pensamento original de Marx que permitiam dupla interpretação.
Stalin tinha vindo de baixo, de camadas mais pobres da população, filho de um sapateiro falido que se tornou alcoólatra e espancava a esposa. Mais tarde passou por uma formação religiosa (apesar de declarar-se ateu desde cedo, para irritação de seus mestres) e depois militar, sempre se destacando ao mesmo tempo pela inteligência, pela agressividade e por uma moral talvez questionável, combinada a uma afeição pelas artes e a uma visão poética e romântica do banditismo — seus heróis de juventude eram bandidos rebeldes da literatura. A formação de Stalin, em suma, foi fortemente autoritária e agressiva, com o autoritarismo e a violência enfeitados pela poesia e pelo idealismo romântico.
Mais tarde o governo de Stalin foi também autoritário e violento, estimulando o nacionalismo fanático da população contra qualquer pensamento divergente, perseguindo com acusasões falsas seus adversários, prendendo-os, torturando-os, deportando-os e/ou (na maioria dos casos) mandando matá-los — e se utilizou fartamente das artes como meros instrumentos ideológicos para justificação desse autoritarismo e dessa violência, deixando a qualidade estética de lado, assim como deixava de lado quaisquer princípios éticos em suas decisões, utilizando sua inteligência de modo estratégico e pragmático, sempre no intuito de manter e aumentar o seu poder pessoal.
O caso de Trotsky é diferente.
O pai de Trotsky era um humilde camponês judeu que se tornou um grande fazendeiro. Apesar da origem judia, a família de Trotsky não era tão apegada ao judaísmo nem era muito religiosa. Assim como Stalin, foi um aluno estudioso e de boas notas, mas não teve a mesma história de violência e autoritarismo em sua formação e em sua vida.
Demorou um pouco mais que Stalin para se interessar por política, começando com a mera distribuição de panfletos de protesto aos 16 anos, contra o autoritarismo do governo czarista (que era absolutista). Mas a partir dos 18 anos passou 2 anos em prisões por atividades políticas mais sérias (tinha participado da fundação da União dos Trabalhadores do Sul da Rússia), tendo abandonado um curso universitário de matemática depois de um breve período para se meter nessas atividades. E mais tarde, já casado, foi deportado para a Sibéria, de onde fugiu para acabar exilado como muitos outros ativistas políticos russos. Foi no exílio (na Inglaterra) que conheceu Lenin.
Trotsky era um intelectual carismático, lutava contra os excessos autoritários dos bolcheviques quando estava entre os mencheviques, e depois, quando passou para o lado dos bolcheviques, continuou criticando esses excessos. Embora fosse herdeiro das terras de um próspero fazendeiro (seu pai), quando explodiu a Revolução Russa Trotsky doou suas terras para serem distribuídas entre os camponeses. Por outro lado, mesmo criticando o autoritarismo dos seus colegas bolcheviques, obedientemente dirigiu, pessoalmente, o exército vermelho contra os camponeses anarquistas rebeldes do movimento makhnovista (instigados por Nestor Makhno), quando estes tentaram tomar por conta própria as terras dos grandes fazendeiros, sem esperar a distribuição prometida pelo governo comunista. Esses camponeses rebeldes foram massacrados pelo exército vermelho sob comando do mesmo Trotsky que havia cedido suas terras para serem distribuídas pelo governo comunista.
No final da vida, Trotsky, considerado um adversário político muito popular e perigoso, foi deportado por Stalin, e veio viver no México, hospedado na casa do grande artista Diego Rivera e mais tarde na da esposa dele, a ainda mais famosa artista Frida Kahlo. Nesse período, o pensamento de Trotsky se tornou mais crítico em relação à Revolução Russa e mais antiautoritário. Não chegou a considerar o regime stalinista como um “capitalismo de Estado”, como fizeram os membros de um grupo marxista conhecido como grupo do “Centralismo Democrático”, mas avaliou que Stalin tinha parado no meio do caminho, na transição entre o capitalismo e o socialismo. Avaliou que a revolução tinha estagnado no regime stalinista porque Stalin havia recusado o internacionalismo — isto é, a ideia de que se deveria lutar pelo socialismo internacionalmente, numa organização internacional, e não a partir de um regime nacionalista dentro de um país.
Houve também nessa fase final uma obra inacabada de Trotsky que foi lida e comentada mais tarde por um dos principais líderes do Movimento Surrealista, André Breton, estabelecendo uma forte aproximação do movimento com o pensamento político dessa fase de Trotsky.
Mas tentemos endender o stalinismo e o trotskismo como duas linhas de interpretação diferentes do pensamento original de Marx. De que maneira cada uma dessas linhas interpreta Marx?
Marx julgava ter feito a descoberta científica dos mecanismos econômicos de funcionamento do capitalismo. Mas ao mesmo tempo, declarava que toda descoberta científica está ligada a um contexto histórico específico, e que tudo se transforma de um contexto histórico para outro.
Stalin considerou que a teoria econômica de Marx era uma verdade científica definitiva. Trotsky deu mais valor e atenção à questão das transformações históricas, considerando que as próprias “verdades” econômicas descobertas por Marx eram as verdades de um contexto histórico específico, e de situações específicas que Marx tinha tido a oportunidade de examinar. Para Trotsky, era preciso partir de Marx para considerar mais coisas que ele não tinha tido a oportunidade de considerar.
Como resultado, no final das contas Stalin acabou concluindo que era possível aplicar a teoria econômica de Marx a um país isoladamente, e construir uma revolução comunista em um só país. Trotsky pelo contrário considerou que o era importante considerar o contexto histórico de desenvolvimento de todos os países do mundo, porque nenhum país está realmente isolado, e as relações internacionais poderiam derrubar o comunismo se ele estivesse em um país só.
Ao contrário de Marx, Trotsky achava possível pular certas etapas de desenvolvimento para se chegar ao comunismo, falava sobre um desenvolvimento “desigual e combinado” em que as coisas mais evoluídas podiam ocorrer num país em conjunto com as mais atrasadas. Assim, defendendo o internacionalismo, achava que o operariado deveria se unir em todo o mundo para encabeçar um movimento de “revolução permanente”, se aliando com camponeses e se aproveitando de momentos de crise do capitalismo em diversos países para fortalecer neles o movimento comunista.
(Trotsky, assim como Marx, achava que a liderança deveria ser do operariado, porque os camponeses tendiam a ser menos politizados ou a ter valores mais próximos daqueles da pequena burguesia. Stalin, pelo contrário, defendia uma aliança equilibrada entre operariado e camponeses, mas ambos sob forte controle da burocracia estatal.)
Para Trotsky, a ideia de Stalin de uma revolução num país só era perigosa, porque poderia acabar formando uma burocracia estatal que se afastaria dos trabalhadores e começaria a explorá-los. Ao invés disso, era preciso voltar a atenção para esse processo revolucionário permanente de expansão internacional do comunismo.
Segundo Trotsky seria preciso lutar em todo o mundo para obter o controle do poder do estado por representantes dos trabalhadores para estatizar os meios de produção, mas uma vez conseguido isso, não haveria necessidade de censura, repressão ou controle no campo cultural ou no campo das ideias. Ideias e comportamentos burgueses antiquados conviveriam com ideias e comportamentos comunistas avançados, num processo constante de tensões naturais, para que o comunismo fosse se sobressaindo naturalmente, sem imposição estatal. O próprio controle estatal das condições econômicas se encarregaria por si mesmo de promover as transformações necessárias nas outras áreas.
Stalin não apenas defendia o comunismo em um só país a partir do poder centralizado em uma burocracia forte, como acreditava que para manter o comunismo seria necessário todo um aparato de repressão, censura e controle das comunicações, das ideias e de todo o campo cultural em geral.
Os fatos históricos acabaram dando razão a Trotsky em sua crítica da burocracia stalinista, que se revelou extremamente opressiva e exploradora para as classes trabalhadoras, e ainda mais opressiva para intelectuais e artistas em geral. Trotsky foi expulso da União Soviética por Stálin, que mais tarde, mandou assassiná-lo.
Temos então, além dos mencheviques, que são bem menos estudados, essas três primeiras grandes e influentes linhagens do marxismo esboçadas aqui: o leninismo, o stalinismo e o trotskismo.