Temas e Posições

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A tendência anarquista atua em que áreas? 

A tendência anarquista é atuante principalmente em Filosofia, Arte & Artesanatos, e Ciências Humanas.

Dentro de cada uma dessas três grandes áreas gerais, como o anarquismo costuma distribuir sua atuação?

Nas Ciências Humanas, encontramos o anarquismo atuando principalmente nas áreas de:

  • Política (como prática militante)
  • Psicologia (principalmente Psicologia Social)
  • Sociologia
  • Ciência Política
  • Administração (em geral segundo propostas alinhadas com versões politizadas e radicais ou de autogestão ou de cooperativismo)
  • Economia
  • Educação
  • Geografia política
  • Serviço social
  • Antropologia
  • Comunicação (principalmente na prática jornalística investigativa e crítica)
  • Linguística

Existem também propostas do anarquismo no campo da historiografia, em geral tendendo às difíceis e interessantes pesquisas em história oral, à investigação e expressão da memória coletiva de comunidades e grupos sociais — em geral grupos marginalizados ou economicamente explorados.

Em Arte & artesanatos o anarquismo costuma abordar temas como a possibilidade de (re)aproximação entre essas duas atividades (a artística e a artesanal) historicamente diferenciadas, e a popularização das práticas artísticas reintegrando-as à vida diária das pessoas, em geral tendendo às formas e temas mais críticos, polêmicos e provocadores na arte. Dentro do campo das Artes & Artesanatos, a tendência anarquista costuma atuar principalmente em:

  • Arquitetura e Urbanismo (associando-se em geral a grupos da tendência situacionista)
  • Happenings e performances
  • Teatro
  • Música (principalmente o rock em suas diversas subdivisões, o punk e a música erudita)
  • Literatura em prosa (tendendo em muitos casos para uma literatura alegórica e carregada de simbologias socio-políticas)
  • Grafite, Fanzines, Bandas desenhadas e Histórias em quadrinhos (arte sequencial)

Na área geral de Filosofia, o anarquismo costuma ter suas atuações mais fortes em:

  • Filosofia da Ciência e Epistemologia (Teoria do Conhecimento)
  • Filosofia da Educação
  • Ética ou Filosofia Moral
  • Filosofia Política
  • Estética ou Filosofia da arte

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A tendência anarquista não deixa também de ter atuação nas Ciências Exatas e Naturais, mostrando-se bastante ativo em:

  • Informática — área em que atuam como hackers (em geral de linha ética) ou criadores de softwares, envolvidos com os movimentos mundiais do software livre e da liberdade de informação
  • Ecologia — às vezes se associando a grupos como o Green Peace

É um traço característico historicamente constatável da tendência anarquista que sua atuação nessas diversas áreas apareça sempre de forma transversal, interligando-as umas às outras, e dificilmente limitada (ou delimitável) a uma área específica. Por isso o viés filosófico tende muitas vezes a direta ou indiretamente prevalecer, visto que a própria filosofia costuma apresentar um perfil transversal, atravessando as mais variadas disciplinas.

Entretanto a tendência anarquista, na imensa maioria de seus militantes e ativistas, demonstra sempre uma vocação muito mais prática do que conceitual ou teórica, de modo que a tendência para a filosofia, entre ativistas anarquistas (em geral jovens), tende a figurar quase sempre como um esboço de elaboração teórica e debate conceitual que termina perdido em uma arraste para questões estratégicas ligadas a atuações práticas emergenciais. É claro que não é o caso dos grandes filósofos e teóricos mencionados, e sim o dos ativistas mais comprometidos com a prática imediata. Mas mesmo entre os teóricos encontramos, justamente no mais famoso e influente deles, Bakunin, uma construção teórica marcada por um estilo desordenado se sempre rascunhado, precisamente como este da militância em geral, que dificulta o seu estudo mais aprofundado.

Além deste traço filosófico sempre esboçado (e quase sempre apenas esboçado) nas ações anarquistas, há outros traços muito característicos da atuação dessa tendência, que é interessante também observar.

Primeiro: a tendência anarquista dificilmente se manifesta isolada ou mesmo com sua posição e seus defensores muito claramente agrupados e demarcados como um grupo específico e distinto em meio a outros envolvidos — pelo contrário, em uma atividade qualquer, os anarquistas tendem a se misturar a pessoas com os mais variados posicionamentos, atuando sempre em conjunto com diversas outras tendências, de modo que suas propostas nunca se manifestam em estado "puro", mas sempre entrelaçadas, com maior ou menor presença, no resultado de um constante diálogo e interação com as demais tendências envolvidas.

Segundo: existe frequentemente na ação anarquista uma propensão para a estética, com apresença de diversos gêneros de atuação artística misturados às suas ações, que então costumam convergir para as atitudes simbólicas, originais, diferentes do habitual e que provocam estranhamento, questionamento e polêmica — esse tipo de atuação aproxima bastante os anarquistas do tipo de atuação característico da tendência situacionista.

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Quais os principais pensadores que fundamentam o anarquismo?

 

Os principais teóricos do anarquismo são o autogestionário, mutualista e federalista Pierre-Joseph Proudhon, o ultra-individualista Max Stirner, o negativista, espontaneísta e também federalista Mikhail Bakunin, e o anarco-comunista, cooperativista e naturalista Pietr Kropotkin.

Logo abaixo destes em termos de influência no movimento constam também: o naturalista Henry David Thoureau; o anarco-sindicalista Errico Malatesta; o lógico e matemático Bertrand Russel (em seus textos menos potentes, sobre política, porque suas teorias lógicas e matemáticas não podem ser consideradas em si mesmas anarquistas); o linguista Noam Chomsky (que alega, com firmeza, uma a meu ver discutível filiação de sua teoria da linguagem com o anarquismo); e o antropólogo Pierre Clastres (que assume uma espécie de anarco-comunismo).  

Temos também, ainda neste mesmo segundo nível de influência sobre a tendência anarquista: o psicólogo social Jacob-Levy Moreno (que não assume própria e claramente uma posição anarquista declarada, mas se aproxima muito dos princípios defendidos pelos anarquistas); o filósofo Michel Foucault (caso similar ao de Moreno); e a poderosíssima filosofia da ciência relativista de Paul K. Feyerabend, à qual ele chamou de "anarquismo epistemológico", e cuja boa sintonia com os princípios anarquistas é bem maior do que ele próprio modestamente admitia.

Além destes e de uma miríade de outros autores anarquistas de impacto menor sobre essa tendência como um todo, há pensadores que assumem outras tendências que não o anarquismo, mas que acabam por ter um forte (às vezes fortíssimo) impacto e influência sobre os anarquistas. Entre eles, os principais são: o filósofo Friederich Nietzsche (similar a Stirner e que alguns comentadores, talvez com razão, consideram efetivamente anarquista, mas é um ponto bastante controverso a ser debatido); e o teórico e terapeuta freudo-marxista Wilhelm Reich.

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O anarquismo em face do comunismo,
da democracia, do republicanismo e do utopismo

 

Quais as principais diferenças entre o anarquismo e o comunismo?

O anarquismo, ao contrário do comunismo, costuma defender muito a liberdade individual, ao lado da liberdade coletiva (no caso de Stirner, quase que só a liberdade individual), e desconfia das grandes massas e dos movimentos coletivos onde há muita gente e poucas condições de debater os assuntos a fundo e cuidadosamente. Embora defenda as lutas populares visando liberdade e igualdade de direitos, e inclusive adotando posturas que costumam ser considerada as mais radicais já defendidas por quaisquer grupos políticos nesse sentido na história da humanidade, o anarquismo não confia em movimentos de massa, porque ao mesmo tempo que reconhece a força das massas na luta por mudanças, percebe que a massificação torna as pessoas irracionais e manipuláveis, o que abre espaço para o autoritarismo de lideranças inescrupulosas.

Não confia de modo algum em governos e representantes políticos, e acha que se o Estado fosse colocado nas mãos de trabalhadores proletários, eles logo deixariam de ser trabalhadores e formariam uma nova classe de exploradores do povo e do resto dos trabalhadores. E em geral, assim como Marx, também não aceitam a propriedade privada. Mas o caso específico de Stirner, neste sentido, é mais complicado.

Seguindo uma linha de pensamento que mais tarde encontrou uma variação aproximada nas "vontades de poder" de Nietzsche, Stirner fala em uma multiplicidade de incessantes impulsos de apropriação que acabam caracterizando tudo o que existe (numa espécie de guerra constante de tudo contra tudo), incluindo o modo de ser e se comportar das pessoas, também gerado por esses impulsos. Toda coletividade madura seria uma mera negociação entre esses aglomerados de impulsos apropriantes que são as pessoas, cada qual procurando construir a si mesma, procurando construir o seu próprio Eu, o se próprio "ego".

Uma coletividade de pessoas maduras seria nada mais que uma comunidade dos egoístas, que perdura apenas enquanto for julgada vantajosa pelas pessoas em seus caminhos personalizados de autoconstrução. Stirner procura, deste modo, usar a própria noção de "propriedade", distorcendo-a para direcioná-la contra a exploração que os grande proprietários e as instituições exercem sobre os trabalhadores... o resultado acaba sendo bem próximo ao de Proudhon, Bakunin e Kropotkin — e não é à toa que Nietzsche, tão aproximado disto, costuma atrair a simpatia de muitos anarquistas.

Resumindo a posição anarquista em comparação com a marxista, podemos dizer o seguinte.

Os marxistas não aceitam a propriedade privada dos meios de produção, e contra ela propõem a estatização desses meios, com o poder Estatal por sua vez colocado nas mãos de representantes dos trabalhadores.

Os anarquistas (desde que tenhamos o cuidado de considerar Stirner um caso sui gêneris à parte), com pequenas variações no modo de propor isso entre os seguidores de Proudhon, Bakunin, Kropotkin e do anarcossindicalismo, recusam igualmente a propriedade privada dos meios de produção, mas além disso recusam também o mecanismo de representação política bem como qualquer concentração do poder nas mãos do Estado, não importa quem o esteja ocupando. Em oposição a isso tendem a propostas de coletivização com o poder distribuído diretamente (e completamente) para conselhos de trabalhadores ou organizações populares às quais a população (não necessariamente restrita a classes "trabalhadoras") tenha acesso direto, e não através de representantes. A posição anarquista, portanto, é bastante mais radical (e não deixa de sê-lo no caso diferenciado de Stirner, cuja posição tem implicações similares, mas bem mais complicadas de se acompanhar a partir da teoria, e de se esclarecer, porque as implicações não são diretamente evidentes no que ele diz).

No entanto o anarquismo não se define por nenhuma propoosta nesse sentido. As propostas podem variar. O que realmente define o anarquismo é a luta incessante contra as diferenças de poder entre as pessoas, contra a existência de qualquer forma institucionalizada de concentração de poder na sociedade. Trata-se de uma postura que na maior parte dos casos pode ser descrita como sendo de tipo negativista, que se define por aquilo que combate mais do que por aquilo que propõe (há várias grandes filosofias que, independentemente de suas posições políticas, às vezes à direita, às vezes à esquerda, atuam também dessa maneira negativista, como por exemplo em certa medida a filosofia de Sócrates e a de Montaigne, o falseabilismo na filosofia da ciência de Popper, o "academicismo" de Carnéades, o nietzscheanismo ninhilista de Cioran... e ainda diversas outras.)

Contudo não deixa de haver críticas ao puro negativismo no próprio anarquismo (por exemplo em Stirner certas fases de Proudhon. Neste sentido, apesar de quese semtre o negativismo se encaixar como uma boa descrição, o melhor seria considerar que o anarquismo se define simplesmenete como uma prática para o presente sob toda e qualquer cisrcunstância — uma prática antiautoritária radical em certos casos, em outros uma prática de organização antiautoritária radical —, e não como uma proposta de futuro específica. Guardada essa ressalva, podemos falar em "negativismo" em um sentido geral e aproximado.

Quanto à religião, os anarquistas costumam também defender o ateísmo, dizendo que as religiões sempre ensinam as pessoas a valorizarem direta ou indiretamente alguma idéia de "autoridade". Os anarquistas recusam toda e qualquer autoridade, neste mundo ou em outro, imaginária ou real. Mas normalmente dão muito mais atenção para as religiões do que os marxistas, porque dão muita importância a tudo o que ajuda (ou empurra) as pessoas a formarem alguma opinião.

Os anarquistas dão muita atenção principalmente para a educação, denunciando os perigos de uma educação autoritária e defendendo uma educação que seja mais "libertária" e dê espaço para as pessoas pensarem com autonomia.

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Eles costumam considerar o comunismo marxista tão "autoritário" que acaba sendo, em muitos casos, tão ruim quanto o capitalismo, ou quase. Os comunistas marxistas, por sua vez, costumam considerar o anarquismo uma idéia muito simpática mas utópica (fantasiosa e infantil), e quando as pessoas insistem muito nessa "fantasia" anti-autoriária, um marxista ortodoxo tende a considerá-la como uma forma perigosa de desorganização do proletariado, a simpatia que sentia desaparece, e ele tende a reagir de maneira agressiva — e de fato, autoritária.

Embora não seja sempre assim, a maioria dos marxistas costuma acreditar que sem alguma autoridade nenhuma organização é possível, e que ficar buscando problemas nisto é perigoso para a organização de um grupo. Os anarquistas, pelo contrário, estão sempre procurando formas criativas de organização em que as pessoas atuem de maneira mais independente e seja preciso menos autoridade. E geralmente trabalham com a ideia de que há em todos os grupos humanos focos e tendências espontâneos de organização e de desorganização, e de que é preciso defender, cultivar e fortalecer esses focos e tendências de organização espontânea (que não precisam da presença de uma autoridade).

Por outro lado, por menor que seja a autoridade, se ela ainda existe em uma organização, dificilmente essa organização satisfaz os anarquistas — de modo que continuam sempre tentando provocar as pessoas a buscarem alguma solução mais radical no sentido da liberdade de cada um e de todos, o que naturalmente tende a ser visto pelos que não são anarquistas nem fortes simpatizantes do anarquismo, como algo "subversivo" ou "desorganizador".

É que, indo contra a corrente dos preconceitos comuns, o anarquismo considera a própria presença de uma autoridade como manifestação direta e clara da ausência de organização, pois quem é organizado não precisa ser organizado por ninguém, e a maior barreira para a auto-organização das pessoas é precisamente a existência de alguém que faz isso por elas.

O raciocínio anarquista quanto a isto é refinado, e se baseia sempre na formulação original por Proudhon. Segundo ele, a organização é intransferível e rigorosamente impossível se praticada a partir de fora do "organizado". Porque aquilo que existe para ser "organizado", segundo o pensamento anarquista, pode sempre, necessariamente, ser organizado de maneiras diferentes (e se não pudesse, ainda assim a organização tem o seu valor para a pessoa no próprio ato de organizar-se em sua relação com os outros, e não no resultado). De modo que uma organização não praticada pelas próprias pessoas envolvidas, mas a partir de um ponto externo qualquer a elas, significa precisamente a sua não organização, visto que o que é organização para um modo de ver e para um praticante dessa atividade de organizar não tem valor de organização para outro — nenhum valor de organização, e inclusive pesa desorganizadoramente — se não decidem e praticam isto juntos e em condição de absouta igualdade de forças.

Essa exigência tão rigorosa de igualdade de forças talvez se mostre impraticável... por isso mesmo o anarquismo se define negativamente, como uma atitude incessante de oposição a essas barreiras desorganizadoras que são as autoridades, onde quer que apareçam e na medida em que se imponham.

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O anarquismo tem algum parentesco com a democracia?

Tanto a democracia quanto o anarquismo são propostas basicamente republicanas.

"República" vem do latim "res" (coisa) e "publicans" (pública).

As propostas democráticas, por exemplo, fazem a crítica de qualquer forma de poder que seja completamente separada do povo. Mais do que isso, defendem o povo como fundamento de todo poder político oficial, e que ele tenha condições de controlar direta ou indiretamente o exercício do poder pelos governantes (por exemplo através do voto). O requisito básico e fundamental para uma democracia é justamente aquilo que define a noção de "república": que no campo das decisões quanto aos rumos da sociedade, a coisa seja pública e aberta, que o povo tenha acesso aos mecanismos de decisão e condições de interferir nessas decisões, por exemplo através da escolha entre candidatos ao governo que oferecem propostas e projetos diferentes.

Podemos dizer que uma democracia é mais radicalmente republicana quanto maior for o acesso aos mecanismos de decisão e maiores as condições de interferência do público, isto é, de todo o povo, sem a exclusão de nenhum cidadão. É exatamente neste sentido que as propostas anarquistas caminham na mesma direção, mas vão ainda mais longe, e muitas vezes acabam sendo ainda mais radicalmente republicanas que as democráticas. Por outro lado, os anarquistas podem chegar por vezes a criticar a própria noção de "público" como uma noção que, hipocritamente, mascara e abriga o oposto do que se pretende de uma "república", o que os faz extrapolarem o rebublicanismo por radicalizarem as próprias propostas essenciais dele.

Isso porque as propostas anarquistas não aceitam rigorosamente nenhuma exclusão ou separação entre as instâncias decisoras e os cidadãos, que devem ter poder completo e inalienável sobre qualquer decisão que diga respeito às suas próprias vidas. Em última instância não aceitam nem mesmo a separação entre uma esfera "pública" e aquela dos interesses pessoais dos envolvidos. Não aceitam de maneira nenhuma as ideias de Rousseau, por exemplo. Rousseau defende um igualitarismo radical com a participação de todos, mas valoriza uma instância pública como algo superior à dos interesses pessoais, defendendo a ideia de que todos devem forçosamente seguir a Vontade Geral. Esse tipo de postura rousseauísta é duramente criticado e firmemente combatido pelos anarquistas (Proudhon por exemplo faz críticas muito agressivas e radicais contra essa valorização rousseauísta de uma Vontade Geral).

Para os anarquistas, a liberdade das pessoas (inclusive para entrarem em desacordo umas com as outras ou com a maioria) é inegociável, e continuaria sendo inegociável mesmo que fosse rigorosamente impossível de se realizar na prática alguma organzação deste modo. O fato de uma organização assim ser realizável ou não é secundário — e isto nada tem a ver com "utopismo", mas com a postura negativista já descrita acima.

Em suma, o anarquista nega sistematicamente e por todos os meios que tiver à sua disposição qualquer imposição ou qualquer autoridade que se imponha às pessoas individual ou coletivamente. É um guardião anônimo dessas liberdades infiltrado na população, incentivando-a a lutar por elas, e se mantém nessa atitude não importa sob quais circunstâncias — é assim que tende a se conduzir e é com base nessa atitude incondicional que tende a formar a imagem que tem de si mesmo, enquanto militante anarquista.

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O anarquismo pode ser considerado uma postura republicana?

A atitude anarquista é firmemente republicana. Porque, assim como para o democrata, para o anarquista é uma exigência básica e fundamental que os processos de decisão sobre os destinos da sociedade sejam coisa pública, aberta ao acesso e controle de cada cidadão, o que é seu direito porque essas decisões afetam diretamente a sua vida.

A maioria dos anarquistas tende naturalmente se considerar da linha republicana em política, ou a se alinhar ao lado dos republicanos mais radicais. Mas não deixa de haver quem questione até que ponto os anarquistas poder realmente ser aceitos como legítimos "republicanos", porque isso depende um pouco da maneira como se define "república".

É que o anarquista, além de assumir uma atitude claramente reublicana em quase tudo, ainda faz a crítica ao perigo de que a liberdade dos indivíduos seja abafada pelos interesses "puramente públicos", da coletividade como um todo. Essa crítica nasce do fato de que, para o anarquismo, não existe nada de "puramente" público. Esse "público" significa um conjunto específico de pessoas reais de carne e osso, que estão vivendo suas vidas e interagindo umas com as outras, e esse conjunto de pessoas irá mudando ao longo do tempo, conforme as gerações forem passando.

Em outras palavras, podemos dizer que, para um anarquista, em uma autêntica república a assim chamada "esfera pública" jamais poderia se reduzir a uma entidade abstrata independente dessas pessoas e com poder sobre elas. A maioria dos próprios republicanos tenderia a concordar com medidas de prevenção contra esse perigo. Mas por estranho que pareça, não deixa de haver republicanos (e muitos) que realmente acreditam que uma "república" possa ou deva existir como uma força independente da vontade individual dos cidadãos que a compõem. Há inclusive filosofias consistentes apontando nessa direção.

Para o anarquismo isso não é admissível. Não há "república" para além e acima dos "republicanos" que vivem e convivem nessa república. Há gente real de carne e osso aí. E é essa gente convivendo em coletividade o que interessa. Não alguma instituição ou entidade abstrata que supostamente "representa" a coletividade viva e real dos cidadãos "republicanos".

Considerar uma "república" como uma situação em que uma "esfera pública" institucional e abstrata comanda as coisas independentemente das pessoas de carne e osso que a formam é, aos olhos do anarquismo, uma deturpação inaceitável (e perigosa) do próprio sentido de "república". Mas se a noção de "república" se agarrar incorrigivelmente a essa valorização de uma "esfera pública" superior às pessoas de carne e osso que estão ali, os nanarquistas serão seguramente os primeiros a dispensarem esse título — "república" — por algum outro qualquer que exprima mais sincera e profundamente o que deveria ter permanecido inscrito na própria essência dessa noção.

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O anarquismo é um posicionamento político utópico?

A radicalidade do anarquismo não significa de maneira nenhuma que seja uma utopia. Que sonhe com alguma sociedade perfeita mas inatingível. Significa, pelo contrário, que é uma proposta fundada em um constante reexame realista (e até pessimista) da realidade, numa atitude eterna e incansavelmente crítica, que assume como tarefa sempre e necessariamente questionar todas as instâncias possíveis e imagináveis de poder de algo ou de alguém sobre uma outra pessoa.

Quando se pergunta a um sonhador utópico o que seria uma sociedade perfeita, ele tende a descrever longamente os seus sonhos nesse sentido. Quando se pergunta a um anarquista o que seria uma sociedade "perfeita", a resposta mais provável é um irônico "perfeita para quem?". Um anarquista não se proíbe de sonhar. Ele pode até responder se lhe pedem que descreva os seus sonhos a respeito de como seria uma sociedade melhor, mas seria provavelmente uma resposta breve, algo como "uma em que ninguém se meta a querer mandar em mim" ou qualquer coisa do gênero.

Mas logo ele perguntaria "e os seus sonhos, quais são?". Entrar em muitos detalhes a respeito de sonhos mirabolantes sobre o futuro costumam aborrecer um anarquista, porque ele tende a cosiderar esse tipo de coisa bem pouco relevante, algo como uma brincadeira sem maiores consequências. O autêntico anarquista acabaria rapidamente deslizando de qualquer sonho de "perfeição" para um exame crítico realista e pessimista, possivelmente feroz, do que há de errado na sociedade atual.

Nessa atitude crítica incansável dos anarquistas, eles consideram inaceitável não importa qual seja o grau de separação de qualquer instância de poder em relação à vida de quem quer que seja. Onde quer que haja o exercício de poder sobre alguém, onde quer que haja alguém submisso em relação a algo ou a alguma outra pessoa, grupo, instituição etc., haverá sempre lugar para a crítica republicana ultra-radical do anarquismo.

Esse tipo de posicionamento parece ter existido desde a antiguidade, mas é só na teoria de Proudhon, depois de Godwin, que essa atitude aparece não apenas com o nome de "anarquismo" justificado e filosoficamente fundamentado, mas também representando uma teoria política e filosófica complexa, refinada e de vastas implicações nas mais variadas áreas.

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