O sentido da vida

Por João R. A. Borba (João Borba)

 

O sentido da vida na filosofia, 

em face da ciência, da tencologia, da arte, da religião e do capitalismo

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O que é o "sentido da vida"? | O "sentido da vida" tem duplo sentido? | A idéia de que a vida tem a ver com movimento é uma ideia nova ou antiga? | De que modo podemos perceber algum sentido nas coisas que vamos vivendo a cada dia? | A ciência e a tecnologia ajudam a pensar no sentido da vida? | A religião ajuda a pensar no sentido da vida? | A filosofia e a arte ajudam a pensar no sentido da vida? | A filosofia e a arte não combinam com o capitalismo? | A filosofia não tem nenhum impacto na vida diária? | Quando a filosofia pensa no sentido da vida ela se torna incômoda?


 

O que é o "sentido da vida"?

No capitalismo, todas essas coisas que vêm da ciência têm um impacto muito grande nas nossas vidas diárias, mas é um impacto de um tipo muito muito menos transformador do que parece: é um impacto que não faz a gente sair do sentido normal da nossa vida. Para entendermos isto, vamos falar um pouco sobre uma coisa que pode parecer meio “aérea”, meio fantasiosa, mas não é. Vamos falar um pouco sobre o sentido da vida.

Na nossa vida, estamos fazendo coisas o tempo todo, estamos sempre agindo, nos movendo em alguma direção. As coisas que fazemos também têm alguma direção, elas têm algum sentido.

Para evitar confusões, é preciso deixar bem claro o que estamos querendo dizer aqui quando dizemos que as nossas ações têm algum “sentido”. Normalmente, quando a gente diz que alguma coisa “faz sentido”, isso não parece ter nada a ver com o que a gente quer dizer quando diz, por exemplo, que uma rua “dá mão em tal sentido”. No primeiro caso, estamos querendo dizer que a coisa não é absurda, que ela tem algum significado ou é coerente de alguma maneira. No segundo caso, estamos falando da direção de uma rua, dizendo que nessa rua é permitido que os carros avancem em uma tal direção.

Mas aqui, quando dizemos que as nossas ações têm algum “sentido”, estamos misturando de propósito as duas coisas, os dois significados da palavra “sentido”. Quando agimos, podemos dizer que havia uma certa situação antes, e a nossa ação nos faz passar para uma outra situação, e esse é o sentido da ação: é uma ação que aponta da primeira situação para a segunda situação.

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O "sentido da vida" tem duplo sentido?

Estamos trabalhando aqui com a ideia de que as coisas passam a "fazer sentido" (ter um significado compreensível para nós) conforme entendemos a maneira como elas se processam, a maneira como elas vão se desenvolvendo em suas relações com tudo o que está em seu contexto... e principalmente conforme entendemos também o "sentido" (o rumo, a direção) em que essas coisas vão avançando — que é uma espécie de resultado de tudo o que está envolvido no seu desenvolvimento, de modo que simboliza todas essas relações e todo esse significado.Estamos unindo esses dois sentidos no segundo deles.

Em suma, injetamos todo "sentido", enquanto algo vagamente envolvido nas brumas mal esclarecidas do "significado" e da "compreensilidade", dentro do "sentido" entendido de maneira bem mais reduzida, prosaica, precisa, fácil de definir e entender: sentido enquanto rumo, direção — como na matemática vetorial.

Podemos até imaginar uma seta apontando da primeira situação para a segunda, representando o sentido da ação.

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A idéia de que a vida tem a ver com movimento é uma ideia nova ou antiga?

É importante saber que quando dizemos que existem coisas “animadas” (vivas) e “inanimadas” (coisas que não são vivas), estamos usando uma palavra que deriva de uma outra muito antiga, do latim, que é a palavra anima. A palavra anima estava ligada à idéia (muito antiga) de um sopro que faz as coisas se mexerem, terem movimento. Essa idéia era usada para se falar em um “sopro vital” ou “fôlego vital”, um sopro que existe em certas coisas — por exemplo os animais — e que dá vida a elas, um ar que corre pelo corpo e faz esse corpo estar vivo, respirando.

De qualquer modo, a palavra anima está ligada à idéia de movimento. Um ar que move um corpo. E o que e animado (vivo), e aquilo que é movido por esse ar, por essa respiração. Daí vem a expressão “desenho animado”, por exemplo, que quer dizer um desenho que se move como se estivesse vivo.

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De que modo podemos perceber algum sentido
nas coisas que vamos vivendo a cada dia?

Vamos imaginar a vida deste modo: feita de muitos movimentos que nós fazemos, com as nossas ações, em uma direção ou em outra. Vamos tentar imaginar assim desde o movimento que nós fazemos quando vamos até uma porta — movimento que vai no sentida da porta (o que quer dizer apenas que caminhamos naquela direção que é a da porta) — até o conjunto de todos os movimentos que fazemos no sentido de dar melhores condições de vida para a nossa família, por exemplo (o que quer dizer que o significado, o que dá coerência para esses movimentos, é que eles servem para isso, para dar essas melhores condições de vida para nossa família).

Vamos pensar esse segundo tipo de “sentido” dos nossos movimentos na vida como se fosse parecido com o primeiro tipo, isto é, como se estivéssemos falando de um movimento que aponta nesse sentida, que é o de dar melhores condições de vida para a família. Pensando desta maneira, podemos representar os dois sentidos com setas que apontam em alguma direção: 

 

diagrama sentido da vida

 

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Na nossa vida, estamos sempre fazendo uma porção de movimentos em vários sentidos ao mesmo tempo. Alguns mais importantes para nós, outros menos. Cada um deles puxa nossa vida em uma direção, alguns com muita força, outros tão pouco que nem fazem diferença. Se vou ou não em direção a uma porta, isso pode não fazer diferença nenhuma no conjunto da minha vida, mas se vou ou não na direção de dar melhores condições de vida para minha família, isso faz uma diferença enorme, minha vida acaba sendo puxada nessa direção com muito mais força, e muitos dos outros pequenos sentidos das minhas ações acabam sendo dirigidos também por esse sentido maior.

O conjunto dos sentidos de todas as nossas ações, importantes ou sem nenhuma importância, acaba formando o sentido geral que a nossa vida segue, e que é resultante de todos eles, uma espécie de média. Se a nossa vida é puxada para um lado com certa força, e para outro com outra força, acabamos seguindo por um caminho médio, uma caminho do meio, que é o caminho resultante. E é claro que esse caminho do meio está mais desviado para o lado daquilo que mais puxar a gente. Por exemplo:

 

diagrama sentido da vida resultante

 

Neste diagrama acima, a seta pontilhada é resultante das outras duas, ou seja, é o sentido geral que a vida dessa pessoa realmente está tomando na prática, no final das contas. E o que se pode ver pelas setas é que temos ai' uma pessoa que se dedica muito ao trabalho, e acaba dando um pouco menos de atenção para a família. Talvez até exista algum um modo de uma coisa combinar bem com a outra, de os dois sentidos não servirem de desvio um para o outro, e apontarem numa direção mais próxima, mas não é o que está acontecendo com essa pessoa do diagrama acima.

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A ciência e a tecnologia ajudam a pensar no sentido da vida?

Geralmente nós nem pensamos muito no sentido geral que a nossa vida está tomando. Vamos sendo puxados para lá e para cá, pela necessidade de sustentar a família, ou pela necessidade de resolver um problema atrás do outro no trabalho, ou então por qualquer outra coisa.

Pois bem: a ciência, atualmente, só tem entrado em contato com a nossa vida através da tecnologia e das técnicas para resolver problemas e tarefas, das teorias aplicadas e principalmente dos aparelhos tecnológicos, que ajudam também a resolver problemas e cumprir tarefas do dia-adia. Tudo isso quase sempre tem ajudado muito a acelerar a nossa vida na mesma direção que ela já vinha tomando, mas são coisas que nos ajudam muito pouco, talvez quase nada, a pensar qual é realmente o sentido que queremos dar à nossa vida.

Todas essas coisas que nos ajudam a resolver problemas e cumprir tarefas diárias, tudo isso, vai sempre em uma direção só: a mesma que já estamos segundo, seja ela qual for. E essa direção, desde o final da Idade Média, isto é, desde o inicio do Capitalismo, no fundo tem sido quase sempre mais ou menos a mesma para todos os que vivem em sociedades capitalistas: conseguir capital, manter o capital, aumentar o capital — porque no capitalismo, este é o quase único jeito de se conseguir seguir pelo menos um pouquinho em qualquer outra direção que nos interesse.

Entretanto existem várias maneiras de se cultivar o o pensamento, os sentimentos e o espírito humano em geral. A ciência é apenas uma delas. A tecnologia e as teorias aplicadas são outra. A técnica é mais uma. Essas têm sido valorizadas, mas existem outras.

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A religião ajuda a pensar no sentido da vida?

A religião é uma das poucas formas de cultivar o pensamento, os sentimentos e o espirito humano em geral, que além de ajudarem a pessoa a parar um pouco e enxergar os caminhos que a sua vida está tomando, para refletir sobre isso com senso crítico, continua sendo uma atividade muito valorizada. Mas geralmente, uma religião costuma apresentar para a pessoa um outro caminho que é um só, uma única alternativa, e geralmente critica os caminhos da vida a partir desse ponto de vista sem fazer autocritica.

Isso porque o papel das religiões não é exatamente o de fazer as pessoas pensarem criticamente, e talvez não seja correto julgar as religiões em função disso, porque não é isso o que elas pretendem. O forte das religiões é trabalhar com a fé, fazer as pessoas terem fé nessa outra alternativa, e não fazer as pessoas pensarem criticamente.

Por isso, uma religião só costuma mostrar interesse em fazer a pessoa pensar criticamente quando essa critica é favorável para a alternativa que ela mesma (a religião) esta oferecendo, e às vezes até tem medo de deixar a pessoa pensar criticamente. Age como se isso fosse fazer a pessoa perder a fé — o que não é verdade: quando a pessoa pensa criticamente, o que acontece é que ela toma suas decisões com mais consciência e com mais firmeza, mas ao mesmo tempo percebendo o que precisa ser corrigido e melhorado no caminho que ela escolheu.

Qual é o caminho, é coisa que depende da escolha de cada um.

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A filosofia e a arte ajudam a pensar no sentido da vida?

A filosofia e a arte também oferecem meios para a pessoa pensar sobre os rumos que está dando para a vida. Mas fazem isso com muito mais intensidade do que a religião, porque esse é justamente o papel delas.

A arte faz a pessoa experimentar sentimentos e sensação diferentes, e isso faz a pessoa pensar sobre o que está sentindo e experimentando na sua vida diária. A filosofia faz a pessoa raciocinar criticamente a respeito das coisas, experimentando maneiras diferentes de pensar a respeito delas; estudar filosofia ensina a pessoa a pensar em possíveis alternativas comparando-as umas com as outras e avaliando cada uma delas.

De todas as formas de cultivar o pensamento, os sentimentos e o espirito humano em geral, a filosofia e a arte são as que mais permitem a pessoa repensar os caminhos da sua vida por si mesma, sem apontar necessariamente para ela um caminho só como se fosse o melhor. Porque é justamente esse o sentido da filosofia e da arte, foi nesse sentido que essas duas atividades se desenvolveram entre os seres humanos: são atividades que servem para abrir possibilidades.

A arte faz isso trabalhando principalmente com os sentimentos e as sensações. A filosofia, trabalhando principalmente com a razão. Por isso essas duas atividades às vezes dão a sensação de estarem nos colocando fora da realidade: porque estão mesmo, estão fazendo a gente enxergar a nossa realidade de um outro ângulo, que não é esse do qual estamos acostumados a vê-la.

Filosofia e arte fazem a gente parar um pouco de pensar só nos passos seguintes dentro daquele mesmo caminho que já estamos seguindo, para pensarmos no que podia ser diferente.

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A filosofia e a arte não combinam com o capitalismo?

É claro que se os caminhos que vamos seguindo em geral, conforme a vida vai passando, são no fundo sempre um só e mesmo caminho: conseguir capital, manter o capital, juntar mais capital... para conseguirmos pagar os pequenos desvios em direção a outras coisas que queremos, e com isso atingirmos condições melhores de vida para nós e os nossos próximos.

Essa "troca" em que fazemos o que interessa ao capitalismo (lutarmos para acumular capital) e o capitalismo nos permite usar parte desse capital para "desvios" em direção a condições de vida melhores, não é uma troca de maneira nenhuma equilibrada. Os interesses do desenvolvimento do próprio capitalismo e de seus mecanismos de funcionamento levam uma vantagem tão grande sobre o que conseguimos dos nossos próprios interesses como seres humanos, que se pode facilmente dizer que somos todos (incluindo os mais ricos) usados como meras ferramentas pelos mecanismos do capitalismo. E que esses mecanismos nos permitem uma margem mínima de desfrute do capital produzido, apenas para que possamos continuar interessados em atuar dentro deles, conforme o sentido que eles vão dando às nossas vidas.

A filosofia e a arte não se encaixam muito bem naquilo que interessa ao capitalismo, então o capitalismo acaba encontrando um meio de isolar ou deturpar essas atividades.

A arte é afastada da vida diária e trancada em museus. Ou é transformada em ferramenta de marketing, e o seu trabalho com os sentimentos e sensações é direcionado no sentido de tornar produtos atraentes para a venda e o consumo. Ou então é transformada em pura diversão para distrair as pessoas e fazê-las esquecerem um pouco dos problemas do dia-a-dia (mas também do maior problema de todos, que e o problema do sentido da vida). E a filosofia é transformada em uma espécie de luxo esquisito para gente que gosta de ficar “viajando” com o pensamento por idéias malucas que não têm nada a ver com a realidade. E não é verdade, essa é uma imagem falsa da filosofia.

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A filosofia não tem nenhum impacto na vida diária?

Examinemos um pouco a situação em termos capitalistas, levantando os pesos e medidas das coisas. Vejamos o que se pode medir e avaliar do impacto do aprendizado de filosofia pelas pessoas, em uma sociedade.

A filosofia é sim uma atividade que pode ter grande impacto na vida de uma pessoa e na vida das pessoas em geral, em uma sociedade. Um impacto muito mais amplo, mais intenso e mais profundo, aliás, que o dos aparelhos tecnológicos que mexem tanto com a nossa vida.

Mas o impacto da filosofia é lento, de longo prazo, e imprevisível. Não dá para saber qual será exatamente o resultado do estudo de filosofia na vida de uma pessoa e menos ainda na vida de uma sociedade, se a maioria das pessoas estudar filosofia. Não é possível prever que tipo de impacto será, a única coisa que é possível prever é que as pessoas provavelmente vão pensar mais com as suas próprias cabeças, ter mais senso critico, e ficar menos passivas e conformadas.

O impacto pode ser inclusive bastante prejudicial... quando se quer que as coisas continuem na mesma. Porque uma pessoa com muito senso crítico e que não se conforma com facilidade diante do que acha errado, tende a exigir mudanças.

Para além disto, não é possível nem medir exatamente o grau desse impacto, só se sabe que ele geralmente ocorre — embora é claro que também tenha gente que nunca se deixa atingir pela filosofia, e que passa por esse estudo em branco, como acontece com qualquer outra matéria que se estuda.

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Em suma: do ponto de vista capitalista, estimular as pessoas a estudarem filosofia é um investimento de altíssimo risco. Em geral, nos dias de hoje, em cada cinqüenta pessoas que estudam filosofia porque são obrigadas a isso, pode-se dizer que umas cinco, no futuro, acabam sentindo uma diferença realmente considerável em suas vidas. Na verdade e um percentual bastante alto, e quem lida com educação sabe disto. Entre as pessoas que se interessam e começam a estudar filosofia por conta própria, só para experimentar e sem serem obrigadas a isso, parece que o percentual do impacto disso na vida delas tende a subir enormemente, e muito poucas pessoas que fazem isso acabam mais tarde esquecendo do que estudaram e deixando isso de lado.

O impacto existe. Mas vivemos em tempo de capitalismo, e a filosofia está fora de moda. Hoje em dia, quando alguém diz que estuda filosofia, as pessoas ficam admiradas: “Oh! Filosofia!”. Acham mesmo admirável, como se fosse uma coisa muito difícil e grandiosa, mas admirável desde que os estudos filosóficos fiquem bem longe da vida no dia-a-dia, como se fossem pinturas penduradas em uma parede de algum museu bem velho.

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Quando a filosofia pensa no sentido da vida ela se torna incômoda?

Quando o filósofo se mete a pensar a respeito da vida, as pessoas ficam perturbadas, e logo querem fugir para as tarefas cotidianas e os pequenos problemas do dia-a-dia. No melhor dos casos, querem exigir que a filosofia se comporte como a ciência: que ela produza resultados que sirvam para resolvermos melhor os problemas e cumprirmos melhor as tarefas da vida diária, isto é, para seguirmos melhor no mesmo caminho que já estamos seguindo, sem precisarmos pensar muito a respeito. Mas este não é o papel da filosofia, querer que a filosofia faça isso, é não querer filosofia.

A filosofia incomoda, quando pensa na vida, principalmente porque é parece uma atividade preguiçosa. As pessoas acham que têm mais o que fazer do que ficarem pensando na vida. Elas têm atividades práticas, imediatas, que exigem a sua atenção. Nem se dão conta de onde vem essa exigência — na maioria dos casos, do capitalismo. Mas o fato é que, seja qual for a razão, não é a filosofia que é uma atividade "preguiçosa": as pessoas é que têm preguiça de serem filosoficamente preguiçosas, porque têm preguiça — e na verdade, mais do que preguiça, muitas vezes têm até um pouco de medo — de pensar.

Isso por que isso pensar filosoficamente as desvia do imediatismo das tarefas capitalistas diárias, que fazem a vida correr fácil rumo à morte, passando por uma sucessão interminável de pequenos probleminhas e tarefas cotidianos a serem resolvidos e que vão tomando todo o nosso tempo. É muito mais confortável e cômodo entrar na inércia que nos puxa nessa direção.

É que essa tal “preguiça” filosófica na verdade é extremamente trabalhosa: exige um grande e constante esforço do pensamento, e não oferece nada pronto, não oferece nenhuma resposta segura e definitiva para nada: obriga a gente a escolher os nossos próprios caminhos e a construir, com o nosso próprio raciocínio, as nossas próprias decisões e nossa própria segurança a respeito dessas decisões, que às vezes podem mexer com toda a nossa vida.

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