Macartismo

Macartismo

Temas e posições envolvendo o macartismo

Sobre macartismo e idiotice

por João Borba, março de 2014

 

O macartismo não é uma filosofia, aliás, muito pelo contrário: foi um movimento político que ocorreu por meia década nos Estados Unidos, e que se pode dizer desastroso para a produção filosófica naquele país. Ocorreu e terminou num determinado período, sem desenvolver (felizmente) nenhuma continuidade relevante mais tarde. Mas (infelizmente) o movimento foi bastante representativo de uma tendência irracional que, esta sim, com muita frequência na história mundial, costuma se espalhar (ou mais precisamente ser espalhada) em certas circunstâncias em países capitalistas: o anticomunismo.

O macartismo foi um movimento anticomunista nos Estados Unidos que durou de 1950 a 1956, depois da Segunda Guerra Mundial, foi uma verdadeira caça aos comunistas promovida por um senador do Partido Republicano (de direita) nos Estados Unidos, o senador Joseph McCarthy, ex-juiz de formação militar e eleito pelos eleitores de regiões conservadoras do Estados Unidos.

Esse senador promoveu uma espécie de pânico generalizado no país (e se autopromoveu por meio desse pânico) espalhando o medo do comunismo, através da ideia de que toda e qualquer forma de comunismo seria uma coisa terrível e haveria comunistas subversivos espalhados entre os norteamericanos tentando destruir a democracia do país para instaurar esse regime.

Segundo McArthy, os "espiões" e "agentes subversivos" do comunismo estariam espalhados principalmente nas universidades e nos meios artísticos, de modo que era preciso vigiar, controlar, censurar e intimidar professores, estudantes, estudiosos em geral, e artistas de todos os tipos, especialmente escritores, atores e diretores de cinema. Em suma, o medo do suposto "perigo comunista" contra a democracia, medo basicamente do autoritarismo comunista, acabou gerando nos Estados Unidos um período de... autoritarismo, justamente! E bastante agressivo.

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Como resultado, sob o comando de McCarthy, iniciou-se naquela época uma escalada de abusos do Estado contra as liberdades individuais e de crescente desrespeito contra direitos civis, sempre sob o pretexto de proteger a democracia norteamericana contra os suspeitos de "subversão comunista". Foram destruídas muitas carreiras de grandes artistas e pensadores, impedidos de continuar suas realizações. Muitas vezes eram artistas e pensadores já reconhecidos mundialmente, e cuja produção acabava inclusive valorizando internacionalmente o país pelo simples fato de ser realizada lá.

O que se observa de filosoficamente interessante em casos como o do surto autoritário do macartismo, com seus preconceitos anticomunistas um tanto patológicos, é que frequentemente (para não dizer "sempre", pois o autor das presentes linhas arriscaria a tese de que inclusive necessariamente) o autoritarimo demonstra, qualquer que seja a sua forma, a mais radical idiotice.

O termo "idiotice" é de origem grega. Vem do termo grego idios — que a princípio não teria um sentido necessariamente ruim. Significa aquilo que é próprio e característico de algo ou de alguém, aquilo que é único, exclusivo e singular, só desse algo ou desse alguém. A palavra idiosincrasia vem exatamente daí. Mas a palavra "idiota", e com ela a derivada "idiotice", dão a isto um sentido muito preciso e especial: o idiota é aquele que dirige sua atenção exclusivamente a si mesmo, que só percebe o que diz respeito a si mesmo e ao que é unicamente seu, e não percebe ou não compreende o que é diferente, o que está além de si mesmo.

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Podemos reconhecer que somos todos por natureza, enquanto seres humanos, um tanto idiotas. Mas o que estou declarando aqui, como autor destas breves linhas sobre o autoritarismo macartista, é que não só este todo exercício de poder sobre alguém tende naturalmente ao máximo de idiotíce possível. Porque aquele que exerce poder sobre outros (como bem observa Maquiavel) se move no sentido de manter e aumentar esse poder. E em seu exercício (ao contrário do que os nietzscheanos supõe, embora eu próprio em larga medida me considere nietzscheano) o poder tende naturalmente à ignorância (no sentido forte) do outro enquanto outro. Tende a ignorar (e desconhecer) o ídios do outro, já que tende a ver no outro apenas e exclusivamente o que interessa a si mesmo, aquilo que pode utilizar dele ou de que pode tirar proveito unicamente seu na relação com ele, nem que seja o puro e simples sentimento proveitoso de estar exercendo poder.

A idiotice, como claramente se observa no caso do surto autoritário que caracterizou o macartismo, é uma "cegueira" intelectual em relação às coisas, não por incapacidade específica, mas por "recusar-se a ver". O outro não é mais o outro: é apenas o foco de exercício do meu poder — ainda que seja, como no caso, um poder gerado pela histeria. Ainda que seja, em outras palavras, uma mera forma de lidar com o medo em relação a uma imagem pré-concebida e assustadora de algo que não está de fato sendo examinado e avaliado seriamente em seus prós e contras (qualquer que venha a se revelar a gravidade dos contras após o exame e a avaliação da coisa real, tal como é).

Tal idiotice crescente, tendendo inclusive à overdose — ou mais precisamente à desconexão com os fatos (não observados realmente, não examinados, não avaliados)... tendendo portanto à desconexão com a realidade, com a qual cedo ou tarde será preciso confrontar-se — essa idiotice que, enfim, ultrapassa o grau natural em que somos todos humanamente um pouco idiotas, e que se desenvolve viciosa, cega e desenfreada, é em alguma medida intrínseca a todo exercício de poder. O macartismo norteamericano oferece um excelente exemplo disso.

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