Ditos & Feitos de Maquiavel

Seleção e organização das citações por João R. A. Borba

 

Sumário

Sobre a liberdade e o conflito entre as classes socioeconômicas | Sobre a fundação das repúblicas e reinos | Sobre a religião | Sobre a corrupção do povo e a manutenção do poder ou da liberdade republicana | Sobre revoluções ou reformas institucionais | Sobre como lidar com governados e aliados | Sobre a liberdade e as instituições | Sobre a "virtú" (ou virtude) e a fortuna | Sobre o uso estratégico da crueldade


 

Sobre a liberdade e o conflito entre as classes socioeconômicas

 

Os que criticam as contínuas dissensões entre os aristocratas e o povo parecem desaprovar justamente as causas que asseguraram que fosse preservada a liberdade em Roma, prestando mais atenção aos gritos e rumores provocados por tais dissensões do que aos seus efeitos salutares. Não querem perceber que há em todos os governos duas fontes de oposição: os interesses do povo e os da classe aristocrática. Todas as leis para proteger a liberdade nascem da sua desunião (...).

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 31

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O desejo que sentem os povos de ser livres raramente prejudica a liberdade porque nasce da opressão ou do temor de ser oprimido. E se o povo se engana, os discursos em praça pública existem justamente para retificar suas ideias: basta que um homem de bem levante a voz para demonstrar com um discurso o engano do mesmo.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 32

 

Quanto a saber  quais as pessoas mais perigosas numa república — as que querem adquirir ou as que não querem perder o que já possuem (...), as dificuldades são criadas mais frequentemente pelos que já possuem; o temor de perder o que se tem provoca paixão igual à causada pelo desejo de adquirir. É natural dos homens não se considerarem proprietários tranquilos a não ser quando podem acrescentar algo aos bens de que já dispõem. É preciso considerar, também, que quanto mais um indivíduo possui, mais aumenta o seu poder; é mais fácil para ele provocar alterações da ordem. e, o que é bem mais funesto, sua ambição desenfreada acende o desejo de posse no coração dos que não o tinham (...)

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 34-35

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Sobre a fundação das repúblicas e reinos

 

É por assim dizer uma regra geral a de que as repúblicas e os reinos que não receberam as suas leis de um único legislador, ao serem fundados ou durante alguma reforma fundamental que se tenha feito, não possam ser bem organizados. É necessário que um só homem imprima a forma e o espírito do qual depende a organização do Estado.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 49

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Sobre a religião

 

Quando se examina o espírito da história romana, é forçoso reconhecer que a religião servia para comandar os exércitos, levar a concórdia ao povo, zelar pela segurança dos justos e fazer com que os maus corassem pelas suas infâmias. (...)

Se a observância do culto divino é a fonte da grandeza dos Estados, a sua negligência é causa da ruína dos povos. Onde não exista o temor a Deus o império sucumbirá, a menos que seja sustentado pela fé de um príncipe capaz de se apoiar na religião.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 58-59

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Sobre a corrupção do povo e a manutenção
do poder ou da liberdade republicana

 

Muitos exemplos demonstram, a quem consulta as memórias da Antiguidade, como é difícil a um povo habituado a viver sob as leis de um príncipe conservar a liberdade, quando algum acidente feliz lhe permite ganhá-la (...). É uma dificuldade que se deve à seguinte razão: um povo nesta situação é como um animal vigoroso que, embora feroz por natureza, e nascido na floresta, tivesse crescido numa jaula; posto casualmente em liberdade,  em pleno campo, não saberia encontrar alimento, nem abrigo, tornando-se presa do primeiro que quisesse outra vez capturá-lo.

É o que acontece  com um povo acostumado a viver sob leis alheias; não sabendo garantir sua própria defesa, nem defender a coisa pública dos atentados inimigos, desconhecendo os príncipes e sendo por eles desconhecido, cairá logo sob um jugo muitas vezes mais intolerável do que aquele do qual se libertou.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 69

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Quem prertenda governar um povo, sob uma república ou uma monarquia, deve certificar-se dos que demonstraram ser inimigos da nova ordem das coisas, se não quiser estabelecer um governo efêmero.  São verdadeiramente infelizes os príncipes que,  tendo a multidão como inimiga, são obrigados a usar meios extraordinários para afirmar seu poder. De fato, aquele que só tem um pequeno número de inimigos pode viver seguro sem muita preocupação; mas quem é objeto do ódio geral nunca pode ter certeza de qualquer coisa. quanto maior crueldade demonstra, mais se enfraquece seu poder. O caminho mais seguro é, portanto, procurar ganhar a afeição do povo.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 70

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O povo romano não estava ainda corrompido  quando recobrou a liberdade; pôde assim consolidá-la (...). Se o povo fosse corrupto, não encontraria remédio eficaz, em Roma ou em qualquer outro lugar, para poder mantê-la.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 71

 

(...) quando a massa do povo é sadia, as desordens e os tumultos não chegama  ser daninhos: mas quando está corrompida,  mesmo as leis melhor ordenadas são impotentes — a menos que sejam manipuladas habilmente por uma personalidade vigorosa, respeitada pela sua autoridade, e que possa cortar o mal pela raiz.

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 74

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A corrupção e a inaptidão para a vida em liberdade provêm da desigualdade que se introduziu no Estado; para nivelar essa desigualdade, é preciso recorrer a meios extraordinários que poucos homens sabem ou querem usar.

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 74

 

(...) as instituições apropriadas a um povo corrompido são diferentes das que se ajustam ao que não o é; não convém a mesma forma a matérias inteiramente diversas.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 77

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Sobre revoluções ou reformas institucionais

 

A reforma parcial e sucessiva [das instituições] deve ser provocada por um homem esclarecido que saiba reconhecer de muito longe as dificuldades, logo que surjam. é possível que nunca se encontre um homem desse tipo; se surgisse um só, não conseguiria jamais convencer os cidadãos dos vícios identificados pela sua previsão. Quando estão habituados a uma certa maneira de viver, os homens não a querem alterar, sobretudo se não enxergam claramente o mal que se lhes insinua.

Quanto à reforma total e imediata da constituição política, quando há convicção geral de que ela é defeituosa, é difícil efetuá-la, mesmo se o defeito é evidente, poruqe para isto os meios ordinários são insuficientes. torna-se indispensável o recurso a métodos extraordinários — as armas e a violência. Antes de maos nada, o reformador deve apoderar-se do Estado, a fim depoder dele dispor à vontade.

É necessário ser um homem de bem para reformar a vida política e as instituições de um Estado; mas a usurpação violenta do poder pressupõe um homem ambicioso e corrupto.  Assim raramente acontecerá que um cidadão virutuoso queira apossar-se do poder por meios ilegítimos, mesmo com as melhores intenções;  ou que um homem mau, tendo alcançado o poder, queira fazer o bem, dando boa utilização ao poder que conquistou com o mal.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 77

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Aquele que, pretendendo reformar o governo de um Estado quiser ver seu projeto bem acolhido, e as novas instituições apoiadas pelo assentimento geral, deve conservar pelo menos a sombra dos antigos costumes, para que o povo não suspeite de uma alteração — mesmo se a nova constituição for inteiramente diversa da antiga. Todos os homens se importam com a aparência das coisas, tanto quanto com  o que elas realmente são; e muitas vezesse interessam mais pelas aparências do que pela realidade.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Títo Lívio.
Brasília: UnB, 1994, p. 9
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sumário

Sobre como lidar com governados e aliados

 

(...) os homens devem ser acarinhados ou eliminados, pois se eles se vingam das pequenas ofensas, das graves não podem fazê-lo; daí decorre que a ofensa que se faz ao homem deve ser tal que não se possa temer vingança.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 14.

 

(...) nos assuntos do Estado (...), conhecendo com antecedência os males que o atingem (o que não é dado senão a um homem prudente), a cura é rápida; mas quando, por não se os ter conhecido logo,  vêm eles a crescer de modo a se tornarem do conhecimento de todos, não mais existe remédio.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 15

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(...) quem é causa do poderio de alguém arruína-se, porque esse poder resulta ou da astúcia ou da força e ambas são suspeitas para aquele que se tornou poderoso.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 18

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Sobre a liberdade e as instituições

 

Querendo preservar uma cidade habituada a viver livre, mais facilmente que por qualquer outro modo se a conserva por intermédio de seus cidadãos. (...)

(...) quem se torne senhor de uma cidade acostumada a viver livre e não a destrua espere ser destruído por ela, porque a mesma sempre encontra, para apoio de sua rebelião, o nome da liberdade e o de suas antigas instituições, jamais esquecidas seja pelo decurso do tempo, seja por benefícios recebidos.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 29-30

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Deve-se considerar não haver coisa mais difícil para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem mais perigosa de manejar, que tornar-se chefe e introduzir novas ordens. Isso porque o introdutor tem por inimigos todos aqueles que obtinham vantagens com as velhas instituições e encontra fracos defensores naqueles que das novas ordens se beneficiam.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 35

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Entre os feitos de Maquiavel, lembrando seu interesse pela questão militar, expresso na escritura do livro A arte da guerra, vale notar que ele foi um dos primeiros em sua época (e o primeiro em toda a região da Itália na época) a propor a formação de um exército popular. Mais do que propor isso, conseguiu convencer o governo a formar o tal exército, e foi pessoalmente incumbido da coisa. Mas não lhe deram condições suficientes para isso, e o empreendimento foi um fracasso.

Lembre-se que a Itália ainda não era um país, mas apenas uma região recheada de cidades-Estado independentes em que se falava italiano.

Os exércitos da região na época ainda eram formados por membros da aristocracia guerreira, como na Idade Média. Muitas vezes eram exércitos mercenários formados por nobres falidos ou sem herança, e não eram de confiança, primeiro porque podiam a qualquer momento se voltar para o lado do inimigo se ele oferecesse um pagamento maior, e segundo porque esses mercenários podiam acabar achando mais vantajoso atacar e saquear os seus pagantes do que esperar pelo pagamento.

Aos olhos de Maquiavel, sua cidade de Florença, rica e atrativa para inimigos cobiçosos, precisava se libertar da dependência de mercenários se quisesse manter a liberdade, e o mesmo valia para outras cidades italianas. E isso era urgente, visto que ao redor da região da Itália já estavam se formando os primeiros grandes países depois da Idade Média, países como a França, com grandes exércitos nacionais que seria impossível vencer apenas com o pequeno exército de uma cidade italiana se houvesse ataque.

Como uma possível invasão francesa ou de outro país significaria a transformação das cidades italianas em colônias sem independência, a formação desse exército, para ele, era uma questão de garantia da liberdade para Florença e para os cidadãos florentinos.

 

 

Sobre a "virtú" (ou virtude) e a fortuna

 

Aqueles que somente por fortuna se tornam de privados em príncipes, com pouca fadiga se transformam, mas só com muito esforço assim se mantêm (...)

Estes estão simplesmente submetidos à vontade e à força de quem lhes concedeu o Estado, que são duas coisas grandemente volúveis e instáveis: e não sabem e não podem manter a sua posição. Não podem, porque se não são homens de grande engenho e virtude, não é razoável que, tendo vivido sempre em ambiente privado, saibam comandar.; não podem, porque não têm forças que lhes opossam ser amigas e fiéis. ainda, os Estados que surgem rapidamente, como todas as dremais coisas da natureza que nascem e crescem depressa, não podem ter raízes e estruturação perfeitas, de forma que a primeira adversidade os extingue; salvo se aqueles que, como foi dito, assim repentinamente se tornaram príncipes, forem de tanta virtude que saibam desde logo preparar-se para conservar aquilo que a fortuna lhes pôs no regaço, formando posteriormente as bases que os outros estabeleceram antes de se tornar príncipes.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 40

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Sobre o uso estratégico da crueldade

 

Poderia alguém ficar em dúvida sobre a razão por que Agátocles e algum outro a ele semelhante, após tantas traições e crueldades, puderam viver longamente, sem perigo dentro de sua pátria, e ainda, defender-se dos inimigos externos sem que os seus concidadãos tivessem contra eles conspirado, tanto mais notando-se que muitos outros não conseguiram manter o Estado, mediante a crueldade, nos tempos pacíficos e, muito menos, nos duvidosos tempos de guerra. Penso que isto resulte das crueldades serem bem ou mal usadas. Bem usadas pode-se dizer serem aquelas (se do mal for lícito falar bem) que se fazem instantaneamente pela necessidade pela necessidade do firmar-se e, depois, nelas não se insiste mas sim se as transforma no máximo possível de utilidade para os súditos; mal usadas são aquelas que, mesmo poucas a princípio, com o decorrer do tempo aumentam ao invés de  se extinguirem. (...)

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 52

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Por isso é de notar-se que, ao ocupar um Estado, deve o conquistador exercer todas aquelas ofensas que se lhe tornem necessárias, fazendo-as todas a um tempo só para não precisar renová-las a cada dia e poder, assim, dar segurança aos homens e conquistá-los com benefícios. Quem age diversamente, ou por timidez ou por mau conselho, tem sempre necessidade de conservar a faca na mão, não podendo nunca confiar em seus súditos, pois que estes nele também não podem ter confiança diante das novas e contínuas injúrias. Portanto,m as ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, afim de que, pouco degustadas,  ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para que sejam melhor apreciados.

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976, p. 52-53

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