Tópicos de vida e obra de Francis Bacon

Pesquisa & Texto da autoria de João Ribeiro de A. Borba

Revisão em Julho de 2014

 

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Francis Bacon: o organizador da pesquisa empírica,
uma das bases fundamentais de toda ciência posterior

 

Como a filosofia de Bacon contribuiu para o desenvolvimento das ciências?

O nome de Francis Bacon sempre aparece quando se procura pesquisar a história das ciências.

O pensamento de Bacon se apoia na ideia básica de que precisamos enfrentar as forças da natureza, usando a capacidade intelectual humana para superá-las e para ir aperfeiçoando nossas condições de vida. Já está presente aí, com toda clareza a noção científica de "progresso", de que podemos ir progredindo e aperfeiçoando nos nossos conhecimentos e no desenvolvimento, a partir deles, de tecnologias que nos permitam dominar melhor as forças da natureza.

Ele também está entre os primeiros a defenderem a noção de que, para termos um conhecimento mais sólido e seguro a respeito das coisas, precisamos evitar que a nossa observação dos fatos seja contaminada e distorcida por fatores subjetivos, isto é, por coisas que estão em nós, e não no nosso objeto de estudo.

Essa noção de Bacon também acabou se tornando básica e fundamental nos estudos científicos em geral, e costuma ser compreendida como uma necessidade de neutralidade do estudioso: ele deve se manter neutro diante daquilo que está estudando, não deve colocar nada de si mesmo nesse estudo que possa distorcer a observação dos fatos como eles são.

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De que maneira Bacon contribuiu para a noção de "neutralidade" do observador nas ciências?

Com essas ideias básicas mente, Bacon começou a examinar a maneira como observamos a natureza e como aprendemos coisas sobre ela. Segundo ele, para que nossas ações tenham bons resultados, é preciso que nós compreendamos de maneira realista as condições em que elas vão se desenvolver.

Por isso queria verificar se nossos métodos de observação são bons, se estamos realmente nos apoiando em um entendimento realista de como funcionam as coisas no mundo natural, se não estamos nos enganando e sendo levados por ilusões.

Bacon fez então um importante estudo sobre os diferentes tipos de ilusões e falsas imagens da realidade que costumam nos enganar. E como não deixava de sofrer alguma influência do pensamento cristão — assim como a imensa maioria dos europeus em sua época (porque havia bem pouco tempo que tinham saído da Idade Média) — chamou as coisas que nos enganam e distorcem nossa observação dos fatos de "ídolos".

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A teoria dos ídolos de Bacon consegue realmente "limpar" nossa observação dos fatos de toda ilusão?

O que seria um "ídolo" segundo o modo cristão de ver as coisas?

A palavra "ídolo" está ligada à antiga palavra grega "idea", que queria dizer "imagem". Um ídolo, segundo o pensamento cristão, seria alguma daquelas "falsas imagens" ou "falsas ideias" que eram adoradas ("idolatradas") pelos antigos povos de religião pagã.

Bacon utilizou essa velha noção cristã para falar sobre algo bem mais geral, e que interfere na vida de todos — pouco importando se são pagãos, cristãos, ateus ou de qualquer outra crença. Utilizou essa noção para dizer que há muitas falsas imagens da realidade pelas quais nós nos deixamos levar como se fôssemos pagãos adorando a um ídolo, só que sem nem nos darmos conta disso, sem nos darmos conta de estarmos sendo seduzidos por essas (falsas) imagens da realidade.

Segundo Bacon, então, há coisas que nos arrastam (a todos nós) para a crença em certas imagens enganadoras a respeito da realidade. Coisas que atuam como fontes habituais da ilusão, do engano e dos erros quando tentamos compreendê-la. E se queremos praticar uma ciência eficaz, com bons resultados, capaz de melhorar nossas condições de vida (e de enfrentamento das dificuldades que  o mundo natural nos impõe), precisamos perceber quais são essas fontes de erro, e aprender a evitar a influência delas durante o nosso escforço de observação e compreensão dos fatos.

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Nessa "teoria dos ídolos" desenvolvida por Bacon podemos perceber o início de todo o esforço científico posterior no sentido de tentar chegar a uma postura neutra, sem a influência de preconceitos, valores ou opiniões anteriores à investigação, a fim de podermos nos aproximar com mais segurança da verdade.

É interessante notar, porém, que apesar de todo esse esforço no sentido de buscar uma postura de neutralidade, a própria associação da noção de "ídolos" à ideia de falsidade, ilusão, enganação etc. já carrega um posicionamento (de tipo religioso) favorável à cultura cristã em detrimento da cultura pagã politeísta, que era frequentemente idólatra, isto é, ligada ao culto de ídolos materiais que estariam de algum modo ligados aos seus deuses.

Podemos supor que a ciência, mais tarde, se livrou desse preconceito antipagão substituindo a noção baconiana de "ídolos" a serem evitados pela noção de que seria preciso evitar a "subjetividade" (a interferência dos sujeitos humanos na observação dos fatos" e buscar a "neutralidade". Expressões como "subjetividade" (para demarcar aquilo que deve ser evitado na ciência) e "objetividade" ou "neutralidade" (para demarcar o que deve ser biscado pelo cientista como o melhor meio para atingir o conhecimento), de fato já não carregam mais o mesmo preconceito antipagão da antiga expressão usada por Bacon.

Mas supor que com essas expressões conseguimos evitar todo e qualquer tipo de preconceito ou distorção na observação dos fatos como eles realmente são é ingenuidade.

Bacon não parece ter percebido com suficiente clareza o que significa dizer que, sempre que examinamos nossas expressões, nossas palavras — mais do que isso, os signos em geral, de todos os tipos — que utilizamos para dizermos aquilo que temos a dizer, muitas outras coisas estão sendo ditas indiretamente por nós sem nos darmos conta. Coisas que estão associadas a esses signos ou representações que estamos utilizando, sem que tenhamos percebido essa associação, ou pelo menos sem que tenhamos percebido isso com toda a clareza e em todas as suas implicações.

O próprio Bacon, em outras palavras, não parece ter percebido a fundo todas as implicações do que disse (coisa que aliás ocorre com muita frequência na filosofia, nas ciências e em todas as demais atividades humanas).

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Qual seria uma maneira mais cuidadosa de interpretar Bacon segundo o espírito da sua proposta?

Podemos repensar a proposta de Bacon a partir da seguinte constatação importante: conforme vamos examinando tudo o que está associado aos signos e expressões que utilizamos na ciência, vamos percebendo sempre, ou quase sempre, novos e novos preconceitos, ilusões e enganações que estavam embutidos naquilo que estávamos dizendo. O nosso modo de dizer ou exprimir as coisas, quando o examinamos com a devida atenção, acaba revelando geralmente implicações que distorcem nosso conhecimento delas muito mais do que imaginávamos.

Não costumamos perceber isso porque muitas vezes somos levados pelo preconceito de que o modo como exprimimos as coisas não interfere no que realmente pensamos a respeito delas... mas o exame cuidadoso disto revela exatamente o contrário: uma grande, senão total, interferência do modo como exprimimos as coisas sobre a maneira como pensamos a respeito delas.

Colocando aqui um pouco de posicionamento pessoal em relação à questão, digo que o ceticismo pirrônico tem algo a nos ensinar em relação a isto, quando nos diz (através de seu representante mais famoso e menos distante do modo de pensar de Bacon, que é Sexto Empírico), que deveríamos utilizar em geral um "discurso frouxo" para falarmos sobre as coisas, e adotar um discurso mais rigoroso e preciso apenas a partir do momento em que o debate nos exige isto.

Ainda seguindo uma linha pessoal de pensamento inspirada em Sexto Empírico (nessa sua noção de "discurso frouxo"), digo que o fato de sempre haver sempre preconceitos inconscientes embutidos no modo como nos exprimimos não significa que temos que controlar e reprimir autoritariamente o nosso uso das palavras e dos demais signos que utilizamos para nos expressar, com medo de estarmos sendo preconceituosos — pois seria uma ingenuidade ainda maior, já que todo e qualquer modo de expressão parece sempre e necessariamente envolvido em alguma nesse problema, e nunca encontramos um modo "puramente objetivo" de exprimir as coisas.

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Digo que pelo contrário, precisamos adotar uma certa maleabilidade, um certo fair play, um livre jogo no modo como nos exprimimos, para não nos prendermos demais aos nossos modos de expressão e aprendermos a olhar para além deles, para o espírito da coisa que está sendo dita, por assim dizer, mais do que para a coisa tal como está expressa literalmente. Para não sermos dominados pelos nossos próprios modos de expressão (e pelos preconceitos que estão embutidos neles).

Trata-se de adotar uma postura menos rígida e autoritária em relação à nossas formas de expressão, mais compreensiva (e inteligente), mas nem por isso nos deixando levar por algum conformismo quanto aos preconceitos que inconscientemente acabamos deixando se inscreverem nelas.

Isto, nos campos filosófico e científico, tenderia a provocar mais debate em torno do que se pretendeu dizer e do que realmente se disse — o que em um clima compreensivo (e até lúdico, por que não?) de "livre jogo", é algo saudável para o conhecimento, porque também não podemos simplesmente nos conformar com o fato de haver preconceitos embutidos no modo como nos exprimimos. Um tal conformismo é claro que seria igualmente prejudicial para o conhecimento, senão ainda pior.

Destarte, o próprio Bacon talvez deva (e talvez tenha inclusive desejado) ser compreendido mais pelo espírito do que pretendia do que pelo que disse literalmente. A neutralidade científica talvez não deva ser entendida como algo metodologicamente necessário já no ponto de partida, mas como um ideal que corre paralelo ao processo de pesquisa, e que continua sendo sempre buscado, mesmo que nunca atingido (aliás, os cientistas mais perspicazes normalmente atuam assim).

Nessa mesma linha de raciocínio, o "progresso" envolve portanto a constante revisão de nossas "descobertas" não apenas no sentido de uma acumulação maior de conhecimentos e um aperfeiçoamento de sua qualidade, mas também no sentido de uma expressão desses conhecimentos que vá sendo sempre corrigida e fazendo recuar para mais longe o campo do que exprimimos inconscientemente.

Tudo isso, claro, supondo que fazer "recuar" o campo do que é inconsciente e ampliar o campo do que é consciente e livre de preconceitos seja mesmo possível, e que haja mesmo algum "progresso" nas ciências. Suposição que ainda esté em conformidade com o "espírito" do pensamento de Bacon — embora eu, pessoalmente, não concorde com essa suposição e não acredite na noção de "progresso" que tanto encanta a maioria dos cientistas.

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De que modo Bacon contribuiu para o desenvolvimento da pesquisa empírica nas ciências?

Além dessa "teoria dos ídolos" encontramos em Bacon toda uma clara fundamentação da pesquisa empírico-indutiva, aquela que tem como método:

a) a observação cuidadosa de muitos fatos do mesmo tipo;

b) a descrição e comparação desses fatos em busca dos elementos comuns entre eles e, finalmente,

c) a formulação, a partir desses elementos comuns a todos os fatos observados, de uma norma ou lei geral que explique todos eles e possa ajudar a prever como é que provavelmente ocorrerão no futuro os outros fatos desse mesmto tipo que vierem a ocorrer — que é o que se chama "indução empírica".

Essa linha de procedimento "empirista" de Bacon tornou-se muito comum nas ciências, mostrando-se bastante efizaz em diversas situações durante o processo de investigação científica dos mais variados assuntos. E muitas vezes (talvez na maioria dos casos) passou a ser utilizada em conjunto com procedimentos científicos de outras espécies que foram desenvolvidos mais tarde.

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