Tópicos de vida e obra de David Harvey

Pesquisa & Texto da autoria de João Ribeiro de A. Borba

Jan/2021

 

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David Harvey: livre-intérprete de Marx
que traz o marxismo para ageografia política

 

Quem é David Harvey

David Harvey (nascido em 1935) é um pensador marxista bastante original e com um constante e intenso diálogo com a intelectualidade brasileira — participando da formação da crítica política no Brasil com a edição de livros, com palestras e outras atividades.

Trata-se de um técnico e teórico da geografia, especialmente da geografia política urbana, e sua contribuição original ao marxismo consiste basicamente no forte deslocamento do foco de atenção, da economia para esse novo conteúdo tão pouco examinado pelo marxismo (a geografia). Mas Harvey abrange em seus estudos as mais variadas áreas, sem se limitar ao seu campo de formação e de preferência. 

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Quais são as principais obras de Harvey?

Harvey veio desenvolvendo sua teoria marxista da relação entre sociedade e espaço ao longo de diversas obras que foram sendo traduzidas para o português, começando por Explicação e geografia (1969) e A justiça social e a cidade (1973), até obras que rapidamente tornaram-se clássicas, como Os limites do capital (1982), A experiência urbana (1989), e Condição pós-moderna (1989). Depois seguiu adiante com obras como Justiça, diferença e geografia da natureza (1989) e Espaços da esperança (2000).

 

Qual é a leitura mais recomendada
para quem quer conhecer os fundamentos de Harvey?

Em língua portuguesa, seus fundamentos teóricos e metodológicos podem ser encontrados em sete textos produzidos entre 1975 e 2001 e publicados em conjunto em um livro com o título A produção capitalista do espaço — que é o melhor ponto de partida para compreender o seu pensamento. Trata-se de uma seleção de textos de uma obra maior, Spaces of Capital: Towards a critical geography.

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De que maneira Harvey interpreta Marx?

Ao ler Marx em busca de material para embasar seus estudos geográficos, Harvey, no prefácio dessa seleção brasileira de seus textos, declara o seguinte: “Há duas maneiras de realizar tal leitura. A primeira é tratar Marx como um ‘pensador mestre’, cujas afirmações carregam o imprimátur da verdade absoluta. A segunda (que prefiro), é tratar suas afirmações como propostas experimentais e ideias inacabadas, que precisam ser consolidadas numa forma teórica de argumentação mais consistente…” — Harvey procura imaginar, a partir dos poucos apontamentos que encontra em Marx a esse respeito, o que ele teria dito se tivesse desenvolvido uma teoria completa da geografia.

Harvey inclusive considera essa pouca atenção de Marx à geografia como “uma falha” do mesmo. Não é a toa, então, que a leitura que Harvey faz de Marx sofre forte resistência por parte das linhagens marxistas mais ortodoxas. Harvey aponta essa falha observando que, durante muito tempo, a geografia política crítica só pôde contar com as teorias anarquistas de Kropotkin e Elisée Reclus, que por sua vez não foram suficientemente desenvolvidas pelos seguidores, ou foram desenvolvidas em direç!ao a um comunitarismo idealizado e utópico.

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De que modo Harvey conecta Marx com a geografia?

Como exemplo bastante simplificado da linha de raciocínio de Harvey observemos que os mecanismos de acumulação do capital apontados por Marx tendem a gerar deslocamentos e concentrações populacionais, o que já é uma questão de geografia política.

A acumulação de capital exige um excedente de mão-de-obra que pressione o valor do trabalho para baixo, de modo que tenderá a pressionar a migração e acumulação de mão-de-obra disponível ao redor dos centros industriais, o que significa aumento da concentração populacional de baixa renda ou em condições de subemprego, na informalidade, e desemprego.

O capitalismo trabalha nesse sentido — apoiado entre outras coisas em seu poder de influência sobre o Estado — com a oferta de infra-estrutura para as diferentes regiões. Isso afeta, por exemplo, condições de saneamento básico, transporte, moradia…

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O mesmo mecanismo de acumulação exige por outro lado um crescente mercado consumidor que tenha acesso às mercadorias, e que portanto tende a se concentrar em grandes centros urbanos, na proximidade de lojas e outros centros de distribuição dessas mercadorias.

Harvey desenvolve essa linha de raciocínio avançando também para as relações econômicas internacionais.
Esse "mecanismo" de funcionamento das coisas que vai da acumulação do capital até as questões de geografia política na verdade não é pura e simplesmente “mecânico”, mas todo um sistema dialético em que há tensões entre tendências opostas e momentos de crise em que o próprio mecanismo leva a sua ruptura.

É interessante notar que a preocupação de Harvey com as questões de geografia política é também uma preocupação com o que diz respeito à vida cotidiana das pessoas, o que não deixa de aproximá-lo, em alguma medida, do marxismo heterodoxo de Henri Lefebvre, que depois deu lugar a algo mais anarquizante: o Situacionismo.

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Harvey tem outras contribuições derivadas de seu acento na geografia?

Harvey tem estudos interessantes também sobre assuntos específicos como o papel dos serviços de transporte na dinâmica da acumulação do capital.

Esse tema é importante para Harvey porque ele identifica uma tendência do capitalismo no sentido de “anular o espaço pelo tempo”, buscando meios cada vez mais eficazes de ultrapassar todo tipo de barreira espacial a fim de acelerar os processos de produção e circulação de mercadorias — o que é contraditório, pois a própria aceleração do deslocamento de materias primas e de mercadorias exige a valorização (inclusive com investimentos) de estruturas materiais que existem no espaço, como sistemas de transporte.

Harvey analisa também a formação de alianças não puramente econômicas na luta política, mas também regionais, das classes econômicas tal como distribuídas por regiões.

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