Tópicos de vida e obra de Walter Benjamin

Pesquisa & Texto da autoria de João Ribeiro de A. Borba

Janeiro de 2021

 

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Qual o perfil das produções intelectuais de Benjamin?

Walter Benjamin iniciou sua carreira intelectual em 1919, com uma tese intitulada Crítica de arte, no Romantismo alemão. Desde cedo, portanto, já estava se direcionando especificamente para a filosofia da arte, mas não se limitou a isso, avançando  também na construção de uma filosofia da história de perfil marxista.
 Suas obras mais importantes são, justamente, A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (de 1936), e as Teses Sobre o Conceito de História (de 1940) — obras que tratam desses dois assuntos, a segunda delas considerada por muitos, inclusive, como a mais importante obra sobre teoria revolucionária da história já escrita desde Marx.

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Como a filosofia da história de Benjamin
se destacou no pensamento marxista?

A filosofia da história de Benjamin partiu de estudos marxistas e sobre o romantismo alemão — tendência filosófica que dava muita importância às artes — e de estudos sobre o messianismo judeu.

Existia na época de Benjamin (e continua existindo) um evolucionismo marxista bastante comum e vulgarizado, uma concepção simplificada segundo a qual a revolução seria uma espécie de resultado “natural” ou “inevitável” do progresso econômico e técnico — ou, numa versão um pouco mais elaborada,  da “contradição entre as relações de produção”. Concepção que subestima o poder dos “desvios” históricos nessa linha evolutiva, os retorcessos e os zigue-zagues do processo dialético ao longo da história.

Benjamin se contrapôs firmemente a esse evolucionismo vulgar do marxismo, e passou a conceber a revolução, pelo contrário, como uma ruptura ou interrupção em uma evolução histórica conduzida pelo capitalismo e pelo seu controle dos Estados e do desenvolvimento tecnológico. Evolução que, sem essa ruptura ou interrupção revolucionária, acabaria levando a uma catástrofe econômica, social e política, provavelmente também militar.

Essa ruptura revolucionária, interrompendo a evolução catastrófica do capitalismo, seria realizada pelo proletariado em seu envolvimento na luta de classes. Mas antes de realizá-la, o proletariado já iria sonhando parcialmente com ela, elementos de uma utopia revolucionária e messiânica iriam emergindo desorganizadamente no imaginário coletivo do proletariado sob as mais variadas formas, prenunciando a revolução.

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A teoria de Benjamin é pessimista?

Segundo Benjamin — que é um pensador pessimista — nada garante que essa crise ou ruptura revolucionária irá mesmo acontecer, e o imaginário do proletariado nesta direção pode pode vir a se frustrar contra os fatos. Se a revolução não ocorre para acompanhar a emergência do imaginário messiânico do proletariado, o progressivismo tecnicista e otimista do capitalismo, então, pode levar (e tende mesmo a levar) a sociedade na direção de um outro tipo de colapso, um colapso muito pior. 

 

O marxismo de Benjamin é heterodoxo?

 Uma famosa interpretação heterodoxa dos textos de Marx é a de Karl Korsh, que diz que Marx foi fortemente influenciado pelo romantismo alemão e seria contra qualquer otimismo progressivista em história. Benjamin concorda com essa interpretação de Korsh, e acredita estar sendo mais fiel a Marx quando luta contra essa noção progressivista em história.


A luta de Benjamin contra a concepção progressivista das coisas também se manifesta em sua famosíssima proposta de se reescrever a história “a contrapêlo”, como se passássemos a mão nos pelos de um animal no sentido contrário em que se assentam, para enxergarmos a pele — isto é, as vases, os fundamentos — por debaixo: isto significa, segundo Benjamin, fazer a difícil pesquisa de lenvantamento do ponto de vista dos vencidos, e por detrás dessa proposta está, evidentemente, a crítica de que a história costuma ser escrita sempre a partir do ponto de vista dos vencedores, e acabar servindo como um instrumento ideológico de justificação dessa vitória a posteriori. É isso o que segundo Benjamin é preciso combater.

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Benjamim sofreu influência forte de algum outro filósofo além de Marx?

Nesta proposta benjaminiana de rever a história “a contrapêlo” existe também uma influência de Nietzsche. Quando era jovem, Nietzsche escreveu uma obra chamada Da utilidade e da inconveniência da história. Nesta obra, ele procurou mostrar o ridículo da “admiração nua pelo sucesso” que se pode observar nos historiadores, e também da adoração que eles têm pelo “factual”. Nietzsche criticava o modo como isto desvalorizava a vida e diminuía os impulsos heróicos. 

Benjamin parte da mesma crítica aos historiadores tradicionais para observar como isto desvaloriza os vencidos e transforma os estudos históricos, como já mencionamos, em meros instrumentos ideológicos para justificar a dominação. 

O passado, para ele, acaba se revelando, “a contrapêlo”, como uma sucessão de derrotas catastróficas que precisam ser reveladas e esclarecidas. Mas quando há vitória de um movimento revolucionário, deve-se notar que uma revolução também tem a estrutura de uma catástrofe e também é catastrófica nesse sentido. E por outro lado, quando não estamos falando nem dessas derrotas nem de vitórias revolucionárias, mas de um período de evolução contínua do capitalismo, também estamos falando de um processo que avança para um colapso final catastrófico, de modo que essa evolução contínua já deve ser considerada em si mesma catastróficas.  

Estudar história é estudar diferentes condições catastróficas e as relações entre elas. É um estudo de catástrofes, e não o estudo de uma sucessão linear de ocorrências. E é um estudo qualitativo, um exame das características de contextos históricos catastróficos comparados.

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A crítica de Benjamin à linearidade na história
está ligada ao seu pessimismo?

A história não pode então ser reduzida a uma forma linear vazia que vai sendo preenchida quantitativamente por acontecimentos que vão se acrescentando em uma direção, como se houvesse algo (por exemplo “A Revolução” comunista) a ir sendo “preenchido” com a realização de mais e mais condições necessárias até acontecer. Nem tampouco pode ser considerada como um acréscimo constante de progressos tecnológicos trazendo supostas melhores condições de vida para “a humanidade” à maneira do discurso histórico capitalista — coisa tão fácil e rapidamente desmentida pela constatação da distribuição social desequilibrada desses “benefícios do progresso”.

Rejeitando a linearidade como foco de estudo histórico, o que resta? 

O próprio Benjamin declara: "A catástrofe é o progresso, o progresso é a catástrofe. A catástrofe é o contínuo da história" (isto está em uma de suas notas preparatórias das Teses de 1940). 

O tema da catástrofe, pensado social e politicamente, conduz facilmente a um outro: o tema do fascismo — posicionamento político considerado (com boas razões) catastrófico segundo seus adversários, e que apela de fato, explicitamente, para um discurso catastrofista, para o alarme, para a emergência, para o sentido de guerra iminente externa e com “inimigos internos” inflamando o nacionalismo xenofóbico e instigando tensões sociais etc.

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Para Benjamin, fascismo e capitalismo estão interligados?

Refletindo a partir do posicionamento de Benjamin em relação ao fascismo podemos chegar a uma conclusão interessante: as irracionalidades do fascismo são simplesmente, para ele, o avesso da racionalidade instrumental moderna (capitalista). E o avesso de um processo coincide com a antítese que está no destino dialético desse mesmo processo. 

Em outras palavras, o colapso catastrófico para o qual o capitalismo avança com tanto otimismo é um resultado dialético desse mesmo avanço otimista, o otimismo progressivista e o progresso tecnológico conduzem à sua antítese (a catástrofe social, política, econômica e militar). 

Neste sentido, o fascismo coincide com essa antítese para a qual o capitalismo avança. O capitalismo avança para um colapso de perfil de certo mdo fascista, que leva às últimas consequências a combinação de progresso técnico combinado com regressão social. O fascismo, entretanto, também pode se instaurar revolucionariamente (catastroficamente) rompendo o desenvolvimento capitalista gradual. Instaurando-se catastroficamente antes do tempo, o fascismo estará firmando de imediato e de maneira antecipada o colapso do próprio capitalismo.

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Qual a importância dos estudos de história segundo Benjamin?

Os estudos de história têm, para Benjamin, um papel muito importante: eles podem nos preparar para enfrentarmos melhor a barbárie crescente e cada vez mais agravada que virá acompanhando o desenvolvimento tecnológico do capitalismo, e também para lidarmos melhor com outros possíveis contextos de catástrofe que temos pela frente.

 

Existem pontos em que a teoria de Benjamin sobre a história
concorda com as de outros marxistas?

Quanto à ideia de que a história nos prepara para lidarmos melhor com a barbárie crescente do capitalismo (que ruma para o fascismo), o pensamento benjaminiano encontra um ponto de acordo com os posicionamentos pessimistas mas levemente esperançosos de Horkheimer e Adorno. Além disso podemos assinalar que assim como Adorno (e na mesma época), Benjamin também se aproximou de Lúckacs — que influenciou os dois.

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Benjamin fez parte da Escola de Frankfurt?

Apesar de ser em geral considerado como um dos membros mais famosos e influentes da Escola de Frankfurt, a verdade é que Benjamin não chegou a fazer parte desse grupo, e sim apenas do Instituto de Estudos Marxistas que deu origem a ele (em 1934 e 35 teve uma série de atritos com o instituto e se afastou, antes da formação da Escola de Frankfurt). Assim, pode ser considerado um dos fortes inspiradores dessa Escola filosófica, mas não realmente um membro oficial dela.

Embora não seja exatamente a verdade, não é a toa que sua filosofia costuma ser tratada como parte dos desenvolvimentos da Escola de Frankfurt. Trata-se de uma filosofia com todos os principais traços daquela da Escola de Frankfurt. Não apenas a crítica do progresso e da tecnologia, mas também: a crítica do fascismo e no nazismo, mostrando o que têm de comum com o capitalismo; a mesma postura sombria e pessimista em relação ao futuro, igualmente temperada por um traço de esperança; um mergulho na questão psicológica do inconsciente coletivo, completando uma grande lacuna no pensamento marxista, com recurso a Nietzsche e Freud, ao mesmo tempo acompanhado da crítica pessimista do irracionalismo. E finalmente, Benjamin, assim como a Escola de Frankfurt, faz a crítica do envolvimento da tecnologia na produção artística.

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Benjamin tem alguma ligação com o movimento estético surrealista?

Já vimos que para Benjamin, o capitalismo se desenvolve cada vez mais (entrelaçado ao desenvolvimento tecnológico) rumo a uma condição social catastrófica similar àquela do fascismo.

Benjamin defende que esse colapso capitalista seja combatido por um um pessimismo organizado e prático. Para ele, o marxismo deveria se unir ao Movimento Surrealista nesse combate. A própria noção de “organização do pessimismo”, adotada por Benjamin, é na verdade de Pierre Naville, um marxista ligado aos surrealistas — um dos autores da revista la Révolution surréaliste. 

É de se notar que em 1928 Naville foi expulso do partido comunista francês, que seguia aquele evolucionismo progressivista mais vulgar na concepção de revolução, e isso o levou para a ala mais radical à esquerda entre os marxistas, que era o dos trotskistas. Com Naville e outros, podemos observar uma crescente aproximação entre o trotskismo e o surrealismo ao longo do tempo.

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Walter Benjamin pode ser considerado um surrealista?

O Surrealismo, como se sabe, é um movimento estético, que propunha um papel revolucionário para as artes, em que elas, grosso modo, deveriam se apropriar da linguagem dos sonhos e promover a ruptura da organização habitual das percepções das pessoas (como por exemplo no famoso relógio derretido encontrado nas pinturas de Salvador Dalí).

Isso deveria promover um senso crítico em relação à realidade cotidiana e habitual, ao que as pessoas estariam acostumadas a considerar como normal, e deveria promover uma maneira diferente de compreender as coisas percebidas no dia a dia. O surrealismo se apoiava bastante nos estudos teóricos de Freud e na psicanálise em geral, na ideia de trazer à consciência as formações imaginárias do inconsciente.

Qual é o pensamento estético de Walter Benjamin? Quais são suas principais reflexões em filosofia da arte? — Apesar de sua proposta de aliança entre o marxismo e o surrealismo, ele não pode ser considerado exatamente um surrealista. Benjamin tem sua própria teoria estética, e é uma teoria mais crítica do que de afirmação de algum caminho específico para as artes.

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Como é a teoria estética de Benjamin?

Segundo sua teoria, uma obra de arte tem o que ele chama de uma “aura” individual e única, algo de raro e muito especial e que não se encontra em nenhuma outra parte. Mas a tecnologia conseguindo reproduzir obras de arte, destrói essa “aura”. 

A dissolução da “aura” atinge um efeito de proprorções sociais quando a arte perde a condição “aristocrática” de objeto de culto que só é acessível a poucos. Nessas condições, surge a possibilidade de uma mudança qualitativa na recepção e na percepção estética das obras de arte pelas massas — aqui Benjamin segue uma noção que Marx herdou de Hegel: a de que um volume massivo de pequenas mudanças quantitativas acaba produzindo, a partir de um certo ponto, uma grande mudança qualitativa.

Mas no ambiente capitalista essa possibilidade, se não for bem aproveitada, pode ser absorvida dialeticamente pelo processo de desenvolvimento do capitalismo e transformada no seu contrário, com a queda da qualidade artística e a massificação da arte como parte dos instrumentos de dominação — situação pessimista que Benjamin não chega a examinar com a profundidade com que seria retomada depois por Adorno. A perspectiva de Benjamin em relação ao cinema é mais favorável.

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Benjamin fala sobre o cinema em sua teoria estética?

Uma das principais fontes responsáveis por essa destruição da “aura” das artes, segundo Benjamin, seria o cinema — que opera essa destruição em primeiro lugar em relação ao teatro. No teatro, a “aura” do ator se funde à do personagem, e algo parecido acontece com os objetos de cena em relação ao “papel” que eles desempenham na cena, que às vezes pode ser carregado de simbologia e de significações.

No cinema, há em primeiro lugar uma “reificação” (ou “coisificação”) do ator, que não está mais ali ao vivo e pode ser visto e revisto refazendo os mesmos gestos pelo público, que manipula aquela imagem sua coisificada quando manipula o filme para assisti-lo, ou recebe esse material manipulado e remanipulado inúmeras vezes, como uma “coisa” por aqueles que editam e depois por aqueles que distribuem o filme.

(Aqui encontramos um pouco da influência da crítica de Marx à coisificação das pessoas pelo capitalismo, transformando-as em números manipuláveis, massas de força de trabalho e mercado de consumo).

Mas por outro lado, o cinema “humaniza” metaforicamente tudo o mais na cena, porque é uma arte que ressalta a interação entre o agente humano e as coisas materiais ao seu redor. Assim, o cinema pode contribuir fortemente para o pensamento materialista e, neste sentido, para a preparação do proletariado para a revolução comunista.

Como resultado, a análise que Benjamin faz do cinema é mais otimista que pessimista.

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Em que consiste o otimismo de Benjamin em relação ao cinema?

O ponto mais interessante da análise um tanto otimista que Benjamin faz do cinema (dentro dos limites do otimismo possível em sua macro-visão catastrofista das coisas), é o seguinte: o modo como o olhar da câmera capta as coisas é diferente do modo como o olhar humano as capta.

A câmera substitui o espaço em que o homem está acostumado a agir conscientemente por um espaço em que ele “age” (ou atua) como receptor de maneira inconsciente, saindo dos seus focos de consciência no cotidiano e deste modo experimentando esse inconsciente repleto de elementos do imaginário coletivo que o cinema traz à tona. Com isto, segundo Benjamin, algo de seu inconsciente e do insconsciente coletivo vem à tona para o receptor que assiste a um filme, num mecanismo similar ao de uma prática terapêutica psicanalítica.

Pode-se vislumbrar, a partir disto, as conexões que Benjamin estabelece entre o marxismo e a estética psicanalítica do surrealismo.

Esse relativo otimismo de Benjamin diante das possibilidades abertas pelas tecnologias de reprodução nas artes, permitindo seu acesso pelas massas, foi bastante criticado por Adorno, que (mais pessimista) o achou excessivo.

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Como Benjamin morreu?

 Benjamin morreu em 1940 — suicidou-se com medo de ser capturado pelas tropas franquistas ou pelas alemãs.

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