Tópicos de vida e obra se Georges Sorel

Pesquisa & Texto da autoria de João Ribeiro de A. Borba

Jan/2021

 

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Sorel: mito e violência no processo revolucionário,
um quase-anarquista cujas ideias se perderam para o totalitarismo

 

Quem é Sorel?

Se Rosa Luxemburgo é uma marxista polêmica e controversa, Georges Sorel é um pensador que se encontra nas fronteiras do marxismo, quase fora. Ele combina o pensamento de Marx com alguma dose de Proudhon e com um pouco de Bergson — dois pensadores bastante diferentes, mas que têm um, e apenas um, conceito semelhante (não idêntico): o conceito de movimento.

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Como Sorel se posiciona entre Proudhon e Marx?

Proudhon dizia que para um grupo social conseguir realizar o que é de seu interesse precisa de um difícil equilíbrio de força coletiva — para enfrentar outros grupos com interesses contrários — com razão coletiva, que é uma condição básica para o autoconhecimento desse grupo e a melhor compreensão de seus próprios interesses.

O que Proudhon chama de “razão coletiva” é o debate entre as diferentes facções e opiniões que existam no interior desse grupo. Desse debate e das interações do grupo com o mundo prático ao seu redor brotarão pensamentos e teorias que podem representar o grupo e ajudá-lo a se conhecer melhor e a se orientar em suas lutas. A força coletiva, por outro lado, viria da união apaixonada do grupo em torno de certas ideias e sentimentos comuns, uma união capaz de mobilizar o grupo.

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Marx havia conhecido Proudhon na juventude, e Georges Sorel percebeu que essa ideia de “força coletiva” estava fortemente presente no pensamento do mestre comunista alemão. Na verdade Marx adotou a noção proudhoniana de “força coletiva” e rejeitou a de “razão coletiva”, substituindo-a pela noção mais simples de “consciência de classe”. A “consciência de classe” de que Marx fala deixa de lado todo o pluralismo de Proudhon, deixa de lado toda a valorização proudhoniana das diferentes facetas e pontos de vista dentro de um mesmo grupo.

A classe proletária passa a ser encarada na teoria de Marx como uma massa una que pode ser caracterizada por alguns poucos traços comuns a toda ela — não que as diversidade dentro dela deixe de existir, mas passa para segundo plano. Para Marx era mais importante focalizar aquilo que une o proletariado e deixar em segundo plano, ou até mesmo combater, aquilo que pode gerar divergências.

Georges Sorel concordava com Marx quanto a isso, mas achava que para unir os trabalhadores na luta era preciso criar um “mito revolucionário”, uma imagem fantasiosa que fosse capaz de emocionar as pessoas e mobilizá-las.

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Marx falava em “luta de classes” e considerava isso como uma realidade, a realidade das tensões e conflitos sociais entre os interesses dos trabalhadores explorados e os interesses da classe capitalista exploradora. Para Marx a sociedade estava realmente dividida em duas, e especificamente duas classes em conflito uma com a outra, e a consciência de classe representava a sua versão — uma versão que ele julgava mais realista e pragmaticamente mais viável do ponto de vista estratégico da união para a luta — daquilo que Proudhon chamava de “razão coletiva”.

Mas para Sorel, a “luta de classes” devia ser entendida apenas como um “mito revolucionário”. Os trabalhadores seriam mobilizados pelo sentimento de ódio contra um inimigo comum, e isto seria muito útil no processo revolucionário de transformação rumo ao comunismo, porque uniria as forças dos trabalhadores. Portanto, o que para Marx era uma reformulação da “razão coletiva” proudhoniana de certo modo combinando-a com a “força coletiva” proudhoniana num só conceito, para Sorel era apenas um instrumento de concentração da força coletiva.

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Sorel valorizava a violência?

Além de valorizar os "mitos revolucionários", Sorel falava também em “violência revolucionária”. Visualizava essa luta de classes "mítica" como uma luta necessariamente carregada de violência. Seu principal livro, tratando sobre esses assuntos, chama-se aliás “Reflexões sobre a violência”.

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Como Sorel interpreta a dialética?

O pensamento dialético, que Marx herdou de seu mestre Hegel, é reinterpretado por Sorel a partir das ideias que um filósofo chamado já mencionado: Henri Bergson — tinha sobre o “movimento” das coisas. Essa reinterpretação é complexa demais para trabalharmos aqui, e foge um pouco do lado mais “marxista” de Sorel, no qual queremos nos concentrar.

O importante é entendermos que essa noção de Bergson lembra muito uma noção de “movimento” trabalhada por Proudhon num livro seu chamado “Filosofia do progresso”. A principal diferença é que para Bergson o movimento era algo que acontecia em uma espécie de “interioridade” essencial e espiritual (ou subjetiva) das coisas, enquanto para Proudhon o mesmo movimento era objetivo e indiretamente detectável por raciocínio a partir das coisas observáveis sensorialmente de modo direto.

Além disso, para Proudhon o movimento é sempre uma tensão de dialética entre dois pólos se transformando mutuamente: um passado (ou registro histórico) e um futuro ou possibilidade. Para Bergson o movimento é mais simplesmente um fluxo contínuo em processo de transformação.

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Qual foi a combinação de influências filosóficas realizada por Sorel?

Sorel estava combinando Proudhon com Bergson, e combinando Bergson com Hegel e Marx.

Estava combinando Proudhon com Bergson, ao falar de movimento passava a valorizar mais a “interioridade” ou “espírito” das coisas, como Bersgon. Combinando Bergson com Hegel, retornava à noção de Proudhon de que haveria pólos dialéticos no movimento — mas pensava isto à sua própria maneira, mais hegeliana do que proudhoniana. Avançando em direção a Marx, adotava-lhe a postura político-econômica apoiando-se fortemente na noção de “luta de classes”, que considerava um “mito revolucionário” mais eficiente para unir a força coletiva do que aquilo que, segundo ele, Proudhon usava como “mito revolucionário”.

Proudhon considerava a “Justiça” como um ideal capaz de unir força coletiva e razão coletiva, na medida em que o clamor por justiça social podia inflamar a paixão coletiva, mas a noção de justiça por outro lado estaria conectada à de equilíbrio, e a busca do equilíbrio evocaria o balanceamento de forças divergentes dentro das classes trabalhadoras, portanto, o debate e com ele a confrontação racional entre elas — a razão coletiva.

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Sorel adotou um posicionamento próximo do anarquismo?

É provavelmente por causa dessa aproximação com Proudhon que Sorel, apesar de ser marxista, acaba desconfiando de partidos e governos, que direcionam as coisas a partir de um ponto de vista externo considerado “superior”. É provavelmente por isso que ele acaba coincidindo com aquela ideia um tanto anarquizante de Rosa Luxemburgo de uma greve geral revolucionária.

Só que Sorel imagina isto como um movimento mais agressivo, violento mesmo, mobilizado por um mito irracional capaz de provocar uma emoção coletiva intensa nos revoltosos. Sorel, assim como Marx, aposta mais na união dos trabalhadores em uma única orientação do que no pluralismo proudhoniano, e isto está diretamente conectado à sua valorização da violência, pela via do impulso irracional que a conduz.

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Como o "mito revolucionário" da luta de classes
de que Sorel trata aparece realmente em Marx?

Marx pretendia que essa união do proletariado em luta se desse pelo fortalecimento da “consciência de classe”, e não de maneira irracional como Sorel sugere. A consciência de classe seria a consciência dos interesses da classe trabalhadora e da unidade desses interesses — de que essa classe trabalhadora seria uma só classe socioeconômica, toda ela no fundo nas mesmas condições sob a exploração capitalista.

E essa conscientização se daria principalmente por força de organizações internacionais oficializadas entre os trabalhadores, de defesa dos interesses dos mesmos trabalhadores — e também secundariamente, em cada país, por meio de partidos. Dessa consciência de classe emergiria a consciência da luta de classes como uma realidade, consciência da confrontação dos capitalistas com os interesses dos trabalhadores. Passando de Proudhon a Marx podemos dizer, neste sentido, que Marx se utilizou do conceito de “lutade classes” como uma forma de unir os trabalhadores contra um inimigo comum.

O recurso de se focalizar um inimigo comum para se conseguir a união é uma estratégia historicamente bastante conhecida na política. Foi o que Marx jogou contra Proudhon visando superá-lo e depois associando-o e aos seus seguidores aos “inimigos” a serem combatidos — pois passou a tratar Proudhon e os proudhonianos como “pequenos-burgueses”, e a “burguesia” como “os inimigos”.

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Qual foi o destino político das ideias de Sorel?

Mais tarde o ultradireitista Mussolini utilizou o mesmo tipo de procedimento contra Marx: estudou o conceito marxiano de luta de classes em nível internacional, e o dissolveu focalizando em seu lugar uma luta nacionalista contra o inimigo externo — destruindo assim um dos eixos centrais do marxismo e criando contra ele o fascismo. No caso de Mussolini dissolveu-se também a noção marxiana de “consciência de classe” — restou apenas o que Sorel chamava de mito revolucionário (como já dito, um mito nacionalista de direita ao invés daquele de revolução operária contra o capitalismo).

Fica aqui o esclarecimento de que Rosa Luxemburgo não parece ter tido interesse por Proudhon, mas Sorel sim. Por outro lado, Sorel não parece ter tido tanto interesse pelo pluralismo e pela razão coletiva de Proudhon, enquanto Rosa Luxemburgo acaba coincidindo com Proudhon nisto, contrariamente ao apego mais radical à unidade por parte de Marx à esquerda, e de Mussolini à direita… mas também de Sorel a meio de caminho entre os dois, apesar de esquerdista.

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Infelizmente, algumas ideias de Sorel, como se pode notar, mais tarde acabaram sendo distorcidas e apropriadas pelo pensamento fascista (combinadas pelo fascismo com a ideia de uma autoridade forte manipulando e controlando essa massa irracional de trabalhadores unidos). Tais ideias apropriadas pelos fascistas (ultra-direita) foram jogadas contra os próprios comunistas, perseguidos pelo fascismo.

Sorel, como já vimos, defendia a revolução feita “de baixo para cima” por meio de uma greve geral revolucionária, e não por meio de alguma autoridade nacional. Talvez essa distorção e apropriação pelos fascistas não tivesse acontecido se Sorel tivesse preferido o pluralismo de Proudhon ao invés do intenso apego de Marx à unidade da classe trabalhadora quase a qualquer custo. Ou se tivesse pelo menos levado em consideração a noção marxiana de “consciência” coletiva (de classe) por detrás do conceito agressivo de luta de classes — captando essa luta de classes como um dado da realidade a ser compreendido racionalmente, e não como um “mito revolucionário” para unir forças irracionais.


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