Tópicos de vida e obra de Moixhe Postone

Pesquisa & Texto da autoria de João Ribeiro de A. Borba

Jan/2021

 

 

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Postone: uma nova e mais radical interpretação do marxismo,
o trabalho como categoria capitalista

 

Qual é a principal obra de Postone?

Professor de história, Moishe Postone ficou conhecido mundialmente pelo seu livro Tempo, Trabalho e Dominação social: uma reinterpretação da teoria crítica de Marx.  O livro se apoia principalmente em duas obras fundamentais de Marx: O capital e os Grundrisse — rascunhos de Marx para a escritura de O Capital. Apesar de menos estudados, os Grundrisse são uma obra importante, em que Marx deixa mais claros seus debates no campo da filosofia, e seus fundamentos teóricos para O Capital. Mas o interessante é que Postone vai muito além de uma simples tentativa de entender Marx: ele constói uma reinterpretação original da obra de Marx tornando-a muito mais poderosamente crítica em relação ao capitalismo.

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Postone faz alguma crítica ao marxismo tradicional?

Como ponto de partida, Postone critica a ideia (que grande parte do marxismo tradicional adota sem se dar conta) de que haveria alguma lei trans-histórica de desenvolvimento da História.

Para ele, portanto, não há nenhuma lei que explique todos os desenvolvimentos da história da humanidade. Cada contexto histórico tem as suas peculiaridades e pode ter, em casos específicos, e suas próprias leis de desenvolvimento até o o seu momento final — e ele trata de examinar quais as peculiaridades do contexto histórico capitalista, que segundo ele é um desses contextos que têm uma lei de desenvolvimento ao longo de sua história.

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Qual o papel do trabalho no capitalismo segundo Postone?

O contexto histórico capitalista tem uma lei própria de desenvolvimento porque está organizado em torno de um sistema econômico — o sistema capitalista — que tem um funcionamento específico. E é aqui, na descrição desse funcionamento e dessa lei de desenvolvimento do capitalismo, que Postone marca sua enorme originalidade em relação ao marxismo tradicional, frente ao qual assume uma postura crítica à esquerda — seu posicionamento é mais radical na crítica ao capitalismo do que o das correntes marxistas tradicionais.

Segundo Postone, é o desenvolvimento do próprio capitalismo que vai permitindo paralelamente, a partir de suas contradições, o desenvolvimento de críticas anticapitalistas. É preciso que as contradições do capitalismo comecem a aparecer ou se tornar pelo menos nitidamente previsíveis para que possam servir de base para críticas contra esse sistema econômico. E a partir de certo nível de desenvolvimento do sistema capitalista, essas contradições começaram a permitir enxergarmos que o capitalismo constrói ideias, conceitos ou categorias trans-históricas para se apoiar nelas. Por exemplo a categoria do trabalho.

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O marxismo tradicional sempre se apoiou na defesa do trabalho contra o capital, da força dos trabalhadores contra as forças de acumulação do capital — que para realizarem esta acumulação, exploram violentamente aquela força de trabalho.

O que Postone faz, numa reviravolta surpreendente, é criticar todo o marxismo tradicional acusando-o de se apoiar na categoria do trabalho como se ela fosse uma categoria trans-histórica que organiza toda a vida social em todos os tempos ao longo da história da humanidade, quando os últimos desenvolvimentos do capitalismo permitem enxergar que categorias tras-históricas desse tipo — quaisquer que sejam elas, mas acima de tudo justamente a categoria do trabalho — são sempre construções que servem para o apoio do próprio capitalismo, e não para sua crítica e ou para a luta contra ele.

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Postone nega a importância do trabalho?

Postone não nega que em todos os tempos tenha sido preciso trabalhar para viver. O que ele nega é que a vida tenha sido sempre organizada em todas as suas dimensões com base nisso, que isso tenha sido sempre a base de tudo na vida das pessoas.

Segundo Postone, foi o capitalismo que transformou o trabalho em uma forma de dominação à qual as pessoas estão presas e em torno da qual tudo tende a girar em suas vidas. Uma forma de dominação que leva as pessoas a tentarem ocupar cada vez mais de seu tempo com isso (com trabalho) — e sem conseguirem, porque o próprio capitalismo contraditoriamente vai aumentando sempre a produtividade de cada parcela de trabalho disponível, precisando de um conjunto cada vez menor de trabalho (gerando por exemplo desemprego e massas de mão-de-obra desqualificada e desvalorizada, em contraste com uma minoria cada vez menor de mão-de-obra altamente qualificada).

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Existe algo de comum entre o capitalismo e o marxismo tradicional?

Para Postone, tanto o capitalismo quanto o marxismo tradicional se apoiam na mesma ilusão de que o centro da vida das pessoas, a base na qual tudo deve se organizar, é necessariamente o trabalho, promovendo uma supervalorização do valor : o valor atribuído às coisas enquanto mercadorias, à mão-de-obra, e enfim, às próprias pessoas enquanto força de trabalho, passa a ser focalizado também como uma categoria central.

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Em que ponto a crítica feita pelo marxismo tradicional
se perde, segundo Postone?

Segundo ele, o marxismo tradicional se perde no caminho porque tenta tirar suas conclusões críticas contra o capitalismo indiretamente, através da crítica à mercadoria e ao sistema mercadológico de circulação de produtos. O marxismo tradicional se perde focalizando o mercado e a circulação de mercadorias como se fossem o centro do problema, como se fossem aquilo que caracteriza essencialmente o sistema capitalista, quando a qiestão central — mais difícil de se focalizar — está diretamente nas categorias do trabalho e do valor, e em sua relação com o uso do tempo na vida das pessoas, com o modo como o capitalismo estabelece essas relação do trabalho e da atribuição de valor às coisas com o tempo gasto para a realização disso.

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Qual a contradição que Postone vê no desenvolvimento do capitalismo?

Segundo Postone, o capitalismo se apoia no trabalho e na atribuição de valor às coisas como centros de organização de tudo na vida das pessoas, e contraditoriamente, vai aperfeiçoando seus modos de produção e tornando o trabalho humano cada vez mais supérfluo — contradição que parece apontar para um futuro colapso e fim do capitalismo. Mas ele não aposta com segurança nisto: considera isto apenas como uma possibilidade.

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Postone oferece soluções para os problemas que ele detecta?

É verdade que Postone detecta um problema na teoria marxista tradicional, e propõe uma nova interpretação de Marx que o corrige, mas sua proposta de "soluções" para as coisas se limita ao campo teórico.

É um desses pensadores que estão mais preocupados com a crítica das condições reais em que vivemos do que com a busca de soluções — ele oferece sua crítica como uma porta aberta para que uma nova linhagem de marxistas procure pensar estratégias de ação e possíveis caminhos de luta pela superação da exploração capitalista do trabalho. Apenas assinala que esses caminhos e estratégias não podem simplesmente se apoiar na clássica defesa dos direitos do trabalhador enquanto trabalhador dentro do capitalismo, porque essa defesa em última análise está apoiada nas mesmas bases que o próprio capitalismo e acaba contribuindo para a perpetuação dele, mais do que para sua superação.

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