Tópicos de vida e obra de Adorno

Pesquisa & Texto da autoria de João Ribeiro de A. Borba

Janeiro de 2021

 

Sumário


 

Adorno: um pensador da cultura preocupado com os mecanismos comunicacionais e psicológicos de dominação e autoritarismo

 

Como podemos resumir a carreira político-filosófica de Adorno?

Adorno além de filósofo era músico (pianista). Começou sua carreira filosófica defendendo a teoria de Marx contra as críticas de Popper — que recusava a dialética e negava que o marxismo pudesse ser considerado científico. Além disso, Adorno fazia críticas também ao fenomenólogo existencialista Heidegger.

Em 1924, Adorno fez uma tese na Universidade de Frankfurt sobre um outro grande fenomenólogo, Husserl. Em 1925 conheceu pessoalmente Lúckacs, e sofreu forte influência dele. Em 1933 publicou tese e sobre o existencialista Kierkegaard (que Lúckacs criticava). Mas se decepcionou com Lúckacs quando este pareceu renegar sua obra de juventude em favor de interesses do partido comunista. 

Por esse início se percebe que Adorno desenvolveu sua teoria em diálogos e confrontos sucessivos com o existencialismo e a fenomenologia, e que não aceitava que a filosofia fosse submetida às diretrizes de um partido político.

Foi Adorno quem mais tarde se tornou o novo diretor da Escola de Frankfurt, quando seu mestre Horkheimer se aposentou. E manteve esse perfil de comportamento, colocando a integridade da filosofia acima de questões político-partidárias, o que já era presente no grupo sob a liderança de Horkheimer.

Em 1969, Adorno e um famoso colega da mesma Escola de Frankfurt, Herbert Marcuse, que era seu amigo entraram em conflito: havia um movimento de protestos estudantis que invadiu o instituto durante uma aula de Adorno. Adorno chamou a polícia contra os estudantes.

Marcuse apoiou os estudantes e repreendeu o amigo Adorno numa série de cartas em que o conflito entre os dois foi crescendo. Marcuse dizia que a democracia burguesa muitas vezes bloqueia qualquer possibilidade de ação pelas vias oficiais e se torna necessário apelar para as vias extra-oficiais, como desobediência civil e ação direta (propostas tipicamente anarquistas).

Por outro lado, Adorno entrou em polêmica também contra pensadores conservadores de direita nessa época, colocando-se numa corda-bamba entre os dois lados, os jovens rebeldes de um e os conservadores de outro. Adorno faleceu de problemas cardíacos em agosto do mesmo ano.

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Como foi o trabalho conjunto de Adorno com Horkheimer?

Uma das principais obras de Adorno, Dialética do esclarecimento (de 1947), feita em conjunto com Horkheimer e já mencionada na página sobre esse pensador neste site, parece trazer forte contribuição dele ao pensamento desse seu mestre, continuando e aprofundando a Crítica da razão instrumental de Horkheimer.

Nesta obra, como também já colocado no tópico sobre Horkheimer, os dois fazem uma crítica do progressivismo iluminista de perfil tecnicista, considerando isto como uma das diversas possíveis manifestações de “barbárie”, e fundam o conceito de “indústria cultural” — que parece ter sido uma contribuição mais específica de Adorno.

 

O que é a "indústria cultural" segundo Adorno?

Relembremos o que já foi dito na página sobre Horkheimer: o conceito adorniano de "indústria cultural" de Adorno é construído contra o de “cultura de massa” que sugere certa espontaneidade dessa cultura. Em sentido contrário, o conceito de “industria cultural” indica que a tal “cultura de massa” é na verdade a construção artificial de uma cultura visando o consumismo, portando algo em que está inscrita uma estrutura de exercício de dominação. A indústria cultural “cria” necessidades psicológicas que alimentem as estruturas de dominação capitalistas.

Ao invés de sublimar o impulso sexual satisfazendo-o pela sua transformação em uma realização superior, como as artes fazem, a indústria cultural o reprime e direciona para o consumo para estimulá-lo a buscar uma fuga na direção do consumismo, da compra de produtos que jamais poderão oferecer satisfação completa do desejo.

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Como foi o desenvolvimento de Adorno
como pensador independente de Horkheimer?

Os textos e reflexões posteriores de Adorno, como pensador independente, sem co-autoria de seu mestre Horkheimer, redomaram e aprofundaram muitas vezes em diferentes direções esse tema da indústria cultural.

Em 1966, Adorno retomou a crítica do Iluminismo que tinha feito junto com Horkheimer em Dialética do esclarecimento, e o resultado foi o livro Dialética negativa. Nele Adorno tenta libertar a razão de tudo o que ela vem carregando de elementos de domínio autoritário desde o Iluminismo. 

Neste sentido, Adorno critica o princípio da identidade da lógica (a ideia de que tudo o que não permanecer idêntico a si mesmo, tudo o que estiver em processo de transformação, deve ser excluído como contraditório e falso) e critica também as tentativas de sistematização das coisas visando superar contradições. Esse princípio de identidade aparece no positivismo lógico e essas tentativas de sistematização aparecem tanto nele quanto na dialética de Hegel — e inclusive, segundo ele, o próprio Hegel não chega a se libertar do princípio de identidade. 

Adorno busca um pensamento que respeite (sem “superar”) a alteridade, a não-identidade, o diferente, o dissonante — que ele também chama de “o inexpressável”. Para isso o pensamento teria que se ser dialético sem avançar para sínteses que ultrapassassem a contradição. Teria que se manter na negatividade, na antítese.  Diz que a razão só deixa de ser dominadora se persiste na dualidade, interrogando o outro sempre sem chegar a compreendê-lo por inteiro e se auto-interrogando.

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Como Adorno lida com os temas da irracionalidade e da arte?

Para Adorno, se é preciso superar o irracional, é porque o irracional é feito de categorias que pressupõem reafirmação das estruturas sociais injustas e irracionais. Mas por outro lado é preciso admitir ao mesmo tempo o fato de sua presença por exemplo na arte — em que Adorno vê um reflexo indireto do mundo real. Por causa dessa irracionalidade, o reflexo não é perfeito, a arte nem sempre ajuda a conhecer a realidade e pode enganar a respeito dela.

Não só a expressão artística, mas toda linguagem, segundo Adorno, realiza então uma forma de violência cognitiva, uma forma de violência no campo do conhecimento — pois os signos nunca são idênticos ao que pretendem exprimir ou representar. Mas a obra de arte tem a possibilidade de criar seu próprio mundo interno e escapar pelo menos em alguma medida dessa prática de violência cognitiva, criando uma realidade interna que tem a sua própria coerência. Portanto, para Adorno, não se trata de valorizar uma arte que faça uma pura e simples imitação da realidade que percebemos ao nosso redor, mas uma arte que tenha sua própria coerência, e que através dessa coerência consiga transparecer algo da realidade. 

Em suas reflexões sobre a arte, Adorno se apoia muito em outro colega da Escola de Frankfurt: Walter Benjamin. Mas por outro lado faz fortes críticas a esse mesmo colega acusando-o de otimismo ingênuo, entre outras coisas porque esse colega não considera os problemas envolvidos na questão da indústria cultural.
 Contudo em sua última obra, Teoria Estética, Adorno modera o seu pessimismo indicando uma possibilidade de fuga da dominação dentro das artes, avançando na direção que já mencionamos. As artes criariam algo como um universo próprio à parte dentro do campo da pura aparência, algo que se apresenta como se fosse perfeito, apesar de estar e ser feito dentro de um mundo imperfeito. Nesse seu modo de se apresentar (como se fosse perfeita) e naquilo que a arte oferece, ela estaria em antítese aos sistemas de dominação da realidade social, tão imperfeita. 

Por essa teoria estética, Adorno acaba sendo fortemente criticado pelos pensadores políticos mais radicais, que viram nisso um escapismo que não dava espaço para  a praxis política.

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Como Adorno trabalhou o tema do autoritarismo?

Adorno ficou muito conhecido como um dos criadores dos fundamentos teóricos da Escala-F, uma bateria de testes para medirem em que grau a população norte-americana era suscetível às influências do fascismo. 
 Isso foi em 1950 (poucos anos depois de Dialética do esclarecimento, e muito antes de ter escrito Dialética negativa). Tratava-se de uma pesquisa encomendada e financiada pelo governo norte-americano, e que se inspirou em estudos anteriores sobre o anti-semitismo.

Os fundamentos da tal Escala-F foram apresentados em um livro de vários autores chamado A personalidade autoritária. Os autores eram, além de Adorno, Else Frenkel-Brunswik, Deniel Levinson e Nevitt Sanfort, e eram todos pesquisadores da Universidade da Califórnia, Berkeley. No livro, eles defendiam o que chamavam de “Teoria da Personalidade Autoritária”.

Evidentemente, a criação da Escala-F não deve ser atribuída pura, direta, e simplesmente a Adorno. Todos esses estudiosos trabalharam juntos nisto, e é claro que deve ter havido muitos pontos de discordância entre eles, mas era um trabalho encomentado e financiado pelo governo norteamericano e precisavam chegar a um resultado que ele considerasse satisfatório. Entretanto, Adorno levou a fama, apesar de todo o seu esforço no sentido de tratar as coisas mais dialeticamente, que sugere como algo contraditório ter como resultado uma bateria de testes objetivos. 

É preciso compreender ainda que a bateria de testes é apenas uma parte em um conjunto maior de pesquisas, visando dar mais consistência a elas e atender às expectativas do governo. E é uma pesquisa qualitativa, em que as análises feitas depois, com a consideração de variações de contexto e variáveis impossíveis de fixar em números, têm um peso e uma importância muito maiores. 
 De qualquer modo, a pesquisa causou muita polêmica, com diversas críticas de um lado e elogios de outro, muitas vezes dirigidos equivocadamente só a Adorno, como se fosse o único responsável por ela.

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Como é a bateria de testes da Escala-F criada por Adorno e seus colegas
para medir o grau de fascismo na mentalidade das pessoas?

 A bateria de testes para medir a Escala-F é formada por 30 afirmações que deveriam ser colocadas para cada um dos entrevistados, que poderiam responder assinalando uma destas respostas:
 â—¦ Discordo muito firmemente
 â—¦ Discordo na maior parte
 â—¦ Discordo um pouco
 â—¦ Concordo um pouco
 â—¦ Concordo na maior parte
 â—¦ Concordo muito firmemente

As afirmações eram as seguintes:

[1] Obediência e respeito à autoridade são as virtudes mais importantes que as crianças devem aprender.

[2] Uma pessoa que tem más maneiras e hábitos e má criação dificilmente pode esperar se dar bem com pessoas decentes

[3] Se as pessoas falassem menos e trabalhassem mais, todos estariam melhor.

[4] O homem de negócios e o fabricante são muito mais importantes para a sociedade do que o artista e o professor.

[5] A ciência tem seu lugar, mas há muitas coisas importantes que nunca podem ser entendidas pela mente humana.

[6] Toda pessoa deve ter fé completa em algum poder sobrenatural cujas decisões ele obedece sem questionar.

[7] Pessoas jovens às vezes têm ideias rebeldes mas como eles crescem elas devem superar e se acalmar.

[8] O que este país mais precisa, mais do que leis e programas políticos, são alguns corajosos, incansáveis, líderes dedicados em quem o povo pode colocar sua fé.

[9] Nenhuma pessoa sã, normal e decente poderia pensar em machucar um amigo próximo ou parente.

[10] Ninguém nunca aprendeu nada realmente importante, exceto através do sofrimento.

[11] O que a juventude mais precisa é de disciplina rígida, determinação dura, e a vontade de trabalhar e lutar pela família e pelo país.

[12] Um insulto à nossa honra deve ser punido.

[13] Crimes sexuais, como estupro e ataques às crianças, merecem mais do que meras prisões, tais criminosos devem ser publicamente chicoteados, ou pior.

[14] Não há nada mais baixo que uma pessoa que não sente um grande amor, gratidão e respeito pelos pais.

[15] A maioria dos nossos problemas sociais seriam resolvidos se pudéssemos nos livrar dos imorais, corruptos e de mente fracas.

[16] Homossexuais não são melhores que criminosos e devem ser severamente punidos.

[17] Quando uma pessoa tem um problema ou preocupação, é melhor para ele não pensar sobre isso, mas manter-se ocupado com coisas mais alegres.

[18] Hoje em dia mais e mais pessoas estão se metendo em assuntos que devem permanecer pessoais e privados.

[19] Algumas pessoas nascem com vontade de saltar de lugares altos.

[20] As pessoas podem ser divididas em duas classes distintas: os fracos e os fortes.

[21] Algum dia, provavelmente, será mostrado que astrologia pode explicar muitas coisas.

[22] Guerras e problemas sociais podem algum dia ser terminados por um terremoto ou inundação que vai destruir o mundo inteiro.

[23] Nenhuma fraqueza ou dificuldade pode nos deter se tivermos força suficiente de vontade.

[24] É melhor usar algumas autoridades antes da guerra na Alemanha para manter a ordem e evitar o caos. [Você terá que fingir que é 1946 quando responder a este item.]

[25] A maioria das pessoas não percebe o quanto nossas vidas são controladas por conspirações chocadas em lugares secretos.

[26] Sendo a natureza humana o que é, sempre haverá guerra e conflito.

[27] Familiaridade gera desprezo.

[28] Hoje em dia, quando tantos tipos diferentes de pessoas se movimentam e se misturam tanto, uma pessoa precisa se proteger com cuidado especial contra pegar uma infecção ou doença a partir delas.

[29] A vida sexual selvagem dos gregos e romanos era domesticada comparada a alguns dos acontecimentos neste país, mesmo em lugares onde as pessoas menos esperariam.

[30] O verdadeiro estilo americano de vida está desaparecendo tão rápido que a força pode ser necessária para preservá-lo.

 Nos resultados do teste, cada pessoa entrevistada recebe uma pontuação de acordo com suas respostas. As respostas valem de 1 a 6 pontos (1 para “Discordo muito firmemente” e 6 para “Concordo muito firmemente”). A pontuação média apropriada (saudável, sem fascismo) para um norteamericano médio normal seria de 3 a 4.5, mais precisamente 3.84 e um pouco mais alta para homens.
 Além disso cada pessoa entrevistada é classificada segundo 9 variáveis de personalidade, e essa pontuação é verificada em cada uma delas.

Seguem abaixo essas 9 variáveis de personalidade e as afirmações que foram colocadas no teste para examinar a presença delas.

 

Variável de personalidade –– Convencionalismo: aderência rígida aos valores convencionais de classe média. Afirmações que medem essa variável: 1, 2, 3, 4.

 

Variável de personalidade –– Submissão Autoritária: atitude não crítica para as autoridades morais idealizadas do grupo com o qual a pessoa se identifica. Afirmações que medem essa variável: 1, 5, 6, 7, 8, 9, 10.

 

Variável de personalidade –– Agressividade autoritária: tendência a procurar por, e a condenar, rejeitar, e punir pessoas que violam valores convencionais. Afirmações que medem essa variável: 2, 3, 11, 12, 13, 14, 15, 16.

 

Variável de personalidade –– Anti-intracepção: Oposição ao subjetivo, ao imaginativo, à mente tenra e maleável, capaz de experimentar e alterar-se. Afirmações que medem essa variável: 3, 4, 17, 18.

 

Variável de personalidade –– Superstição e estereotipia: A crença em determinantes místicos do destino do indivíduo, a disposição de pensar em categorias rígidas. Afirmações que medem essa variável: 5, 6, 19, 20, 21, 22.

 

Variável de personalidade –– Poder e "Dureza", exagerada afirmação de força e resistência, dimensão de liderança, identificação com figuras de poder, superenfatização dos atributos convencionais do ego, afirmação exagerada de força e resistência. Afirmações que medem essa variável: 8, 11, 12, 20, 23, 24, 25, 30.

 

Variável de personalidade –– Destrutividade e Cinismo: hostilidade generalizada, tratamento do humano como vil. Afirmações que medem essa variável: 26, 27.

 

Variável de personalidade –– Projetividade: A disposição de acreditar que coisas selvagens e perigosas acontecem no mundo, a projeção para fora de impulsos emocionais inconscientes. Afirmações que medem essa variável: 18, 22, 25, 28, 29.

 

Variável de personalidade –– Preocupação exagerada com “ocorrências sexuais". Afirmações que medem essa variável: 13, 16, 29.

 

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